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ENTREVISTA: MARIA ELISA COSTA » Puxão de orelha da tia

Maria Elisa Costa, filha de Lucio Costa com uma relação afetiva de longa data com a família Rollemberg, diz que pretende dar conselhos ao novo governo quando o assunto for urbanismo e preservação da capital. Tudo em nome do trabalho do pai

Publicação: 16/11/2014 - Correio Braziliense

"O PPCub, a meu ver, é um desastre completo, é uma colagem, um amálgama de interesses, que perdeu completamente o norte, ou seja, o sonho de consumo da especulação imobiliária"

"Não se trata de 'se integrar ao projeto do doutor Lucio', mas de conviver com ele! O projeto do doutor Lucio foi a âncora que JK lançou no meio do sertão e, a meu ver, foi o único projeto apresentado no concurso que levou Juscelino a sério"

"Rodrigo sempre foi um defensor de Brasília - e agirá não só em relação à área tombada. Inclusive porque preservar Brasília significa preservar não apenas o Centro Histórico do Brasil, mas o Distrito Federal, ou seja, uma cidade com mais de 2 milhões de habitantes!"


Embora o parentesco seja distante, é forte e longa a relação afetiva da família Rollemberg com a arquiteta Maria Elisa Costa, filha de Lucio Costa. O marido de Maria Elisa, o economista Eduardo Sobral, morto em 1982, era irmão de dona Teresa, mãe do governador eleito. Ou seja, a filha do inventor de Brasília é cunhada da mãe de Rollemberg. Na casa de dona Teresa, Maria Elisa era a “tia”. Criado na capital desde bebê, o próximo ocupante do Palácio do Buriti tem um histórico de incessante defesa da área tombada. A principal herdeira do projeto da nova capital está animada: acredita que o “sobrinho” não vai decepcioná-la: “Ele tem um amor visceral por Brasília, e isso é o melhor ponto de partida para dar conta do recado”. 

Em entrevista ao Correio, Maria Elisa defende que o governador mande o projeto do PPCub (Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília) para “a lata do lixo”. E que faça “um planejamento sensato e inteligente, digno da capital do nosso país”. Sugere a criação de instrumentos legais de proteção ao Centro Histórico da Capital Federal, que compreenderia a área da Bacia do Paranoá, e a criação de um “conselho consultivo” para a proteção dessa área. Depois de eleito, Rodrigo Rollemberg ainda não procurou a tia. “Sempre que ele quiser, conversaremos com total liberdade.” 


O governador eleito tem forte aproximação afetiva e familiar 
com a senhora. 
A senhora se sentirá à vontade para criticar 
o governador caso ele não 
atenda às expectativas dos que defendem a preservação da área tombada?
Claro que me sentirei à vontade! Rodrigo sempre foi um defensor de Brasília — e agirá não só em relação à área tombada. Inclusive porque preservar Brasília significa preservar não apenas o Centro Histórico do Brasil, mas o Distrito Federal, ou seja, uma cidade com mais de 2 milhões de habitantes! Preservar Brasília é compreender que a preservação do bem tombado e a administração da capital em seu conjunto são indissociáveis. 

Depois que Rollemberg foi eleito, 
a senhora conversou 
com ele sobre Brasília? 

Ainda não nos encontramos, mas só de saber que Rodrigo chegou à 206 Sul com poucos meses, em 1960, e cresceu com a cidade... Me dá plena certeza de que ele tem um amor visceral por Brasília, e isso é o melhor ponto de partida para dar conta do recado. Sempre que ele quiser, conversaremos com total liberdade. 

Sendo um governador eleito sem base de sustentação 
política, a senhora acredita que ele terá condições de 
fazer valer as defesas de Brasília que fez quando era senador?
A tarefa de um governador de Brasília é uma função administrativa, muito mais do que política. Entretanto, há uma diferença importante entre um cargo parlamentar e um cargo executivo. O “produto final” do parlamentar é ter razão — é “de papel”; o do executivo é ter razão mais o resultado concreto — tem que ser “de carne e osso”.

Quais são as mais graves ameaças ao tombamento 
caso o PPCub venha a ser aprovado como está? 

O PPCub, a meu ver, é um desastre completo, é uma colagem, um amálgama de interesses, que perdeu completamente o norte, ou seja, o sonho de consumo da especulação imobiliária.

Qual deveria ser a primeira medida do governador quanto 
ao PPCub? E quanto à preservação do Plano Piloto?

