Obra ainda não saiu do papel e MP alerta sobre impacto social e ambiental. População continua insatisfeita.
Por: Eric Zambon
Por: Eric Zambon
A cerca de um mês do prazo estipulado pelo Serviço de Limpeza Urbana (SLU) para abertura do Aterro de Samambaia, o Ministério Público do DF ainda vê problemas no projeto. A Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente (Prodema) recomendou ao Instituto Brasília Ambiental (Ibram) que exija do Serviço de Limpeza Urbana (SLU) o cumprimento das garantias ambientais condicionadas pela Licença de Instalação (LI).
O Prodema teria identificado a falta da previsão de uso dos gases gerados em conversão de energia e alertado para o “impacto social na área de implantação do aterro”. Segundo a Recomendação 8/2014, é pedido que “a comunidade seja recompensada com projetos, programas e empreendimentos”.
A comunidade por sua vez, está desgostosa quanto à implementação da obra e os motivos são claros: possibilidade de mau cheiro, contaminação de nascentes e receio de que nasça um novo lixão, em substituição ao da Estrutural.
“O solo é úmido e há muitas nascentes. A impermeabilização não vai funcionar”, acredita o prefeito comunitário das quadras 800 e 1000, Délcio Pereira, 40 anos. Ele e a esposa, Sandra Gonçalves, cabeleireira, 45, moram na Expansão há cinco anos, beneficiados por uma seleção da Codhab.
“Depois de algumas manifestações, a Justiça chegou a parar as obras algumas vezes, mas a verdade é que não tem nenhum ambientalista do nosso lado”, diz Sandra, preocupada também com o odor emanado pelo aterro. “Quando bate o vento para cá, já vem o cheiro da Estação de Tratamento de Esgoto da Caesb, aqui do lado”, ressalta.
Demora
Conforme mostrou o JBr. em reportagem de 5 de agosto, as obras do aterro deveriam ter sido concluídas em julho de 2013, mas a licitação sofreu com intervenções judiciais. “Existe uma ação civil pública da década de 1990, transitada em julgado em 2007. Desde então, os administradores sabem que deveria ser encerrado o Lixão da Estrutural”, contesta Marta Eliana Oliveira, da Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente (Prodema).
“O MP analisa que tipo de sanção vai recomendar. Quando você pensa em aplicação de multa, acaba afetando o erário, e o contribuinte pode pagar pelo administrador. Então estamos apurando responsabilidades. Queremos ver se houve crime ambiental e omissão”, diz a promotora.
Somente neste ano foram dois adiamentos. A primeira previsão falava na abertura em maio. Depois, o prazo de 2 de agosto, instituído pela Política Nacional de Resíduos Sólidos, foi descumprido.
Novo lixão?
O casal de moradores Délcio e Sandra teme que o aterro vire “um novo Lixão da Estrutural” por não acreditar na capacidade de gestão do governo. “Já taquei tanto fogo nessa BR por causa disso. Já perdi as contas”, admite o prefeito comunitário. “Os caminhões vão sacolejar no trajeto e derrubar lixo pelas pistas e pela cidade”, prevê Sandra. Sobre os temores da população, a promotora de Justiça Marta Eliana Oliveira acredita em fiscalização, inclusive por parte da comunidade, para evitar uma “segunda Estrutural” em Samambaia. “O resíduo que chega deveria ser compactado e coberto e nunca deve haver lixo a céu aberto. Não pode haver vetores de doença, urubus nem catadores. Tem que ser uma operação limpa. A população deve ficar de olho e será responsabilidade da empresa que vai operar o aterro”, pontua.
Desapropriação de terras
O terreno destinado ao aterro, de 32 hectares, fica próximo à Escola Guariroba, cujos funcionários se disseram impedidos de dar entrevistas. Moradores do Núcleo Rural, nas proximidades do centro de ensino, no entanto, se preocupam bastante com o futuro da região, especialmente devido à derrubada de casas sob a justificativa da construção do novo empreendimento.
