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Crônica da Cidade: Não me arrependo

Por: Conceição Freitas - Correio Braziliense - 23/11/2014
A cada novo escândalo envolvendo a Câmara Legislativa, como esse dos dois projetos que tornam impossível a cassação de mandatos, reafirmo em mim mesma uma decisão difícil, a de recusar o recebimento do título de cidadã honorária de Brasília. Foi há dois anos.

Sem que eu soubesse, querido amigo tomou a iniciativa de apresentar à Câmara a sugestão de requerimento ou qualquer que seja o nome que se dá ao instrumento legal de sugestão de nome para ser reconhecido como alguém que tenha sido importante para a construção da identidade da capital.
O queridíssimo, generoso, amoroso e sábio amigo (ele sabe o quanto eu o admiro) fez a sugestão a um deputado que se mostrou disposto a apresentar o requerimento e encaminhá-lo à votação (a quem agradeço a boa vontade). Foi nessa etapa, quando a sugestão já estava em tramitação na Casa, que o amigo me contou da até então sigilosa iniciativa.

Naquele momento, me traí. Deveria ter pedido ao amigo que interrompesse o encaminhamento do pedido. Mas, como escreveu Machado de Assis, o bruxo que enxergou tão cruamente as tolices humanas: “A vaidade é um princípio de corrupção”.

O amigo queria organizar uma festa para a entrega da honraria. E eu já me imaginava reinando na noite solene. Não foi apenas a vaidade que me impediu de sugerir a retirada do requerimento. Não quis magoar o amigo em sua admirável vontade de me fazer um grandioso gesto de carinho.

Só quando soube que a proposta havia sido aprovada em plenário, e fui procurada para dar encaminhamento à solenidade de entrega do título, foi que a ficha caiu. Pensei, consultei amigos, pensei mais um pouco e decidi: como jornalista, não poderia receber a homenagem.

É bom que se diga que, na lista dos merecedores do título de cidadão honorário ou cidadã honorária de Brasília, há gente da melhor qualidade. Candangos honrados, brasilienses talentosos, gente que contribuiu fortemente para a consolidação da capital, seja no campo cultural, artístico, econômico, político, social. 
Mas, como eu escreveria uma crônica ou apuraria uma reportagem, minimamente isenta, sobre a instituição que me concedera um título honorário?

O amigo entendeu. O título deve ter sido engavetado. (Quem sabe, depois dessa crônica eu não seja considerada oficialmente persona non grata à Câmara Legislativa?). Mas, a cada novo escândalo do parlamento distrital, fico mais à vontade comigo mesma. Tivesse recebido a honraria, estaria envergonhada de ter sido vencida pela vaidade. E ela já me venceu não poucas vezes. A cada vez que me derrotou, fiquei menor diante de mim mesma. 

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