Blitz do Departamento de Trânsito durante o carnaval: lei
distrital que autoriza o porte é questionada pelo Ministério Público Federal e
pelo MPDFT
Enquanto a Justiça não define se os servidores de trânsito
podem portar pistolas em serviço, a Secretaria de Segurança Pública do DF
recomenda que a categoria atue sem armamento. A medida deve ser cumprida de
imediato
O Departamento de Trânsito (Detran) estabeleceu que os
agentes deixarão de portar armas de fogo em serviço. A ordem deve ser cumprida
imediatamente pelos servidores da autarquia, pois a Secretaria da Segurança
Pública e da Paz Social recomendou que as pistolas .380 sejam retiradas das
mãos dos auditores de trânsito. A determinação vale até que a
Procuradoria-Geral do DF se posicione a respeito da autorização ou não do uso
de armamento por parte desses profissionais. A polêmica veio à tona na
segunda-feira, quando um major do Corpo de Bombeiros deu voz de prisão a três
agentes armados.
Para especialistas, o porte para os agentes do
Detran é contrário ao que prevê a função, mas o imbróglio envolve a Justiça
federal e local. Atualmente, os servidores apresentam como justificativa para o
uso do armamento no trabalho o certificado de registro emitido pela Polícia
Federal. O documento, porém, não é válido para o exercício da função pública,
pois a licença se restringe ao uso pessoal. Mesmo assim, a Lei Distrital nº
1.398, de 1997, autoriza o porte pelos auditores de trânsito. É exatamente essa
norma que o Ministério Público Federal e o Ministério Público do DF e
Territórios (MPDFT) questionam — os promotores entendem que a regra não pode
ter origem no Legislativo.
Segundo o
secretário da Segurança Pública e da Paz Social, Arthur Trindade, o porte de
arma por agentes do Detran em serviço não está claro. “Há um decreto distrital,
mas existe uma legislação federal; por isso, é necessário, juridicamente,
entender se pode ou não. Na atual situação, tanto os agentes quanto a
instituição estão descobertos. A recomendação é no sentido de preservar a
população, a instituição e os agentes”, explicou. “Os agentes do Detran se
deparam com situações complicadas, mas, na maior parte, o uso de armamentos não
letais daria conta, pela avaliação da própria autarquia.”
O
presidente do Sindicato do Servidores do Detran (Sindetran/DF), Fábio Medeiros,
disse que a entidade vai procurar advogados antes da decisão da Justiça.
Segundo ele, os revólveres são utilizados para defesa, em circunstâncias de
ameaça. “Não existe nenhum outro tipo de equipamento permitido, como a pistola
taser. Provavelmente, agora, os agentes terão de pedir apoio da Polícia
Militar, e isso vai onerar, além de dificultar o trabalho do Detran”, reclamou.
“Desde que as pistolas são utilizadas pelos servidores, nunca houve disparo de
arma de fogo. O porte é uma situação preventiva. Mesmo assim, a porcentagem dos
que as utilizam não chega a 40%”, esclareceu.
Direitos
Segundo o especialista em segurança pública Antônio Flávio
Testa, o primeiro debate sobre o assunto deveria ser em relação à função
primordial do Detran. Para ele, é importante deixar claro se a autarquia deve
ou não exercer um papel de polícia. “Se ele for um órgão policial, tem de ter
os mesmos direitos. Hoje, existe a discussão sobre o porte. De acordo com a lei
distrital, eles teriam direito ao porte, mas não poderiam ter as mesmas armas
que os policiais. Tem muita coisa que precisa ser analisada”, defendeu. No
entanto, para Testa, a resposta é lógica: “Departamento de trânsito não é
polícia. É um órgão educativo e não deve usar nenhum tipo de arma”
Palavra
de especialista Arma reforça o "risco real"
Não há a
menor necessidade de agentes de trânsito andarem armados, porque, em via de
regra, os profissionais não deparam com situações que possam prever a
utilização da arma de fogo. O uso de revólver é para ameaça de altíssimo risco,
em situações graves ou muito graves. É muito raro que essas circunstâncias
aconteçam com um agente de trânsito. Em São Paulo, nunca se cogitou a hipótese
do porte para a categoria. A Guarda Civil do Rio de Janeiro não usa arma. No
mundo inteiro, o agente que trabalha em trânsito também não utiliza. Pelo
contrário, portar uma pistola pode reforçar o risco real para o agente, porque
o criminoso enxerga o servidor armado e pode atirar contra ele. A situação de
risco que não existia passa a existir. Um agente de trânsito não deve ter a
ideia de parar algum motorista com a força da arma. Isso não existe. Em uma
hipótese de blitz de trânsito em local mais ermo, com possível andança de
criminosos violentos, cabe ao Detran pedir o apoio da Polícia Militar, mas, no
dia a dia, a atividade do agente é, em grande parte, de regulação do tráfego
viário e as atuações, em quase 100% das ocasiões, são de motoristas comuns
José Vicente da Silva Filho, coronel e ex-secretário Nacional de Segurança
Fonte:
Isa Stacciarini – Camila costa – Correio Braziliense – 27/03/2015