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#DF: CONSUMO » Endereço nobre, preço de realeza

Nem água Clauty Vitório compra no Plano Piloto: moradora de Samambaia, ela pega um galão de cinco litros e distribui em garrafinhas

Brasília é a terceira cidade mais cara para se viver no Brasil. Mas, dentro do DF, há grande disparidade de valores. Bairros como Lago Sul e Asa Sul cobram mais por produtos e serviços. A diferença nos custos imobiliários e na renda per capita impacta na conta

A garrafa de água é a mesma. O preço, não. Se comprada no Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek, vai custar ao cliente R$ 5. Caso seja consumida em uma lanchonete do Setor Comercial Sul, sairá a R$ 2 — 60% mais barata. O combinado com dois pastéis e um caldo de cana na mesma pastelaria custa R$ 4 na Rodoviária do Plano. A cinco quilômetros de distância, na Asa Norte, fica 15% mais caro. A diferença de preços entre estabelecimentos, às vezes em regiões próximas, intriga os consumidores. O que faz o custo Brasília ser tão alto e mudar de acordo com o endereço? Em tempos de pressão inflacionária, a soma do alto custo de vida e da diferença exorbitante entre os valores pesa mais do que nunca no orçamento do consumidor.

Brasília é a 139ª cidade mais cara do mundo para se viver, entre as 5 mil analisadas. No Brasil, é a 3º, perdendo para Rio de Janeiro e São Paulo. Os dados são da Numbeo, o maior banco de dados de informações sobre custo de vida do planeta. Para especialistas, a explicação do custo Brasília está associada a um conjunto de fatores. Um deles é a pequena produção local: de cada 10 produtos consumidos, oito vêm de outra unidade da Federação ou de outro país. “Como o DF precisa trazer de estados boa parte do que consome, os custos são mais altos por causa de gastos com frete e impostos”, destaca Newton Marques, professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília.

O peso imobiliário também entra no cálculo. Os gastos mais altos para locação e venda na capital do país impactam na conta do preço final que será repassado ao consumidor. “Isso explica por que muitos estabelecimentos que vêm de fora, como redes de restaurantes, não conseguem manter o mesmo padrão de preço de outras localidades brasileiras”, explica o professor Newton.

Os custos com o local também ajudam a explicar as diferenças de preço entre as regiões administrativas. Produtos e serviços consumidos em endereços como Lago Norte e Lago Sul tendem a ser mais caros do que em regiões como Paranoá, São Sebastião e Estrutural. As despesas do imóvel são repassadas ao consumidor final. “Em locais com moradores de poder aquisitivo maior, os custos são mais altos com imóveis e com funcionários — porque o comerciante vai ter que arcar com o transporte. Em regiões de menor poder aquisitivo, o trabalhador geralmente mora na região”, justifica Edson de Castro, presidente do Sindicato do Comércio Varejista do Distrito Federal.

A cobradora de ônibus Clauty Vitório, 44 anos, só compra na Rodoviária quando não tem outro jeito. Normalmente, até a água ela traz de casa. “Compro o galão de 5 litros por R$ 3,80. Coloco nas garrafinhas e trago para o trabalho. Aqui, é tudo muito caro. Até a comida eu prefiro comprar no terminal de Ceilândia. Sei quanto vale meu dinheiro”, afirmou. Diariamente, ela convive com a diferença de preços entre o Plano Piloto e Samambaia, onde vive com a família.

Dependendo do itinerário, os namorados Maria Fernanda Santos, 18 anos, e Samuel Nascimento, 19, gastam mais. Quando estão nas mais distantes do Plano Piloto, notam certa economia. “Não abandono meu pastel, por exemplo. Eu compro, independentemente de quanto custar. Mas percebo que, às vezes, o dinheiro rende menos”, comenta a atendente. Ao contrário dela, Samuel gosta de controlar o orçamento. “Tem coisas que eu não preciso ter imediatamente. Analiso, vejo onde é mais barato. A cidade é muito diferente. Posso comer, beber e vestir a mesma coisa que meu colega. Mas, se ele foi comprar em um lugar diferente do que eu comprei, alguém gastou mais”, diz o porteiro.

A renda per capita e a estabilidade do emprego público também contribuem para explicar o alto custo de vida da cidade e a expressiva diferença entre as regiões administrativas. “Os custos de despesa do empresário são passados para o consumidor final. Os de maior poder aquisitivo pagam mais caro e não sentem impacto tão grande quanto os de poder aquisitivo menor”, explica Edson de Castro, do Sindivarejista.

