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#DF: PERFIL - Os novos desafios do procurador

Leonardo Bessa assume o MP e promete diversificar vitórias que suas investidas renderam aos consumidores do DF

Bessa em seu escritório: o primeiro procurador-geral de Justiça da capital nascido em solo brasiliense (Foto: Michael Melo)
Bessa em seu escritório: o primeiro procurador-geral de Justiça da capital nascido em solo brasiliense (Foto: Michael Melo)
Por: por Lilian Tahan - Veja Brasília
Ex-professor de capoeira, praticante de polo aquático, habitué da Chapada, mergulhador e aprendiz de canto lírico. Quem esbarra com o despojado Leonardo Roscoe Bessa fora de seu horário de expediente pode não fazer ideia de que o moreno de peso proporcional à altura acaba de entrar para o distinto e protocolar cargo de procurador-geral de Justiça do Distrito Federal. No caso de Bessa, com uma característica inédita em relação aos seus precedentes. Na sexta (5), dia em que completou 47 anos e mesma data de sua nomeação como promotor de Justiça em 1991, ele tornou-se o primeiro chefe do Ministério Público da capital federal nascido em solo candango. Obviamente, esses atributos não foram determinantes na decisão dos 201 colegas que o elegeram para a função em 30 de setembro. Pesaram na escolha — ratificada pela presidente Dilma Rousseff — os 23 anos de serviços prestados ao Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT), especialmente as últimas duas décadas, quando Bessa foi titular da Segunda Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor (Prodecon). Liderando essa área, o promotor enfrentou gigantes do mercado, ganhou fama de bom de briga na cidade e alcançou o posto máximo dentro do MP. Na segunda (8), ele muda de casa sem trocar de endereço. Deixa seus 14 metros quadrados de gabinete no 1º andar para dar expediente no 9º, em uma sala com 89 metros quadrados. Adquiriu prestígio, espaço e uma linda vista panorâmica de Brasília. Em contrapartida, terá de ampliar seu horizonte de representatividade. Sob sua tutela estarão os mais variados interesses. Do direito de uma pessoa a ter acesso a brindes anunciados no comercial da TV à garantia de ocupação de um leito de UTI, o MP é responsável por zelar pelas conquistas legais dos cidadãos. Além disso, são os promotores de Justiça que fiscalizam a conduta das autoridades e podem mover ações denunciando desvios dos que ocupam cargo público.


A ex-procuradora-geral Eunice Carvalhido, a fachada do MP e alunas do balé mantido pela instituição no Riacho Fundo: ações que vão além do universo dos tribunais (Fotos: Michael Melo / Divulgação)
 

Até o fim de novembro, Bessa cuidava de um desses braços de atuação do MP. Pela natureza dos assuntos com os quais lidava, quase sempre envolvendo embates entre consumidores e potências do comércio, ele ganhou musculatura profissional. Várias de suas ações se tornaram midiáticas, repercutiram nacionalmente e lhe abriram as cortinas para um destaque fora dos contornos do DF. Bessa é o promotor que, recentemente, tomou satisfação da Coca-Cola. Na época da Copa, a marca lançou a promoção “Minigarrafinhas de todo o mundo”. Por ela, a empresa se comprometia a trocar tampas do refrigerante pelas miniaturas dos frascos de Coca. A demanda pelos suvenires, no entanto, foi muito maior do que os 7 milhões de brindes confeccionados e provocou uma enxurrada de reclamações nos órgãos de defesa do consumidor. Nesse momento, Bessa fez o meio de campo. Do alto de seu modesto 1,70 metro, ele encarou um titã da indústria mundial e levou a melhor. Para não se tornar alvo de uma ação civil pública, a multinacional assinou um termo de ajustamento de conduta e se comprometeu a dar a bola oficial da Copa aos consumidores que se sentiram prejudicados. Mais de 2 000 brazucas foram distribuídas no país.




Em outro enfrentamento no qual o desfecho transbordou o quadrilátero do DF, um Golias da aviação brasileira teve de se curvar a uma ação movida por Bessa. Ao investigar eventuais exageros na taxa de embarque cobrada por empresas aéreas, o promotor esbarrou em outra cota, a de combustível, considerada abusiva por ele. Nas passagens internacionais, ela representava algo em torno de 5% do preço dosbilhetes. Com o gingado de quem joga capoeira desde os 15 anos, Bessa costuma aplicar os valores da roda nas audiências com os barões do mercado. “Às vezes, o jogo é mais harmonioso; em outras, mais agressivo. A gente tem de saber a hora de avançar e o momento de recuar”, diz. No caso da TAM, o promotor percebeu que os prepostos da empresa tentavam lhe passar a perna para ganhar tempo. Foi a vez de Bessa surpreendê-los com seu meia-lua de compasso. Ajuizou uma ação civil pública contra a TAM, aceita pela Justiça. Mais tarde, o processo serviu de alicerce para uma resolução da própria Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). No final das contas, todos os brasileiros ficaram livres desse repasse de custo. Após virar ré no processo, a TAM contratou um advogado estrelado para assumir o caso e tentar um acordo. Então presidente da OAB no DF, Francisco Caputo passou a falar em nome da companhia aérea no episódio. “Optamos por uma conciliação, e o inquérito foi extinto”, recorda Caputo, que chegou a estudar com Bessa no Maristão e, depois, na Universidade de Brasília (UnB).

