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CASO MARIA CLAUDIA » Luta, sim; luto, não

Família da jovem assassinada há 10 anos vive um dia de cada vez. Amanhã, por exemplo, será a missa em homenagem a ela. O sofrimento existe, é claro, mas a superação e a doação precisam ser do mesmo tamanho para que a fé não vá embora


(Por: Adriana Bernardes - Correio Braziliense - Publicação: 08/12/2014)

Cristina e Marco Antônio não tentam esconder a dor, entretanto, deixam claro que a jornada depois da morte da filha tem sido vitoriosa (Daniel Ferreira/CB/D.A Press)
Cristina e Marco Antônio não tentam esconder a dor, entretanto, deixam claro que a jornada depois da morte da filha tem sido vitoriosa
"A nossa dor é definitiva. Mas nós temos mecanismos de entreajuda. É a vida que segue. A Cristina gosta muito de fazer o uso de uma sentença: luta, sim; luto, não" Marco Antônio Del'Isola, pai de Maria Claudia
"Trabalhamos para manter a nossa fé. Também conseguimos entender quando uma mãe se entrega, entendemos quando familiares sucumbem" Cristina Del'Isola, mãe de Maria Claudia

Há 3.650 dias, a brutalidade devastou a vida e a alma dos Del’Isolas. Não há um dia sequer que eles não se recordem da filha Maria Claudia, assassinada aos 19 anos por dois empregados da família. O curso natural da vida mudou. Passados 10 anos, Cristina, Marco Antônio e Maria Fernanda vivem um dia de cada vez, como eles definem. “A nossa dor é definitiva. Mas nós temos mecanismos de entreajuda. É a vida que segue. A Cristina gosta muito de fazer o uso de uma sentença: luta, sim; luto, não”, define o pai.

Na sala de casa, no Lago Sul, o casal recebeu a reportagem do Correio para falar sobre os preparativos da missa de 10 anos de morte de Maria Claudia, amanhã. Sentados lado a lado, eles não mascaram a dor. Ao contrário, detalham como a saudade da filha dilacera o peito diariamente. Porém, a vida deles não se resume ao sofrimento, e isso fica bem claro a cada frase. Eles falam de superação, de amor ao próximo, de doação, de fé e de esperança num mundo melhor. 

Ao longo da jornada, acumulam vitórias. Reafirmam as antigas amizades e a conquista de outras. No momento de maior dor, conheceram o melhor do ser humano: a solidariedade e o acolhimento. Em tudo, uma pitada de felicidade. Por meio do Movimento Maria Cláudia Pela Paz, Cristina e Marco Antônio retribuem o carinho recebido ao longo da última década. Eles encontram no apoio dado às famílias vítimas de violência que, a exemplo deles, perderam seus filhos, a força necessária para vencer a saudade.

Foi em um desses encontros que os pais de Maria Claudia conheceram a servidora pública Aline Salazar Padilha Tavares, 40 anos. Ela perdeu o filho Enrico, de 1 ano e três meses, em um acidente num hotel carioca. A criança caiu do apartamento por um buraco que havia na sacada. Aline nunca tinha ouvido falar em Cristina. No auge de sua dor, rezava, rezava e rezava. “Nesses momentos, eu comecei a ouvir uma voz: ‘Você vai conhecer a minha mãe’. Um dia, soube que a Cristina queria me conhecer. E quando nos encontramos, tive a certeza de que a voz era da Maria Claudia. Nós nos emocionamos muito”, relata Aline. 

Inspiração
Em dezembro, fazem dois anos da morte de Enrico. Há três meses, Aline deu à luz um garotinho. Ainda não superou a morte do primogênito, entretanto, encontra nos pais de Maria Claudia uma inspiração para seguir. “O encontro das nossas dores é o que nos tira da situação de tristeza absoluta. É o caminho em comum ao lado de outras mães que nos traz certa alegria. A pessoa que a Cristina se dispõe a ser pela Maria Claudia é o que nos inspira: a disponibilidade, a missão dela na vida de outras mães. Quando a gente está no fundo do poço, ela abre os braços e nos acolhe”, conta Aline.

Para Cristina, só tem a dimensão da dor de perder um flho quem a vive. “Percebemos que é difícil para o outro entender as questões sob a perspectiva da dor. Principalmente, um pai e uma mãe que enterraram um filho antes da própria”, explica. “Nós encaramos como uma dor real, definitiva, mas lutamos para que não seja abordada pelo sofrimento. Não ajuda em nada. Trabalhamos para manter a nossa fé. Também conseguimos entender quando uma mãe se entrega, entendemos quando familiares sucumbem”, diz Cristina. 