De acordo com o vice-presidente do Conselho Federal de Economia (Confecon), Júlio Miragaya, o preço encontrado na etiqueta está diretamente ligado ao padrão de renda do consumidor da loja. “Tentei comprar produtos infantis no Plano Piloto. Estavam orçados em R$ 5 mil. Em Taguatinga, encontrei exatamente a mesma coisa por R$ 3,5 mil. Subtraí 30% dessa conta”, calcula. 

Maria Fernanda e Samuel fazem economia ao comprarem longe do Plano Piloto


Para saber mais Metro quadrado muito valorizado

Moradores do Plano Piloto pagam altos valores pela moradia. Para viver na Asa Norte, é preciso gastar entre R$ 5,6mil e R$ 11,5 mil por metro quadrado. Na Asa Sul, custa de R$ 5,1 mil a R$ 11,6 mil. No Lago Norte, de R$ 2,1 mil a R$ 8,2 mil. O Lago Sul tem variação entre R$ 2,7 mil e R$ 5,1 mil — número achatado por causa do tamanho dos terrenos, muito grandes, mas com generosas partes inutilizadas. Os bairros estão entre os mais caros do Brasil para se viver, perdendo apenas para o Rio. O estudo foi realizado pelo Sindicato da Habitação do DF (Secovi-DF). Para bancar tudo isso, a remuneração precisa ser gorda. No Plano, 33,66% das pessoas acumulam mais de 20 salários mínimos — R$ 15,7 mil por mês — de renda familiar. O número dobra no Lago Sul, com 68,50% dos moradores vivendo nessa confortável situação, segundo a Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (PDAD), medida pela Companhia de Planejamento do DF (Codeplan).

Disparidade - Variação de preços conforme os bairros


Material escolar (entre a Asa Norte e Taguatinga)    até 30% de diferença

Bijuterias (entre a Feira dos Importados e o Taguacenter)    até 25%

Água mineral (entre a Ceilândia e o Setor Hospitalar Sul)    até 15%

Sabonete (entre o Lago Sul e o Núcleo Bandeirante)    até 20%

Variação de preço de produtos em rede

Gasolina (entre a Asa Sul e Samambaia)    até 6%

Cerveja (entre o Sudoeste e Samambaia    até 50%

Corte de cabelo (entre Águas Claras e Sudoeste)    até 20%

Cigarros (entre o Sudoeste e Samambaia)    até 20%

Custo Brasília


Confira itens pelos quais se cobra caro no DF:

Corte de cabelo masculino: pode custar até     R$ 140

Prato de massa em um restaurante:     R$ 400

Um cosmopolitan (drink):     R$ 35

Serviço de manicure e pedicure:     R$ 73

Sobrancelha:     R$ 66

Duas horas de spa:     R$ 1,9 mil

Água com gás 375ml:     R$ 18

Serviço de motorista particular:     R$ 2 mil

Diária de faxineira para apartamento:     R$ 130


Desiguais até no nome
De olho nos preços praticados em diferentes regiões do DF, o Correio verificou que uma cerveja no Núcleo Bandeirante custa R$ 8 nas baladas. No mesmo bairro, o cachorro-quente é vendido por R$ 3,50. No Lago Sul, a bebida não é encontrada por menos de R$ 15 nas casas noturnas. Hot-dogs — lá, o nome é em inglês —, pelo menos R$ 5. Para a analista de inflação da Tendência Consultoria, Adriana Molinari, os preços são determinados de acordo com o mercado local. “O aluguel, que pode ser mais caro em locais mais ‘nobres’; salários maiores, a depender da região; e concorrência possibilitam diferenças de preço. A situação pode ocorrer, por exemplo, com produtos industrializados, como cerveja ou refrigerante. São cobrados valores distintos — para o consumidor final — a depender do ponto de venda”, afirma.

Porém, para o diretor comercial da distribuidora de refrigerantes Brasal, que produz a Coca-Coca em Brasília, Vitor Bernardes, os repasses são feitos pelo comércio. “O produto é vendido pelo mesmo preço em todas as áreas da cidade. Dentro do mercado local, é um valor único. Mas não vendo para a população. Aí, é com o estabelecimento”, explicou.

Cálculos da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel-DF) estimam a existência de cerca de 2 mil bares e restaurantes em Brasília e nas demais regiões administrativas. Entretanto, em alguns lugares da cidade, os preços aumentam — inclusive em franquias de fast-food e redes de supermercado. “A conta do restaurante pode subir cerca de 40%, dependendo de onde ele está. O produto pode ser o mesmo, a proposta da casa, idem, mas os custos são diferentes. Não tem malandragem. É difícil encontrar lugares com lucros superiores a 15%”, explicou o presidente da Abrasel-DF, Rodrigo Freire.





FONTE: BERNARDO BITTAR
FLÁVIA MAIA – CORREIO BRAZILIENSE

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