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COMPORTAMENTO: Filhos podem esperar

Em dez anos, o número de partos de mulheres com mais de 40 anos dobrou no Distrito Federal. Conheça os prós e os contras na decisão de postergar a maternidade


Por Clara Becker - Revista Veja Brasília

Até os 30 anos, a atriz Catarina Accioly investia boa parte de seu tempo no aperfeiçoamento das técnicas de interpretação. Depois disso, quis trabalhar também como diretora e passou a se organizar em função do novo aprendizado. Aos 34 anos, conseguiu um emprego fixo numa emissora de TV pública. Tinha estabilidade financeira e no relacionamento, mas o trabalho a mantinha na estrada, produzindo documentários país afora. Nessa rotina, permanecia meses em locações onde celulares não pegavam e doenças podiam facilmente ser contraídas. Um filho àquela altura seria um impedimento à dedicação profissional, uma complicação em sua vida. Contudo, mesmo apaixonada pela sua carreira, sabia que precisava investir em algo além dela. E viu esse novo caminho surgir na sua frente aos 39 anos. Enquanto dirigia uma campanha em Alagoas, descobriu que esperava um bebê. Tratava-se de uma gravidez acidental — o relacionamento já tinha terminado —, mas Catarina viu ali a oportunidade de realizar um sonho quase esquecido. A partir daí, foram meses de renúncias e sacrifícios devido a complicações de saúde que a obrigaram a ficar acamada durante toda a gestação. Ao fim do processo, teve, aos 40, Gabriela, hoje com 1 ano e 5 meses. Oito meses depois, voltou a trabalhar, mas agora só aceita projetos que possa conciliar com a criação da filha. Dona de uma disposição que provoca inveja em qualquer adolescente, a artista só consegue ver benefícios na maternidade tardia. “Adiei ter filhos principalmente pela minha liberdade. Há dois anos não vou a uma balada nem ao cinema. Até saio, mas às 20 horas preciso estar em casa para pôr a Gabriela na cama”, diz ela.

Olhando para trás, Catarina acredita que aos 20 ou aos 30 anos não estava pronta para abrir mão de sua agenda pessoal, uma análise compartilhada por um grande número de brasileiras. Hoje, é cada vez maior o porcentual de mulheres no país que optam por ter filhos mais tarde, especialmente na capital federal. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 38,3% das mães no Distrito Federal tiveram rebento entre 30 e 44 anos — a média nacional fica em 30%. Em 2012, 3,2% das mulheres do DF estavam com mais de 40 anos na ocasião do parto, contra 2,84% e 2,77% nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, respectivamente. A diferença é pequena, mas revela uma tendência. Estudo da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan) mostra que durante a primeira década de 2000 o número de partos de mulheres acima dos 40 dobrou. Outro bom termômetro dessa mudança comportamental em Brasília aparece nas principais clínicas de fertilidade daqui, como o Instituto Verhum e o Centro de Assistência em Reprodução Genesis. Elas viram crescer a demanda e duplicaram o número de tratamentos, a exemplo da fertilização in vitro. Várias razões concorrem para isso, entre elas o ingresso feminino maciço no mercado de trabalho, o aumento da escolaridade entre as mulheres e a maior facilidade de acesso aos métodos contraceptivos. O custo financeiro de manter uma família nas grandes cidades também aparece como fator importante nessa balança. “Os horizontes das mulheres se ampliaram enormemente em relação aos de suas mães e avós. A maternidade não é um destino, um imperativo. Ela passou a ser uma escolha, colocada ao lado de outras no exercício da liberdade e na constituição da cidadania feminina”, diz a socióloga e feminista Ana Liési Thurler.


Ana Cristina Costa e Silva, 40 anos, e Enzo, 1 ano e 7 meses: ex-workaholic, não pensava em ser mãe até ter uma estafa (Foto: Arquivo pessoal)


Foi a combinação dessa liberdade com o desejo de priorizar sua atividade profissional que levou Ana Cristina Costa e Silva a postergar a maternidade. Ela e o então marido eram os típicos workaholics: trabalhavam dezoito horas por dia e não encontravam tempo nem mesmo para gastar o que ganhavam. A dupla achava que era feliz assim e não sentia vontade de constituir família. Aos 35 anos, se contassem a Ana que ela daria à luz seu primeiro filho com 40, não acreditaria. Nesse meio-tempo, contudo, teve uma estafa, entrou em depressão, terminou o casamento e comprou uma fazenda em Alto Paraíso de Goiás (GO), onde conheceu seu atual marido. O filho Enzo nasceu em casa, com uma parteira, a 300 quilômetros do hospital mais próximo. Apesar da idade, a gravidez e o parto ocorreram tranquilamente. “Em Brasília, eu era chamada de primípara idosa, algo que parece nome de dinossauro. Chegaram a me dizer que meu filho teria síndrome de Down”, conta. Hoje, Ana divide a sua vida em antes e depois da maternidade. Ela reestruturou a rotina profissional — aluga casas em sua propriedade, no que chama de turismo de experiência —, planta o que come e ainda amamenta o filho.


