Por: Conceição Freitas
Uma das frases mais
célebres do cinema, “sempre teremos Paris”, soou no meu ouvido na suave manhã
dessa quarta-feira (15/4). Não era Humphrey Bogart me dizendo adeus, nem eu era
Ingrid Bergman conformada, nem me imaginava em Casablanca. Mas a lembrança me
apontava um lugar de conforto, paisagem eterna à minha disposição. Das poucas
cidades fora do Brasil que conheço, de longe Paris é a mais inesquecível, mas, mesmo
que eu fosse muito rica e pudesse ter um apartamento no 6o. arrondissement ou
no Marais, ela jamais seria o meu lugar.
Sempre terei
Brasília, aqui é o meu lugar. Danem-se os devoradores de utopia, os
construtores de vidros de perfume, a especulação imobiliária que destrói
cidades mundo afora. Brasília é uma ideia, é uma construção simbólica, um
projeto a espera de ser, finalmente, realizado.
Brasília está para
Paris como o Bananal está para o Sena, mas o Bananal é o córrego da minha
cidade. “O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia/Mas o Tejo
não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia/Porque o Tejo não é o rio
que corre pela minha aldeia”.
Paris é mais bela que
Brasília, mas Paris não é Brasília. Paris é demais para o alcance das minhas
pernas. Paris é uma lua-de-mel. Brasília é o cotidiano que a mim se oferece
cheio de possibilidades.
Paris é uma joia que
todo o mundo protege, dos parisienses aos esquimós. É um tesouro da humanidade.
Brasília, nem os
brasilienses a protegem, porque a desconhecem. Relatório do Tribunal de Contas
do Distrito Federal aponta nove lugares da cidade — só nove? — em grave estado
de conservação: a Rodoviária, o Teatro Nacional, a Ponte Costa e Silva, a Ponte
do Bragueto, a Ponte das Garças, a passagem subterrânea da 115/116 Norte, o
Viaduto da N2, o Memorial dos Povos Indígenas e o Museu Nacional.
Obra que marca a
fundação da cidade, a Rodoviária atravessa governos sem que ninguém tenha se
disposto a devolver a ela a sua dignidade arquitetônica e urbanística. As
condições do Teatro Nacional são de cortar o coração brasiliense. Obra que
Niemeyer esboçou num feriado de carnaval e entregou a Athos Bulcão a tarefa de
conferir a ela uma expressão artística, a pirâmide está se dissolvendo.
A demolição de uma
casa de Zanine na QI 21 demonstra o grau de indigência cultural dos
brasilienses que podem ter um imóvel no Lago Sul e ir a Paris duas vezes por
ano.
Como
dizia Oscar, os brasileiros ricos são de uma pobreza cultural constrangedora.
Mas, para nós, que sabemos da grandeza do que se construiu aqui, sempre teremos
Brasília.
*Conceição Freitas - jornalista e escritora brasileira é repórter do Correio Braziliense.