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CIDADANIA » Décadas sem atenção à acessibilidade

Dezenove leis e artigos sobre o assunto são desrespeitados no Distrito Federal há vários governos, segundo estudo do Ministério Público de Contas. O Correio acompanha pessoas com deficiência física pela cidade para ver o que elas sofrem


Por: Paulo Araújo - Correio Braziliense 
Publicação: 07/12/2014

O trabalho do professor Fernando seria facilitado com um diário de classe eletrônico: obrigação do Estado deixada de lado (Breno Fortes/CB/D.A Press)
O trabalho do professor Fernando seria facilitado com um diário de classe eletrônico: obrigação do Estado deixada de lado

Ismael confirma as dificuldades de outras cidades, mas, para ele, na capital de um país deveria ser diferente (Breno Fortes/CB/D.A Press)
Ismael confirma as dificuldades de outras cidades, mas, para ele, na capital de um país deveria ser diferente

Maristela e Ronaldo dizem que o filho, Eduardo, é a visão do casal:
Maristela e Ronaldo dizem que o filho, Eduardo, é a visão do casal: "Acessibilidade no DF é algo vergonhoso"

"Queremos conversar para saber o que é factível, e que as legislações protetivas à pessoa com deficiência sejam regulamentadas, executadas e fiscalizadas" Cláudia Fernanda Pereira, procuradora-geral do MPC-DF


Há seis anos, o venezuelano Ismael Morales, 52, percorre o mundo sobre uma cadeira elétrica especial. Por onde passa, ele cobra atenção das autoridades sobre os problemas de acessibilidade. No Brasil há dois meses, desembarcou em Brasília na semana passada, tempo suficiente para fazer um diagnóstico nada animador: “É bem difícil ser cadeirante aqui. Os problemas se parecem como os de muitas outras cidades, mas, como se trata da capital do país, imaginei algo mais humano”, afirmou.

A decepção de Morales é compartilhada pelas 355 mil pessoas com deficiência do Distrito Federal, número estimado segundo o último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mas a vida de quem tem limitações poderia ser mais fácil caso as dezenas de leis elaboradas sobre os direitos dessa parcela da sociedade fossem respeitadas há décadas. Um levantamento inédito do Ministério Público de Contas do DF apontou que das 69 leis e artigos elaborados para dar dignidade ao deficiente, 19 não são cumpridos, cinco são desempenhados parcialmente e 34 carecem de informações para comprovar a eficácia durante vários governos.

Não é preciso ir muito longe para flagrar o desrespeito. No Parque da Cidade, a construção da nova pista de caminhada deveria contemplar trilhas adaptadas para cegos e cadeirantes, como preconiza a Lei Distrital nº 2.687, de 2001, mas a obra não traz sinalização compatível com as necessidades desses usuários. No DF, o único parque adaptado é o Jardim Botânico. Nem mesmo as escolas públicas escapam dos desmandos. O relatório do Ministério Público de Contas enviou ofício à Secretaria de Educação cobrando explicações para o descumprimento da Lei nº 1.432, de 1997, que obriga os estabelecimentos de ensino a assegurar o acesso a pessoas com deficiência — , mostrando que a desobediência ocorre há, pelo menos, 17 anos. Porém, nem nos centros de referência a norma é cumprida à risca.

Ajuda do filho

Frequentador do Centro de Ensino Especial para Deficientes Visuais, o casal de cegos Maristela Batista da Silva e Ronaldo Kennedy de Souza, 47 e 46 anos, respectivamente, encontra diversos obstáculos no acesso à unidade situada na 612 Sul. O piso tátil necessita de reformas e um dos acessos alternativos nem asfalto tem. Os dois só não sofrem tanto porque, na maioria das vezes, estão acompanhados do filho, Eduardo da Silva Souza, 8 anos, que enxerga perfeitamente. “Ele (Eduardo) é os nossos olhos. Se não fosse por ele, não poderíamos ir a muitos lugares, pois a acessibilidade no DF é algo vergonhoso”, criticou Ronaldo Kennedy, cego desde a infância.

Para Maristela é ainda mais difícil. Ela perdeu a visão completamente há três anos por causa de um glaucoma. Ainda em fase de adaptação à nova condição, se sente desestimulada em sair desacompanhada. “Há 15 dias, eu rolei da escada da Rodoviária do Plano e me machuquei. O piso de lá não é tátil, além de ser muito liso. Eu me senti humilhada e desrespeitada. A verdade é que poucas pessoas se importam com o deficiente”, reclamou.

Dentro do Centro de Ensino Especial para Deficientes Visuais, o ambiente físico é 100% construído para atender ao público do local, mas, ainda sim, há problemas. Professor de braile no colégio especial há 10 anos, Fernando Rodrigues, 37, cego desde o nascimento, sente a falta de um diário de classe eletrônico durante as aulas. O Decreto 5.296, de 2004, estabelece que o Estado deve dar apoio ao servidor com restrições, mas isso ainda não é cumprido na integralidade. “Todos os dias, tenho que pedir ajuda para preencher o diário de classe, que ainda é de tinta. Já reclamei várias vezes e chegaram ao absurdo de sugerir que eu pagasse alguém para fazer esse trabalho. Um diário eletrônico com leitor compatível de tela resolveria esse problema”, disse.

Mecanismos


Para a procuradora-geral do MPCDF Cláudia Fernanda Pereira, a ideia do relatório é fazer com que o Governo do DF se comprometa a criar mecanismos capazes de fazer com que as normas não fiquem apenas no papel. “Não adianta o parlamentar fazer uma lei que não seja passível de colocá-la em prática. Queremos conversar para saber o que é factível e que as legislações protetivas à pessoa com deficiência sejam regulamentadas, executadas e fiscalizadas.”



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Da teoria para a prática

Publicação: 07/12/2014 

A Secretaria de Trabalho do DF também foi intimada pelo Ministério Público de Contas a apresentar quais programas a pasta dispõe voltados ao treinamento de surdos para a entrada no mercado de trabalho. O órgão respondeu dizendo que destina 10% das vagas de todos os cursos de capacitação social para deficientes, mas a explicação não convenceu o MPCDF. “É cristalino dizer que 10% das vagas dos cursos com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador devem ser destinados aos cidadãos com deficiência. A específica comprovação do cumprimento da previsão normativa supracitada não é representada pela afirmação de que todos os cursos, independentemente da fonte, tem 10% das vagas destinadas aos deficientes”, respondeu.

Nos hospitais públicos, ignorar normas também é uma prática comum há vários governos. A Lei nº 4.078, de 2008, determina que estabelecimentos disponham de serviços e produtos em braile, além de tradutor em libras, mas deficientes visuais são obrigados a contar com a boa vontade de outros para conseguir informações.

Ações


O Correio encaminhou ao GDF os principais pontos citados no relatório. Por meio da assessoria de comunicação, a Secretaria de Trabalho respondeu que respeita as leis de cotas. “Segundo o relatório de Gestão do Plano Distrital de Políticas Públicas para Pessoas com Deficiência — Viver sem Limite no DF, divulgado esta semana, no período compreendido entre 2011 e outubro de 2014, mais de 400 trabalhadores com algum tipo de deficiência foram inseridos no mercado de trabalho formal.” 

Já a Secretaria de Educação informou que o ensino em libras nas escolas é um dos mais avançados do Brasil. “O DF destaca-se como a primeira unidade da Federação que tem professores com a formação em libras atuando na educação básica. Também foi inaugurada, há um ano, a primeira Escola Pública Integral Bilíngue Libras e Português Escrito do Distrito Federal, localizada em Taguatinga”, informou o texto.

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