Uma das casas na chácara de Vicente Soares Marinho, produtor familiar de 60 anos, foi alvo da Agência de Fiscalização (Agefis) há cerca de um ano. “Tenho contrato de concessão de uso deste terreno, que disseram ser inválido, mas eu continuo pagando impostos”, questiona. Além da possibilidade de perder a moradia, ele enxerga os mesmos problemas dos vizinhos Délcio e Sandra.
“O aterro vai prejudicar todo mundo aqui. Vai afetar a água, o parque ambiental. Não sei o que eles vão conseguir fazer”, teme Vicente.
Ele diz haver uma cláusula no contrato que prevê a possibilidade de ceder o terreno à Terracap, mas mediante indenização. Em uma primeira avaliação, teria ouvido de técnicos que sua chácara vale R$ 60 mil, para sua indignação.
Revolta após perda de casa
A família da produtora rural Maria de Fátima Soares, de 26 anos, contou com a ajuda de um vizinho após ter sido retirada de sua residência, no Núcleo Rural de Samambaia. “Derrubaram minha casa, destruíram minha vida”, sentencia a mulher, órfã de pai desde o último dia 19 de agosto.
A produtora rural afirma ter nascido na antiga moradia e ter residido lá por mais de 25 anos lá, antes de receber a notificação da Agefis. “Inclusive derrubaram minha plantação, não deixaram nem eu colher”, reclama. Apesar da perda material, sua maior dor é relativa ao recente falecimento do pai, que teria lutado na Justiça pela terra que acreditava ter direito, mas teria caído em depressão com o processo.
“Ele desenvolveu um câncer e não resistiu. Tenho certeza que foi por terem tirado nossa casa. Vou fazer justiça por ele. Quero um lugar para plantar minhas coisas, voltar à minha vida antiga”, revela. Fátima diz querer continuar a fazer plantio, atividade de sustento, e diz não ter interesse de morar em apartamento. “Quando ficamos sem lar quiseram colocar a gente em albergue. Eu quero uma casa nova”, disse.
O Jornal de Brasília procurou a assessoria de imprensa do SLU, que colocou à disposição o diretor-geral Gastão Ramos para prestar os esclarecimentos. No entanto, devido a uma questão de agenda, não foi possível o contato com o representante do órgão. Os questionamentos enviados por e-mail não foram respondidos.
População merece ser informada
Segundo Gustavo Souto Maior, professor do núcleo de estudos ambientais da Universidade de Brasília (UnB), o principal problema é a falta de comunicação entre o GDF a a população. “Para ser construído, o empreendimento precisa de licenciamentos ambientais. Um estudo deveria ser mostrado em audiência pública para a população”, sugere.
O especialista afirma que “ninguém quer ter um local de tratamento de lixo do lado de casa”, então, a revolta é compreensível. “O problema maior é que a imagem do tratamento de lixo em Brasília é o Lixão, e a população de Samambaia não foi bem informada sobre o que seria o aterro”, opina.
“É preciso mostrar como um aterro funciona e como é feito em outros estados, para a população se conscientizar de como é uma coisa boa. O aterro vai acabar com a vergonha social e sanitária que é o Lixão e vai atrair empregos para aquela região da Samambaia”, avalia Gustavo, que pensa ser necessário haver melhor trabalho de divulgação em relação à campanha da Coleta Seletiva.
“É preciso saber as medidas para minimizar os impactos negativos e maximizar os positivos. Não devem falar à população com linguajar técnico, mas com um linguajar que o morador, sem obrigação nenhuma de saber os termos específicos, possa compreender”, afirma.
Saiba mais
Com o programa de Coleta Seletiva, houve aumento no número de materiais reciclados. De 4% passou para 8%, ainda 7% abaixo da meta de 15%, estipulada pelo próprio governador Agnelo, em fevereiro.
Fonte: Da redação do Jornal de Brasília