A médica Selena Innecco, 44, e José, 3 anos: planos adiados pela falta de um parceiro ideal (Foto: Michael Melo)


Nem sempre a carreira aparece como o maior empecilho da maternidade. No agitado estilo de vida moderno, para muitas mulheres falta o ingrediente fundamental no projeto: um parceiro comprometido com essa missão. A médica Selena Innecco sempre gostou da ideia de ser mãe, mas seu plano foi sendo adiado enquanto ela buscava um companheiro ideal. No primeiro casamento, era muito nova. Separou-se cedo e ficou durante um bom tempo solteira. Aproximava-se dos 40 quando foi diagnosticada com endometriose e os médicos disseram que o seu relógio biológico não poderia esperar. A partir desse susto, começou a se estruturar para ser mãe, meta que, naquele momento, se tornou prioridade. Mas uma produção independente estava fora de cogitação e o parceiro demorou a surgir. Apenas em 2011, aos 44 anos, Selena engravidou de José. Com carreira estabilizada, pode se dar ao luxo de trabalhar meio período no consultório. Além da maior segurança no trabalho, ela cita a paciência e a compreensão da infância como benefícios que a maturidade traz para o exercício materno. Apenas se ressente do fato de não saber se será avó. “É meio bobo, mas queria muito ter netos”, diz.

Nem todas as mães maduras, contudo, passam por um processo tranquilo como o de Selena. As ocorrências de hipertensão, diabetes, pré-eclâmpsia, má-formação do feto, parto prematuro e aborto aumentam muito na gestação após os 40, exigindo uma série de cuidados especiais (veja no quadro abaixo). O ginecologista e obstetra Guaraci Beleza, especializado em gravidez de risco, diz que as mulheres não devem se sentir desencorajadas por causa disso. “Com um pré-natal benfeito e bem assistido, você não tem tanta intercorrência clínica. É perfeitamente possível ter uma gravidez tardia tranquila”, diz Beleza.




Diversas vezes, porém, o atento acompanhamento médico se faz necessário muito antes disso, já que as possibilidades de gravidez espontânea caem a partir dos 35 anos — quando a quantidade e a qualidade dos óvulos na mulher começam a diminuir rapidamente. Aos 40, a probabilidade fica em torno de 10%; aos 45, despenca para 2%. Com tratamentos como a fertilização in vitro, os números sobem para 20% e 5%, respectivamente. “A medicina avançou demais nos últimos anos, mas não resolve tudo”, diz o ginecologista Vinicius Lopes, diretor do Instituto Verhum. As mulheres que desejam postergar a maternidade devem entender que o auge da produtividade não bate com o auge da reprodutividade. Apesar de as taxas de sucesso em clínicas como a Verhum e a Genesis se equipararem aos padrões internacionais — algo que atrai a Brasília mulheres de outros estados do Centro-Oeste e das regiões Norte e Nordeste —, torna-se importante alertar para o fato de que os métodos não são infalíveis. “Em vários casos, só é possível obter a gestação com a doação de óvulos. O tema ainda é tabu, e muitas mulheres não estão preparadas para enfrentá-lo”, diz a ginecologista Hitomi Nakagawa, diretora da Genesis.


Flavia Gonçalves, 46, Gabriel, 3 anos e 8 meses, e Gustavo, 2 anos e 1 mês: cinco tentativas de fertilização in vitro (Foto: Roberto Castro)


A ex-advogada Flavia Gonçalves sentiu na pele essas dificuldades. Foram quatro tentativas de fertilização in vitro fracassadas, num processo bem desgastante para o casal. “Mesmo com as dificuldades, nunca pensei em desistir. Minha vontade de ter um filho era tanta que, se precisasse arriscar novamente, eu tentaria”, conta ela. Aos 42 anos, Flavia engravidou de Gabriel. A gestação, inicialmente de gêmeos, foi muito delicada, uma vez que a bolsa de um dos fetos se rompeu e apenas um sobreviveu — o bebê nasceu prematuro, aos seis meses, e passou oitenta dias na UTI. Nessa época, Flavia já sonhava com outro filho, mas queria aguardar três anos para encarar uma nova empreitada. Seu médico, entretanto, a advertiu de que ela não poderia esperar. Um ano e sete meses depois veio Gustavo. Dessa vez, a fertilização deu certo de primeira e a gravidez foi tranquila. Na sequência, ela deixou o emprego para se dedicar exclusivamente às crianças ao lado do marido, aposentado. “Mais nova, eu não teria condições financeiras de parar de trabalhar para ser mãe em tempo integral. O aspecto negativo é que a gente não tem mais 20 anos para correr atrás dos meninos. Precisei me reinventar, arranjar energia extra”, confessa.


A bancária Cristine Eirado, 33 anos: sem perspectivas de ter filhos tão cedo, optou por congelar seus óvulos (Foto: Michael Melo)


Para que os riscos como os que foram enfrentados por Flavia sejam diminuídos, especialistas recomendam às mulheres que verifiquem sua reserva ovariana de forma rotineira. Se elas chegarem aos 35 sem perspectiva de ter filhos, o congelamento de óvulos é indicado — há quem consiga fazê-lo mais tarde, a exemplo da apresentadora Luciana Gimenez, 44 anos, que recentemente anunciou ter passado pelo procedimento no início de agosto. Tal solução (confira os detalhes no quadro abaixo)também serve para quem enfrenta tratamentos com risco de infertilidade, como a quimioterapia. Nessa escolha, a mulher envelhece, mas seus óvulos continuam jovens, embora isso não garanta a realização do sonho de ter um filho. Conscientes dos problemas que podem enfrentar ao optar pela maternidade tardia, cada vez mais jovens decidem pelo congelamento. Esse é o caso de Cristine Eirado. A bancária tem 33 anos e histórico de endometriose, que pode comprometer a fertilidade. Além de ser solteira, ela considera-se muito nova para ser mãe. O armazenamento de óvulos veio por sugestão médica. Apesar dos custos elevados, entre 10 000 e 20 000 reais, Cristine encarou o desafio. Segundo ela, o procedimento é simples, a retirada em si não dói. O incômodo principal vem com a alteração do humor e o desconforto na hora das injeções. Mas vale a pena, aposta. “Quero poder postergar a maternidade sem pressão.” 


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