Dilma
e Marta, em julho de 2013, no Palácio do Planalto. As duas se tornaram inimigas
após críticas da ex-ministra à presidente.
Na
série de TV Game of Thrones, os verões duram décadas e os invernos uma vida
inteira. Em busca do trono de ferro de Westeros, o país fictício da série
produzida nos Estados Unidos e exibida no Brasil pelo canal HBO, clãs
envolvem-se numa luta encarniçada. ...
No PT,
os invernos não duram uma vida inteira, mas o verão de 2015 pode começar a
determinar a hegemonia no partido na próxima década. Por isso, as várias
facções petistas, tal qual os clãs de Westeros, já estão engajadas numa
infinidade de conspirações ardilosas. No horizonte das disputas, estão os
tronos oferecidos pelas eleições de 2016 e de 2018.
O
episódio mais quente da série petista até agora teve como protagonista a
senadora Marta Suplicy (SP), ex-ministra de Dilma e ex-prefeita de São Paulo.
Estrela cadente do PT, ela ousou, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo,
quebrar dois dogmas do partido. Intrigou publicamente a presidente Dilma
Rousseff com seu padrinho Luiz Inácio Lula da Silva e, declarando-se indignada
com a sucessão de escândalos em que petistas se envolveram, cobrou novas
práticas do partido. “Ou o PT muda ou acaba”, disse Marta.
Marta
decidiu pregar a transformação do PT porque quer novamente ser candidata a
prefeita de São Paulo. Sem espaço no partido para se opor à candidatura à
reeleição do prefeito Fernando Haddad, ela articula sua saída para outra sigla.
A senadora negocia seu passe com partidos que pretendem formar uma frente nas
eleições municipais de 2016: Solidariedade, PSB e PPS. Em São Paulo, esses três
partidos estão na base de apoio ao governador Geraldo Alckmin, que deu aval à
negociação. Os articuladores da frente acreditam que Marta poderá travar contra
Haddad uma batalha pelos votos das populosas zonas Sul e Leste da capital, que
foram determinantes para a vitória do PT nas eleições municipais de 2012. Marta
acha que o petismo demorará muitos anos para se recuperar em São Paulo – Estado
onde tanto Dilma como Alexandre Padilha, o candidato do partido ao governo em
2014, sofreram derrotas acachapantes para os tucanos. Marta quer firmar-se como
a anti-Dilma de São Paulo e aposta no fracasso da presidente em seu segundo
mandato.
O
objetivo inicial de Marta era se transferir para o PMDB. No Senado, onde tem
mandato até 2018, Marta se aproximou bastante de alguns líderes peemedebistas,
como os senadores Renan Calheiros (AL) e José Sarney (AP). Mas Haddad
praticamente fechou a porta do PMDB para Marta na semana passada ao nomear o
peemedebista Gabriel Chalita para a Secretaria da Educação da capital paulista.
A escolha de Chalita teve o aval de Lula e do vice-presidente, Michel Temer, e
acabou servindo como um contra-ataque de Haddad à ofensiva de Marta. O mais
provável a partir de agora é que Haddad e o PMDB de Chalita estejam juntos na
eleição de 2016 em São Paulo.
Em sua
movimentação rumo à disputa da prefeitura de São Paulo, Marta acabou expondo
outros conflitos entre os petistas. Na entrevista ao Estado de S. Paulo, ela
escancarou a guerra fratricida que já opõe, por causa de 2018, a ala dos
palacianos (os petistas fiéis a Dilma e abrigados no Palácio do Planalto) à dos
empedernidos seguidores do ex-presidente Lula, os lulistas. Lula autorizou sua
tropa a espalhar que ele voltará a ser candidato daqui a quatro anos.
Na
entrevista, Marta disse o que muitos petistas murmuravam nas coxias. Aloizio
Mercadante, o chefe da Casa Civil de Dilma, age como adversário de Lula e é
pré-candidato à sucessão presidencial. “O Mercadante é inimigo (do Lula), o Rui
(Falcão, presidente do PT) traiu o partido e o projeto do PT”, disse Marta.
“Ele (Mercadante) vai ter contra si sua arrogância, seu autoritarismo, sua
capacidade de promover trapalhadas.”
