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VIOLÊNCIA » Bandidos ditam as regras na Vila Dnocs

Famílias da localidade de Sobradinho são ameaçadas e expulsas de casa se povocarem qualquer tipo de desconfiança entre os criminosos da região. Algumas fogem às pressas só com a roupa do corpo.

Pichações e marcas de tiro confirmam o abandono e a violência no setor criado nos anos 1970: medo entre os moradores pioneiros da região.

Um pequeno setor com pouco mais de 2 mil moradores se transformou em campo minado para quem desafia o tráfico de drogas. A menos de 25km do Congresso Nacional, bandidos da Vila Dnocs, em Sobradinho, passaram a expulsar famílias da região. Basta qualquer tipo de desconfiança para os criminosos ordenarem que trabalhadores abandonem suas casas sob pena de pagarem com a vida. Desobedecer aos comandos do grupo significa perder a liberdade.

Somente nos últimos seis meses, três famílias saíram de suas residências apenas com a roupa do corpo. A última, antes de conseguir fugir, passou uma madrugada de terror. O inferno de Graça* e seus parentes começou há 20 dias. Dois adolescentes haviam roubado um homem na área. Perseguidos pela polícia, enterraram a arma e uma porção de cocaína num terreno próximo ao muro do imóvel onde ela vivia com o marido, o filho e o sogro, Alfredo. O senhor de 59 anos saiu para fumar no quintal e se deparou com os garotos escondendo o revólver e o entorpecente.

Instantes depois, um patrulha da Polícia Militar se aproximou e apreendeu a dupla de acusados em flagrante. Levados para a Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA), nem chegaram a dormir em alguma unidade de internação. No mesmo dia, estavam livres e mais ousados. Certos de que Alfredo havia feito a denúncia aos PMs, passaram a persegui-lo. Primeiro, mandaram o homem e os parentes procurarem outro lugar para viver.

Embora amedrontado, Alfredo preferiu ignorar as ameaças. Imaginava que, com o tempo, o episódio fosse superado. Não foi. Na madrugada, três tiros acertaram o portão. Em seguida, bombas do tipo cabeção e pedras destruíram o telhado. Acuada num quarto, a família temia uma invasão. O medo ficou maior depois que os bandidos tentaram derrubar o portão com chutes. De tanto pavor, um menino de 6 anos, neto do dono da casa, urinou nas calças. A mãe, gestante, teve crises de pressão e precisou de calmantes para se controlar.

Por sorte, os traficantes não conseguiram entrar na residência. Mesmo assim, impuseram duas horas de pânico e ameaçaram. Antes de o dia clarear, Alfredo e o restante da família reuniram em uma mala algumas mudas de roupa e se abrigaram na casa de parentes.

Tiros na polícia

No outro dia, Alfredo comunicou o pesadelo que viveu à polícia. Decidido a se mudar dali definitivamente, pediu proteção para buscar os móveis e os eletrodomésticos. Mesmo com a escolta da Polícia Militar, bandidos dispararam em direção ao caminhão de mudança. Os PMs reagiram e houve tiroteio. Ao Correio, Graça relatou o terror. “Eram mais de 20 tentando invadir a minha casa. Disseram que a nossa cabeça está a prêmio. Mesmo com a polícia por perto, atiraram contra a gente. Fotografaram a placa do nosso carro e, hoje, nem temos coragem de tirá-lo da garagem com medo de sermos perseguidos no meio da rua. A sensação é de que nos tornamos prisioneiros”, lamenta a mulher (leia Depoimento).

Temendo pela vida, Alfredo mudou-se para a casa de parentes, em um estado do Norte do país. Graça e família permaneceram no Distrito Federal, mas em outra cidade. “Morava havia 40 anos no mesmo lugar e nunca pensei que um dia tivesse de sair da minha própria casa por causa de ameaça de marginais. É uma situação muito complicada. A gente se sente humilhado e não pode fazer nada. Ou faz o que eles mandam ou morre”, desabafou Alfredo, por telefone.

Câmera

Não foi apenas a família de Alfredo que teve de abandonar tudo às pressas. Há cerca de seis meses, os mesmos jovens infratores expulsaram cinco pessoas de uma casa, na Quadra 2. Isso aconteceu na época em que surgiu um boato de que a Secretaria de Segurança Pública instalaria uma câmera na rua. O equipamento ficaria em frente à residência de uma mulher. Foi o suficiente para traficantes iniciarem uma campanha contra os parentes dela. Na cabeça dos bandidos, a moradora seria a responsável por solicitar o equipamento para filmar a venda de substâncias ilícitas nas vielas da região.

Usaram as mesmas técnicas de terror para amedrontá-la: tiros no portão, bombas do tipo cabeção no telhado e chutes no portão. Uma vizinha contou o pavor vivido pela família: “Ninguém sabe ao certo de onde eles tiraram esse ideia de câmera. O fato é que ameaçaram fuzilar todo mundo. Eles saíram sem deixar rastro, apavorados.”

* Nomes fictícios

Para saber mais
De invasão a favela regularizada

A Vila Dnocs surgiu como uma invasão em 1970. Expandiu às margens da BR-020, diante de Sobradinho, localização que atraiu milhares de famílias para o setor. A proliferação de barracos chegou a tal ponto que o governo não conseguiu mais remover tanta gente. Há cinco anos, veio a regularização. As vielas ganharam asfalto. Além disso, o Programa Morar Bem se instalou no local e, hoje, todas as casas são de alvenaria. A sigla Dnocs significa Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, extinto órgão do governo federal. A região recebeu esse nome por abrigar, na década de 1970, servidores do departamento transferidos de outras unidades da Federação.

Depoimento“Queriam matar todo mundo na casa”

“Disseram que a nossa cabeça está a prêmio. Tiraram foto do nosso carro; nem podemos mais tirá-lo da garagem, pois temos medo de cruzarmos com eles (bandidos) na rua e sermos mortos. Nos sentimos, de fato, prisioneiros. O meu sogro morava lá havia mais de 40 anos, chegou ainda na infância. No dia, até tentaram colocar fogo na nossa casa. Só não conseguiram porque a polícia impediu. A nossa família ficou completamente desestruturada depois disso. Saímos de uma estabilidade e, agora, estamos pagando aluguel. Eles pareciam estar com o demônio no corpo. Queriam matar todo mundo na casa, de qualquer jeito. Dava para ouvir o ódio na voz deles. Não moramos mais lá e não nos sentimos seguros andando em lugar nenhum, pois sabemos que eles roubam em várias cidades. Que Deus não nos coloque no caminho deles de novo”.

Graça,
ex-moradora do Dnocs



Por:  Saulo Araújo - Correio Braziliense - 17/08/2014

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