Quanto ao PPCub, o melhor seria jogar na lata do lixo por decreto e começar de novo, pelo começo, um planejamento sensato e inteligente, digno da capital do nosso país. Quanto à preservação do Plano Piloto, creio que a primeira medida é considerar institucionalmente a Bacia do Paranoá como centro histórico da capital federal (delimitação geográfica, seus limites são inequívocos, não são “escritos”, estão no chão). A existência desse centro histórico, incluindo o entorno da área tombada, teria condições de assegurar — por meio de legislação inteligente de uso e ocupação do solo — a transição entre dois objetivos opostos, que necessariamente, em Brasília, tem que se dar as mãos: preservar o “gesto de origem” e administrar o crescimento da cidade de mais de dois milhões de habitantes! 

Quais foram os grandes equívocos, a seu ver, 
da gestão 
do atual governador no que 
diz respeito à proteção do 
Plano Piloto?

Seu único equívoco seria, tão só, não perceber, nem de longe, o que Brasília significou na história do nosso país... Ou seja, banalizar ao limite do possível a obra de JK, Dr. Israel, Lucio, Oscar, das milhares de pessoas que vieram “de todos os cantos da imensa Pátria” (Vinicius de Moraes, na Sinfonia da Alvorada, com Tom Jobim) e deram conta de, em três anos, virar definitivamente uma página da nossa história...

O Plano Piloto tem pouco mais de 200 mil habitantes. 
O DF, mais de 2,5 milhões. Como essa multidão que vive 
nas bordas do PP pode se integrar ao projeto do doutor Lucio?

Não se trata de “se integrar ao projeto do doutor Lucio”, mas de conviver com ele! O projeto do doutor Lucio foi a âncora que JK lançou no meio do sertão e, a meu ver, foi o único projeto apresentado no concurso que levou Juscelino a sério. O que aconteceria depois de plantar aquela âncora no meio do cerrado... Ninguém poderia supor, nem prever. Os fatos andaram mais rapidamente, a expansão urbana se deu nos moldes tradicionais brasileiros, ou seja, sem vislumbre de planejamento. Agora é que a equação ficou clara: daí a proposta do Centro Histórico, que poderia contar com um Conselho Consultivo de alto nível, imune à política local etc. etc. e etc. 

A senhora sugere, então, a criação de um Conselho Consultivo 
aos moldes do 
Cauma de antigamente? O de hoje, Conplan, 
não 
funciona a contento? Como seria esse Conselho Consultivo? 

Não cheguei a pensar nada de concreto, isso tem que ser discutido com calma. Acho que não vale a pena entrar em detalhes enquanto não houver uma ideia amadurecida. Em resumo, o que importa é criar meios de controlar o uso e ocupação do solo no entorno da área tombada para não acabar o pobre “avião” cercado por um paliteiro de prédios altos. O horizonte faz parte de Brasília…

O Brasil tem certa antipatia por Brasília. 
A que a senhora 
atribui esse sentimento?

Pessoalmente, não tenho dúvida de que o grande responsável foi o “dia que durou 21 anos”, ou seja, o golpe militar de 1964. Você já pensou no que significou para Brasília acabarem com a universidade do Darcy? Que tinha conseguido trazer para a UnB as melhores cabeças brasileiras que andavam espalhadas pelo mundo, revolucionando a estrutura universitária? Já pensou que, nos primeiros anos de Brasília, o único foco de encontro e vitalidade era a UnB, e que, por isso mesmo, teria havido um campo propício para o convívio saudável e natural entre a cultura e o poder? Em vez disso, o preço que até hoje a gente paga é a consolidação desse afastamento entre poder e cultura. Então, a imagem de Brasília passou de = à ditadura, para = à corrupção na política! Quem sabe agora, com um governador da geração Brasília, cultura e poder se encontram novamente?

Não é um milagre que, a despeito das muitas interferências e do olho grande 
da especulação imobiliária, 
o Plano Piloto ainda esteja consideravelmente 
preservado? Ou a senhora não concorda com essa premissa?

Acho um “quase” milagre. Brasília foi um acontecimento forte demais para ter sido descartado assim de uma vez. E o governador José Aparecido ter chegado ao tombamento pelo Iphan partindo do reconhecimento de Brasília como Bem Cultural da Humanidade pela Unesco, foi uma estratégia absolutamente brilhante — a preservação, até hoje, da identidade original de Brasília se deve, e muito, à sabedoria do nosso querido Aparecido. E, cá entre nós, se deve também ao projeto da cidade “inventada” por Lucio Costa, e à beleza dos edifícios projetados por Oscar Niemeyer, em estrita obediência à volumetria definida pelo doutor Lucio. Pra fechar, segundo Darcy Ribeiro: “Deus estava certamente de bom humor quando juntou, no mesmo lugar e no mesmo momento, Juscelino, doutor Israel, Lucio e Oscar”.

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