Nascido no Hospital de Base de Brasília, o novo procurador-geral de Justiça do DF é filho da dona de casa Liliana e do neurocirurgião Iran Bessa, que aos 76 anos ainda dá expediente em sua clínica no Setor Hospitalar Sul. Embora descendente de médico, Leonardo acabou vítima de uma infecção hospitalar que quase o matou aos 6 meses de vida. Ficou internado por mais de trinta dias. “O pai acha que ele mesmo transmitiu a infecção ao Lo (apelido de família)”, conta Liliana. Na época, o bebê precisou tomar soro em uma veia da cabeça. A doença da primeira infância lhe deixou uma sequela descoberta somente aos 9 anos. Quem suspeitou da deficiência foi o professor de natação. Mesmo com boa performance, o menino não conseguia esticar o braço todo. O responsável por ajeitar a engrenagem de seu cotovelo, até hoje com algumas limitações, foi o doutor Campos da Paz, idealizador da Rede Sarah, onde Bessa permaneceu por mais de quarenta dias. Acostumado a circular no meio médico, por pouco ele não seguiu a carreira. Certa vez, Iran o convidou para assistir a uma cirurgia craniana. Depois da experiência, ele teve a certeza de que preferia pavimentar seu próprio caminho, um dos poucos desgostos que deu ao pai. O segundo ruído no relacionamento entre os dois ocorreu quando Bessa decidiu fazer uma turnê pela Europa com um grupo de capoeira. Ele havia acabado de entrar no curso de direito da UnB e recém-completado 18 anos. Liderada pelo mestre Ralil Salomão, do Raízes do Brasil, a turma passou pela Espanha, França, Alemanha, Inglaterra, Holanda e Suíça. “Foi maravilhoso, mas meu pai deixou de falar comigo por dois meses”, lembra. De volta ao Brasil, Bessa conciliou os estudos com as aulas de capoeira. Virou professor da luta na UnB e em academias da cidade. Na época, ainda se inscreveu num concurso de música e ganhou o primeiro lugar com a letra de uma ladainha, nome do canto que abre a roda do jogo. “A música conta a história da origem da capoeira e foi tão marcante que ainda hoje é cantada em vários países”, diz o mestre Ralil, um amigo que Bessa preserva até hoje.


Família reunida para o Carnaval de 1972: as gêmeas Cristiane e Juliane, a caçula Daniela, a mãe, Liliana, e Bessa. No fundo, a tia-avó Leonora (Fotos: Arquivo Pessoal)

O médico Iran e o filho na formatura do curso de direito: independência do pai

Leonardo, Eduardo e João com o pai: uma semana na casa dele, outra na da mãe (Foto: Michael Melo)

Na Região dos Lagos, aos 26 anos: mergulhos de até 30 metros

Capoeira em Paris: turnê por seis países em 1986

Polo no Minas: paixão desde os tempos de UnB

Gabriela Acioli e o ex-professor: o namoro começou dois anos após a separação da mulher

A afinação nunca acompanhou a desenvoltura de Bessa com as palavras. Um incômodo que, recentemente, ele tentou solucionar na base do treinamento. Durante três anos, fez aula de canto lírico com a professora Lys Nardoto. “As classes acabaram virando sessões de terapia, ele era tímido para cantar”, lembra Lys, que hoje mora em Belém, no Pará. Mesmo assim, as aulas o ajudaram a modular o timbre da voz de tenor em palestras e na sala de aula. Bessa, aliás, já lecionou em vinte instituições de ensino superior. Tudo detalhado em sua “síntese curricular”, que ao longo de 24 páginas exibe as mais de 100 palestras ministradas e os seis livros publicados. O mais recente é o Manual de Direito do Consumidor, um calhamaço de 512 páginas que ele assina em coautoria com o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Herman Benjamin e a acadêmica Cláudia Lima Marques. A obra, na sexta edição, foi adotada em várias faculdades brasileiras e indicada para o último Prêmio Jabuti, na categoria publicação jurídica. “Ele sempre se destacou, pelo currículo acadêmico e pelo sucesso com a mulherada”, diz o ex-presidente da OAB-DF Francisco Caputo. “Imagina um promotor de Justiça com 20 e poucos anos, solteiro, motoqueiro e capoeirista? Covardia”, brinca o colega de toga.

