O projeto da construção de um memorial para o ex-presidente
João Goulart, no Eixo Monumental, ao lado da Praça do Cruzeiro, é mais um
legado das lambanças do último governo do GDF. Jango merece todo o respeito
pelos ideiais de justiça social que defendeu, com todos os eventuais equívocos
que a história revelou. No entanto, o rumo tomado pelo projeto me parece
inteiramente equivocado.
Não é culpa da família de Goulart, que tem todo o direito de
reivindicar o espaço. Os problemas são a irresponsabilidade, a ignorância e a
insensatez do governante que doou um terreno em local completamente inadequado
e, para isso, atropelou as regras democráticas do processo de concessão, como
mostrou a reportagem de Thais Paranhos no caderno Cidades.
O Ministério Público abriu investigação sobre o processo de
transferência do terreno, que pertencia ao Arquivo Público e não foi submetido
a audiência pública para consultar a população sobre a pertinência ou não do
projeto, conforme determina a lei.
Juscelino
Kubitschek ganhou um museu no Eixo Monumental. Nada mais justo. Ele foi o
grande mentor visionário da criação de Brasília, superou as incompreensões,
enfrentou as mais sórdidas campanhas e venceu. Não dá para comparar JK e João
Goulart neste quesito. Jango detestava Brasília e nada fez pela cidade.
Enquanto
isso, o mesmo governo anterior, por assim dizer, “desdoou” um terreno concedido
à Fundação Athos Bulcão, que guarda o acervo do mais importante artista de
Brasília, referência internacional na integração de arte e arquitetura. De
maneira obscurantista, colocou os empecilhos mais mesquinhos para inviabilizar
a doação e reduziu Athos a um sem teto, com direito a ingressar no programa
Minha casa, minha vida. Isso é algo que envergonha (ou deveria envergonhar) a
cidade e, principalmente, os que detêm o poder. É um atestado da mais crassa
ignorância.
Infelizmente,
Brasília tem sido vítima de governantes que não estão à altura da sua grandeza.
“Para os amigos, tudo; para os inimigos, a burocracia”, é a lei que rege seus
despautérios. Parece que o poder perturba as faculdades mentais de nossos
mandatários. Tratam a única cidade moderna tombada como patrimônio cultural da
humanidade como um balcão de negócios pessoais. Mesmo quando perdem o cargo,
não perdem a pose de imperadores de província delirantes, incapazes de uma
autocrítica sobre os seus desmandos.
A solução
para o problema é muito simples e foi indicada por Maria Elisa Costa, arquiteta
e filha de Lucio Costa: “Para os demais presidentes, existe a homenagem no
Panteão da Democracia, na Praça dos Três Poderes”. Como se não bastassem todas
as inadequações citadas, ainda há uma razão lírica contra o memorial de João
Goulart no Eixo Monumental: ele veda a visão das alvoradas e dos poentes
brasilianos.
Há algum
tempo surgiu a proposta de tombamento do céu de Brasília e alguns a
consideraram estapafúrdia. Mas gostaria de registrar que sou inteiramente a
favor porque impor limites ao céu impediria as bandalheiras aqui da terra. A
visão celeste integra o plano urbanístico de Brasília, segundo o autor do
projeto, Lucio Costa: “Ao contrário das cidades que se conformam e se ajustam à
paisagem, no cerrado deserto de encontro a um céu imenso, como em pleno mar, a
cidade criava a paisagem”.