Lição
Ao longo da última década, a vida se renovou na família Del’Isola, com o nascimento de Maria Eduarda, filha de Maria Fernanda. Há pouco mais de quatro anos, Cristina e Marco Antônio escolheram um novo lar, que, neste mês, está delicadamente decorado para o Natal. Os cinco cachorros tornaram-se um chamego do casal. 

Dia a dia, a família aprendeu que não existe uma receita para superar a dor. Ouviram conselhos bem-intencionados, mas que, na prática, não resolviam ou amenizavam o problema. Cristina explica que existem percursos na dor que são absolutamente individuais. “Cada um tem um tempo, um deserto interior próprio. E cada um encontra mecanismos para tentar juntar os próprios pedaços, e alternativas para essa mutilação. Não dá para emprestar nem pedir a ninguém para viver por nós”, explica.

Cristina e Marco Antônio encerram a entrevista mostrando o oratório que mantêm em casa com imagens que tinham antes da tragédia e dezenas de outras recebidas de amigos e de desconhecidos. Falam com emoção da missa marcada para amanhã, no Seminário Maior Arquidiocesano de Brasília Nossa Senhora de Fátima, no Lago Sul. A família mandou fazer camisetas e contou com a ajuda dos artistas Amílcar Mendes e Ysrael Oliveira e da jornalista e empresária Sandra Carvalho. “Só temos a agradecer as oportunidades concedidas por Deus. É na dimensão da fé que encontramos força para superar a perda de um filho”, encerra Cristina.


Homenagem
Missa em ação de graças pela passagem de 10 anos do retorno de Maria Claudia à Casa do PaiLocal: Seminário Maior Arquidiocesano de Brasília Nossa Senhora de Fátima (QI 17, Área Especial, Lago Sul)Quando: amanhã, às 19h30
Situação dos assassinos
Adriana de Jesus Santos, 30 anos - Condenação: 38 anos e 3 meses
Tempo de pena cumprido: 9 anos e 11 meses- Regime atual: semiaberto. Em junho, pediu para trabalhar fora do presídio, mas o juiz negou o benefício, argumentando que ela precisava de avaliação psicológica. Em 6 de novembro, a juíza Leila Cury determinou que a gerência de saúde do sistema prisional providenciasse uma equipe de profissionais para atendimento psicológico. Na decisão, a magistrada pede que se seja questionada a viabilidade da abordagem, pela nova equipe, “dos temas discutidos nos grupos masculinos de acompanhamento psicológico para criminosos sexuais”.

Bernardino do Espírito Santo Filho, 40 anos -Condenação: 64 anos e 8 meses - Tempo de pena cumprido: 9 anos e 11 meses - Regime atual: fechado. A partir de agosto do próximo ano, o réu passa a ter o direito a progressão do regime, se atender aos requisitos legais de bom comportamento, entre outros. 


         Três perguntas para Cristina e Marco Antônio

Como foram esses 10 anos sem a Maria Claudia?
Cristina: é um longo tempo que se diferencia de qualquer outro. Cada dia é vivido da forma como encontramos nossos próprios recursos para ultrapassá-lo. Depois da maior dor que um ser humano passa — a perda de um filho —, vieram os julgamentos dos assassinos, a propagação indevida das fotos por uma jovem jurada. Cada momento é uma soma de esforços na luta para que chegássemos aqui. 

Marco Antônio: é uma situação inusitada que muda drasticamente a vida de forma violenta. É sobrevivendo a cada dia. O próprio inquérito policial maltrata muito, o julgamento, as fotos dela na internet. Acontece uma tragédia envolvendo outras pessoas e você relembra tudo de novo. Foram 10 anos em que um se sustenta no outro e nos amigos. 

Vocês se engajaram socialmente por meio do Movimento Maria Claudia pela Paz. Quais as conquistas?

Cristina: São muitas histórias. Surgiu em nossas vidas a possibilidade de acalentar a dor de um casal jovem (Aline e o marido) que perdeu um filhinho com quase 2 anos. No primeiro contato, levamos a esperança de que pudessem contar com nossa força e apoio. Hoje, eles têm um novo filho. Eles ilustram bem a condição de dor para dor. Aline me emocionava porque lembrava muito o jeito da Maria Claudia. 

Marco Antônio: o sentido do voluntariado vai muito além da questão material. Implica em mudança de vida dentro de nós. Porque fazemos o compromisso com o outro. Quando multiplicamos, isso nos gratifica e fortalece. 

Qual o significado da missa de 10 anos da morte de Maria Claudia?

Cristina: primeiro, é o agradecimento por tudo o que recebemos de conhecidos e de desconhecidos, nas mais diversas formas, e que nos ajudou na recuperação do golpe recebido. Segundo: Maria Claudia nos traz grande inspiração de partilha. Então, faremos uma homenagem às vítimas de violência que, de alguma forma, estão unidas por essa força para seguir a vida.


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