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Toma lá dá cá golpeia a ética

É mais do que compreensível a impaciência da presidente Dilma Rousseff com a demora na aprovação, pelo Congresso Nacional, do projeto de lei que altera a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2014 e muda as regras para o cálculo do superavit primário, a economia que o governo precisa fazer para pagar os juros da dívida pública. Afinal, sem essas mudanças, ela vai passar à história como a presidente que deixou de cumprir as metas fiscais estabelecidas por seu governo, ficando sujeita a punições da Lei de Responsabilidade Fiscal.

O projeto autoriza o governo a descontar do cálculo do superavit primário todos os investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), bem como as desonerações tributárias concedidas. A manobra dá um aval para que a meta seja considerada atingida mesmo se o resultado primário for bem abaixo dos valores previstos na legislação em vigor.

Se o projeto é uma aberração que leva o país ao descrédito quanto à capacidade do governo de cuidar das contas públicas, não é menos ruim o que a presidente passou a fazer para forçar sua aprovação pelo Legislativo. Por meio de decreto, Dilma Rousseff condicionou a liberação de verbas de emendas parlamentares no valor de R$ 447 milhões à aprovação do projeto. Como se sabe, essas emendas garantem obras que são o principal trunfo dos políticos perante as bases eleitorais. 

O jogo parlamentar, em todas as partes do mundo democrático, caracteriza-se por pressões e contrapressões das diversas correntes políticas representadas no Legislativo. Esse jogo é limpo e até necessário quando se baseia apenas em argumentos a favor e contra uma proposta em discussão. É assim que se busca aprimorar os textos que, em seguida, vão virar lei. É como os deputados e senadores cumprem o papel de representantes das diversas camadas da sociedade, tudo dentro de regras claras, amadurecidas pelo exercício da democracia.

Quebrar essas regras para atender a conveniências de momento, a interesses do eventual ocupante da cadeira de presidente da República, é abrir precedente perigoso, que sinaliza a submissão do Legislativo aos poderes do Executivo e abre caminho para a instituição de uma ditadura disfarçada de democracia.

Não foi outra coisa, aliás, que enxergaram o Ministério Público e os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do mensalão. Esquema montado para garantir, mediante pagamento em dinheiro, apoio parlamentar aos projetos do governo no âmbito do Congresso, a trama foi considerada criminosa pela mais alta Corte do país e levou à cadeia os principais envolvidos, incluindo a então cúpula do PT, partido pelo qual a presidente acaba de ser reeleita.

 A iniciativa de Dilma para garantir a licença para escapar da lei não guarda semelhança operacional nem foi executada de forma oculta ou obscura, como o mensalão. Pelo contrário, é caso pontual e foi dado a público por publicação em edição extra do Diário Oficial da União de sexta-feira. Mas, como naquele caso, passa muito longe das boas práticas republicanas, fere a ética e reforça a condição de balcão de negócios do Congresso. É mais um golpe na ainda frágil democracia brasileira.



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Visão do Correio Braziliense - 03/12/2014

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