Na
reta final da campanha presidencial, Marta já tivera um primeiro rompante de
iconoclastia partidária. Considerando-se relegada a segundo plano, ela se
recusou a pedir votos para Dilma. Em dezembro, antecipou-se a uma demissão
coletiva do ministério, orquestrada por Mercadante, e deixou o Ministério da
Cultura com críticas à política econômica. Depois desse episódio, ela esteve
com Lula no instituto que leva o nome do ex-presidente, em São Paulo. Marta e
Lula saíram do encontro dizendo que haviam aparado arestas e estariam prontos
para continuar do mesmo lado. Marta prometeu a Lula poupar Dilma e o PT de
críticas públicas, com apenas uma ressalva: ela não se omitiria de atacar a
escolha de Juca Ferreira, seu antagonista interno no partido, para seu lugar no
Ministério da Cultura.
A
entrevista desfez o combinado com Lula. Além das críticas ao PT, Marta disse
que participou do movimento “Volta, Lula”, que buscou articular em 2014 a
candidatura do ex-presidente no lugar de Dilma. Como Lula não a desautorizou,
Marta foi adiante na articulação. Ela disse que organizou em sua casa um jantar
“com os 30 PIBs paulistas”. “Foi do Lázaro Brandão (banqueiro) a quem você
quiser imaginar. Eles fizeram muitas críticas à política econômica e ao jeito
da presidente (Dilma). E ele (Lula) não se fez de rogado, entrou nas críticas,
disse que era isso mesmo. Naquele jeito do Lula, né? Quando o jantar acabou,
todos estavam satisfeitíssimos com ele.”
Apesar
de ter descumprido o trato com a entrevista, Marta não desagradou totalmente a
Lula. O ex-presidente ficou insatisfeito com o novo ministério de Dilma e o
degredo dos lulistas para posições secundárias no governo. A mesma insatisfação
é partilhada por outras facções petistas, que não esconderam o contentamento
por Marta expor críticas que elas gostariam, há muito tempo, de fazer a Dilma.
No grupo dos “revoltados” com a presidente, figuram, com destaque, petistas
flagrados do petrolão, que reclamam de terem sido abandonados pelo governo no
escândalo. É o caso do ex-deputado André Vargas (PR), cassado pela Câmara por
causa de seus negócios com o doleiro Alberto Youssef, e do deputado federal
Cândido Vaccarezza (SP), ex-líder do governo Dilma no Parlamento. Sem mandato a
partir de fevereiro, Vaccarezza é um dos artífices da engenharia política que
pretendem levar Marta ao Solidariedade.
Entre
os petistas, há também os que ficaram felizes com a entrevista de Marta por
motivos mais nobres ou ideológicos. São os “autênticos”, que fazem reparos à
forma como Dilma vem conduzindo o governo em meio ao petrolão. Eles criticam
também a entrega de ministérios considerados importantes a antigos adversários
do PT, como Kátia Abreu (Agricultura) e Gilberto Kassab (Cidades).
Como o
Palácio do Planalto baixou uma ordem de silêncio em relação à entrevista de
Marta, os petistas, em público, tentaram minimizar os estragos dos petardos
desferidos por ela. Nem o mais governista dos governistas, no entanto – caso do
líder de Dilma na Câmara dos Deputados, José Guimarães (PT-CE) –, é capaz de
negar que Marta acertou em cheio ao expor a transformação pela qual o partido
passou desde a chegada ao poder, em 2003.
“O
modelo de funcionamento do partido está meio obsoleto.
O PT não pode se resumir
a suas tendências internas”, diz Guimarães. “O PT se institucionalizou demais.
O PT tem de falar a linguagem das ruas, da juventude, mas jamais criticar
individualmente um ou outro.” Na guerra dos tronos, a rainha Dilma está
encastelada no Palácio do Planalto, acossada por problemas em várias frentes –
como o mau estado da economia e o petrolão. Se ela não for capaz de enfrentar
as próprias conjurações internas de seu reino, seu governo ameaça se
transformar numa imensa Westeros.
Fonte: Por Alberto Bombig, Época. Foto: Pedro
Ladeira/Folhapress - Blog do Edson Sombra