Mas o tempo passou e Bessa parou de andar de moto, espaçou os treinamentos da capoeira e se casou com a advogada Fernanda Pires. Eles tiveram três filhos: Leonardo Henrique (17 anos), Eduardo Henrique (10) e João Henrique (7). No fim de 2009, porém, os dois se separaram. O rompimento abriu caminho para um reencontro. Em março de 2011, Bessa começou a namorar Gabriela Acioli, que havia sido sua aluna anos antes no UniCeub, onde o promotor leciona nas áreas de graduação, mestrado e também doutorado. Dezenove anos mais nova, hoje ela é a advogada que arranca decisões favoráveis de Bessa sem grandes contestações.

Foi Gabriela quem chamou a atenção dele para o que se tornou um dos confrontos mais retumbantes protagonizados por Bessa. No fim de 2013, um aplicativo idealizado pela jamaicana Alexandra Chong causou um rebuliço no meio virtual. Sob medida para mulheres, ele permitia que elas avaliassem atributos físicos e comportamentais de parceiros e ex-parceiros. Antes de desqualificar a iniciativa, Gabriela ainda deu uma conferida na performance do namorado. Ele não tinha nenhuma nota, mas muitas visualizações, sinal de curiosidade do público feminino. Ao saber da existência do programa, Bessa tomou duas providências. Uma de caráter particular e a outra em defesa do público... masculino. Excluiu imediatamente o seu nome do Lulu e intimou o Facebook e procuradores do Luluvise Incorporation para uma audiência no Ministério Público. O MP defendeu que a participação no aplicativo não poderia ser imediata e dependeria do consentimento explícito dos homens. Comentários anônimos também não deveriam ser aceitos. O burburinho foi imediato. No país todo, travou-se o debate sobre o pelourinho amoroso. Sem acordo com o Facebook e o Lulu, ele sacou seus instrumentos legais. Moveu processo contra as duas empresas. Mas perdeu em primeira instância. O juiz Issamu Shinozaki Filho negou o pedido de liminar do MP pois considerou que, ao empunhar a bandeira do clube do Bolinha, Bessa estaria extrapolando sua competência legal. O promotor, contudo, não se deu por vencido e recorreu. Foi nesse momento que a desembargadora Ana Cantarino, do Tribunal de Justiça do DF, deu ganho de causa ao MP e, em caráter liminar, obrigou o Lulu a enquadrar a brincadeira em regras de adesão que espantaram as usuárias.

Acostumado a se posicionar nas causas do lado que lhe aumenta a fama, Bessa estranhou a reação do público quando tocou num tema mais popular que ele. Instigado pelo servidor público Anderson Alves em maio de 2013, ele contestou um vídeo de conteúdo sexual exibido pelo grupo Porta dos Fundos na web. Bessa chamou procuradores do YouTube para conversar. Bastou o primeiro contato para a história se espalhar como pólvora nas redes sociais e pegar fogo. “Prefiro pensar que foi um equívoco do promotor. Não temos nenhuma intenção de discutir classificação indicativa, por isso estamos no YouTube. Quem dá educação é o pai, em casa”, defende Antonio Tabet, um dos integrantes do Porta dos Fundos. Ao sentir a temperatura da polêmica, Bessa usou o seu jogo de cintura e transferiu o caso para a Promotoria de Infância e Juventude. Na atual condição de chefe do Ministério Público, ele não terá como evitar nenhum assunto. Vai precisar mostrar que, além de bom de briga no varejo do comércio, saberá nocautear as demandas sociais que surgem, no atacado, em áreas como saúde, educação, segurança e direitos humanos. Uma missão difícil, mas Bessa promete empenhar energia para cumpri-la. 

Há quem desconfie que o dia dele é mais elástico. “É impressionante como o tempo dele rende mais”, comenta o diretor-geral da Câmara dos Deputados, Sérgio Sampaio, um amigo antigo do promotor. Além das ações no MP, aulas, palestras, livros, ele não abre mão de praticar polo aquático três vezes na semana. Ah, sim, e tem a academia. Está matriculado na Smart Fit do Sudoeste. “Funciona depois das 23 horas”, justifica Bessa, que, nas últimas semanas, tem dormido uma média de cinco horas por noite. “É a ansiedade da posse”, diz. Nada comparado ao susto que uma rotina ainda mais alucinante lhe pregou oito anos atrás. Seu filho do meio, Eduardo Henrique, estava com 2. Muito cansado, Bessa acabou se distraindo e a criança pulou na piscina. Foram alguns segundos, nada de grave ocorreu, mas o episódio serviu de lição para a vida toda. “Tudo tem limite. Já fui obcecado por muitas coisas. Hoje posso dizer que minha obsessão é o equilíbrio”, apresenta-se o novo procurador-geral de Justiça do DF. 

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