Equipamentos públicos, como o Teatro Nacional Claudio Santoro, o Espaço Cultural Renato Russo e a Concha Acústica, estão fechados à espera de reformas. Com o rombo nos cofres públicos, governo não estipula prazos para as reaberturas
Maryna Lacerda - Correio Braziliense
Publicação: 16/01/2015
O Teatro Nacional foi fechado em fevereiro de 2014 por determinação do Corpo de Bombeiros: à espera de uma ampla reforma |
Com luzes apagadas e cortinas cerradas há quase um ano, o Teatro Nacional Claudio Santoro padece pela falta de manutenção. As cadeiras das salas Martins Pena e Villa-Lobos estão danificadas, o carpete, deteriorado, e até mesmo o painel interno de Athos Bulcão sofre com o passar de quatro décadas sem receber o cuidado necessário. Os problemas maiores, no entanto, ficam da coxia para trás. O teto dos camarins tem goteiras e os banheiros não funcionam, assim como o sistema de ar-condicionado. Em fevereiro de 2014, o espaço foi fechado por determinação do Corpo de Bombeiros, em razão dos riscos que as instalações elétricas e as infiltrações oferecem aos frequentadores.
À interdição se seguiria uma obra ampla e complexa, que não foi sequer iniciada. Além disso, em meio à crise causada pelo rombo nos cofres públicos, ainda não é possível estipular prazos para a retomada das atividades no teatro. A situação é preocupante também em outros equipamentos públicos, como o Espaço Cultural Renato Russo, na 508 Sul; a Concha Acústica, no Setor de Hotéis e Turismo Norte; e o Centro de Dança do Distrito Federal, no Guará. Diante desse cenário, artistas e produtores culturais da capital são obrigados a adaptar as apresentações a salas menores e com menor capacidade de público.
Lacrado em janeiro do ano passado, o Espaço Cultural Renato Russo segue sem funcionar |
O Teatro Nacional Claudio Santoro é o maior da cidade. São 45 mil m², em que estão as duas salas principais, as salas de balé, os camarins e um espaço para oficinas cênicas, hoje ocupado pela área administrativa da Secretaria de Cultura. A reforma de um prédio com essas dimensões é tida como complicada e cara, tanto pela quantidade de elementos a serem recuperados quanto pelo estado em que estão. “Dói muito ver o estado em que o teatro está. A gente sente falta de profissionalismo e lamenta que nosso povo não tenha acesso democrático à cultura”, afirma a coreógrafa e bailarina Gisèle Santoro, viúva do maestro Claudio Santoro, que dá nome ao teatro.
O orçamento previsto para a revitalização do Teatro Nacional é de R$ 200 milhões. O projeto da reforma coube à empresa gaúcha Ismael Solé Associados e já foi elaborado. No fim do mês, representantes da empresa e do atual governo devem se reunir para retomar o processo. No entanto, ainda não é possível estipular prazos, de acordo com o secretário de Cultura, Guilherme Reis. “Não tenho a menor ideia de quando isso pode se dar. A gente vai ter que esperar o governo como um todo andar e as finanças do Tesouro voltarem a ter tranquilidade para que façamos investimentos”, pondera.
"Dói muito ver o estado em que o teatro está. A gente sente falta de profissionalismo e lamenta que nosso povo não tenha acesso democrático à cultura" Gisèle Santoro, coreógrafa e bailarina, viúva do maestro Claudio Santoro |
Em outros centros culturais, como o Espaço Cultural Renato Russo, medidas são estudadas para acelerar a reabertura. O galpão, na 508 Sul, foi lacrado em janeiro de 2014, por falta de alvará de funcionamento. Um cartaz no portão indica que o local está fechado para reforma, mas nada ainda foi feito, de acordo com um funcionário. A proposta do governo é agilizar os procedimentos de adequação para reabrir o espaço em breve, de acordo com a Secult. Em outros equipamentos públicos, como a Concha Acústica e o Centro de Dança, a iniciativa é semelhante, mas também não é possível estipular prazos, uma vez que as intervenções dependem também de verba disponível.
Entenda o caso -- Esforço após tragédia
O Teatro Nacional Claudio Santoro foi fechado em 3 de fevereiro de 2014, por determinação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). A Recomendação nº 57/2013, expedida pela Promotoria de Justiça de Defesa da Ordem Urbanística (Prourb), prevê a execução de obras de combate a incêndio e de melhorias da acessibilidade do local. A Prourb destacou que, além dessas exigências, outras 111 precisam ser atendidas em nome da preservação da vida, da saúde e da segurança dos frequentadores. O documento justifica a interdição como parte de um esforço de fiscalização concentrada após a tragédia na Boate Kiss, em Santa Maria, em janeiro de 2013, quando 242 pessoas morreram. No caso do Teatro Nacional, por causa das pendências estruturais, o espaço cultural não tem habite-se nem alvará de funcionamento.
Candangos reclamam
No meio cultural, é unanimidade a ideia de que resolver as questões estruturais é a primeira parte da retomada do Teatro Nacional. Uma vez reaberto, deve-se pensar também em formas de colocar as produções candangas em temporadas de apresentação no local, de acordo com o ator e dramaturgo Gê Martu. “A gente precisa desse espaço. Quando o teatro ainda estava aberto, as salas Martins Pena e Villa-Lobos ficavam reservadas para companhias de fora, de outros estados. Quanto a nós, ensaiamos muito para termos somente um fim de semana de apresentação. A gente poderia se preparar para ter uma temporada, ter uma sala em que pudéssemos ficar durante um mês”, opina.
Povo faminto
Público para prestigiar a produção local não falta, concorda Gisèle Santoro. Ela defende que Brasília tem condições de ter um local de grandes espetáculos acessível à população. “Estamos na capital do país, com diversos órgãos públicos e embaixadas. Há mercado, há público para nossas produções. O povo está faminto!”, diz. Na falta de espaços com a estrutura desejada, os grupos veem a produção de espetáculos encarecer. “Todos os campos sofrem: dança, teatro, música. Todos precisam de mesa de som, de luzes e refletores, de fosso. Quando as salas não oferecem isso, somos obrigados a alugar tudo por fora, o que encarece o espetáculo”, detalha a coreógrafa.
Martu, por sua vez, destaca que os espaços menores, em geral privados, surgiram para compensar essa carência. “Foram surgindo conforme a necessidade, mas muitas já fecharam também”, pontua. Uma forma de fortalecer a vigência de celeiros culturais seria por meio da descentralização da cultura. Hoje, os espetáculos se aglomeram em Brasília, de acordo com o vocalista da Brazilian Blues Band, Luiz Kaffa. “É importante olhar para as cidades-satélites, onde há um público bastante significativo. Atualmente, se não nos apresentamos nas escolas, não temos outros espaços de apresentação”, destaca.