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Um Pritzker visita outro Pritzker

Por: Júlio Moreno - Correio Braziliense
Publicação: 23/11/2014 

Brasilia, quarta-feira, um pouco além das quatro da tarde, sol a pico. Um ônibus azul, da Presidência da República, leva mais um grupo de visitantes até o Palácio do Alvorada. Ao chegar, todos saem correndo para fazer a clássica foto das colunas do palácio refletidas no espelho d´agua onde flutuam As Banhistas, de Alfredo Ceschiatti.

Eduardo, um deles, faz o exatamente o contrário, vai fotografando o chão. Seria esquisito, não fosse Eduardo Souto de Moura um arquiteto português ganhador do Prêmio Pritzker, considerado o “Nobel da Arquitetura”. Ao visitar uma obra projetada por outro Pritzker, Oscar Niemeyer, o que lhe interessa antes de mais nada são os detalhes, como a combinação da pedra, do saibro e da grama na entrada do palácio. “Esse saibro é muito bonito e todos os elementos estão bem alinhados”.

Convidado para participar do 3º. Encontro do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Distrito Federal, junto com outro Pritzker, o brasileiro Paulo Mendes da Rocha, Souto de Moura aproveitou o quanto pôde para conhecer a cidade de forma anônima. 

Naquela tarde, acompanhado por outros arquitetos portugueses e brasileiros, Eduardo era um ilustre desconhecido entre os visitantes no Alvorada, destacando-se apenas por seu corpo avantajado, o sorriso permanente e o bom humor. Ah, sim, e por ficar sempre para trás do grupo, para apreciar e fotografar com mais calma o palácio, a ponto de levar uma raspança do guia, o pequeno Silvio, DJ de festas particulares nas horas vagas.

No hall de entrada do palácio, não teve dúvidas em sentar-se em uma rampa para descansar um pouco. Seu amigo Rui Furtado, renomado calculista, aproveitou para fazer uma foto. “Só pode ser coisa de engenheiro”, disse ele, brincalhão. 

Na capelinha de Nossa Senhora do Alvorada, ele gostou mais do teto com uma cruz, o sol e a lua, criação de Athos Bulcão, do que das paredes de lambris laminados de ouro. No Salão de Estado, além do quadro de Djanira, chamou sua atenção a impiedade dos raios solares com o piso de jacarandá, desbotado onde não havia um tapete. 

Na parte posterior do palácio, deteve-se além do limite do tempo dado pelo guia para admirar o mezanino com tapeçaria de Di Cavalcanti... e para fotografar os jardineiros que cuidavam de retocar um canteiro de flores. Ao tirar fotos das colunas de mármore que dão a impressão de que o palácio está suspenso no ar, Souto de Moura brinca com Thiago Andrade, presidente do IAB/DF: “É tudo falso, não? Se não for, não tem graça”, referindo-se às invisíveis estruturas de concreto e aço que sustentam a construção. 

Na saída, comenta com seu patrício e colega de profissão João Belo Rodeia a beleza dos materiais usados e a desproporção entre a monumentalidade do palácio e a escala dos móveis. “Nos palácios antigos, os móveis também eram enormes”.

De volta ao ônibus azul, rumo ao Palácio do Jaburu, todo suado, o Pritzker faz os outros rirem ao dizer que “mais 15 dias aqui e vou parecer um Clark Gable, sem barriga e bronzeado”.

A residência do vice-presidente da República impressionou-o mais. “O Alvorada é institucional, esse é doméstico, tem uma escala humana”. Não resistiu a fotografar um aparelho de ginástica na área externa, deslocado do conjunto que admirou pelo piso de granito preto e mármore branco — ele parece ter fixação por pisos.... — desenhado por Athos Bulcão. “Parece que a Lagoa do Jaburu chega até aqui...”. As “janelinhas” com treliças também não lhe passaram despercebidas.

Final do tour. Para selar as pazes, o guia DJ convida o arquiteto Pritzker para uma “rave”. Ao que ele responde: “Sou cardíaco...”, seguido de um fraternal abraço. 

Na manhã do mesmo dia, Souto de Moura e a também arquiteta portuguesa Ana Costa, com quem trabalha, foram à 308 Sul, interessados em conhecer uma “típica” superquadra, pois estudam fazer um projeto do gênero. Gostaram muito da arquitetura e da disposição dos prédios, além do silêncio quebrado só pelos cantos dos pássaros e, nos intervalos de aula, pelos alaridos das crianças da escola. 
A igrejinha, Eduardo achou “turturrenta”, que traduz como “naife”, um resquício do mundo rural em meio ao já imperceptível jardim de Burle Marx. 

Eduardo Souto de Moura deixou Brasília convicto de que seus professores europeus que diziam ser Brasilia “um erro insustentável de viver” estavam enganados. “Gostei do que vi e todos com quem conversei se dizem felizes”. E quer voltar para conhecer o Catetinho.


Assessor de imprensa do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil

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