Desde a
última semana, o País encontra-se sob a égide de um novo governo. Não de
direito, mas de fato. Desde que foi empossada, a presidente Dilma Rousseff, aos
poucos, abre mão de suas prerrogativas, numa tentativa desesperada de sair da
crise político-administrativa. Num primeiro momento, para corrigir as
barbeiragens feitas nas contas públicas durante o mandato anterior, Dilma
terceirizou a condução da política econômica e recorreu à Joaquim Levy,
incumbindo-o do ajuste fiscal para cortar R$ 66 bilhões de despesas. Na
prática, adotou a política defendida pelo PSDB para tentar sair da crise
econômica. Nos últimos dias, a presidente terceirizou o braço que ela ainda
controlava – mesmo que aos trancos e barrancos: o político. Ao transferir para
o vice-presidente Michel Temer as atribuições da articulação, Dilma
praticamente delega a condução de seu governo ao PMDB – mais precisamente ao
triunvirato Michel Temer, Renan Calheiros, presidente do Senado, e Eduardo
Cunha, presidente da Câmara. “A decisão de Dilma é uma espécie de renúncia
branca”, definiu o senador Aécio Neves (MG), presidente nacional do PSDB. “Ela
dexou de governar, não desempenha mais papel algum”, afirmou Aécio.
Se
antes o PMDB ditava os rumos do governo por meio do Congresso, ao sabor de suas
conveniências, agora o partido irá estabelecer o norte político a partir do
Palácio do Jaburu, sede da vice-presidência, para onde se deslocará o eixo das
decisões mais importantes do governo. Muito diferente do que ocorreu nos
primeiros três meses da presidência de Dilma, quando Temer esteve isolado, sem
poder relevante, embora se manifestasse disposto a ajudar. Hábil tanto nas
articulações de bastidor como no manejo das palavras, o experiente Temer nunca
admitirá ultrapassar a fronteira decisória e hierárquica que o separa da Presidência
da República e o distingue da presidente eleita. Mas o vice-presidente sabe que
ele e o PMDB dispõem hoje de um poder colossal. Frágil como nunca, Dilma vê sua
autoridade pessoal desvanecer. Não é capaz nem de, por vontade própria, indicar
um nome que julga mais adequado para assumir a vaga de ministro do Supremo
Tribunal Federal, aberta há oito meses. O PMDB submeteu-lhe a uma liturgia
vexatória. O nome, segundo imposição do partido, não pode estar associado ao PT
e deve necessariamente passar pelo crivo de Renan Calheiros, que é investigado
pela Lava Jato com autorização do STF.
A ideia
da transferência da articulação política ao PMDB era uma tentativa de partilhar
a administração e debelar a crise com o partido, consequentemente com o
Congresso. Mas a iniciativa colocou Dilma e o governo numa encruzilhada. Se
Temer conseguir apaziguar os caciques peemedebistas e resolver ao menos parte
dos muitos problemas do Executivo com o Congresso, ficará ainda mais forte,
credenciando seu partido para a sucessão de 2018. Caso fracasse, empurra o
governo – e não ele – para um beco sem saída.
QUINTA-FEIRA 9
Temer visita Lula em São Paulo e
comunica a autonomia
para preencher cargos no governo
Os
riscos assumidos pela presidente ao terceirizar seu governo não são resultados
de uma estratégia corajosa e tampouco representam sinais de uma virada nos
rumos do País. Resultam sim de uma completa falta de opção e da inoperância do
ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, que saiu enfraquecido com as
mudanças estruturais ocorridas no governo. A terceirização também decorre da
articulação mambembe do governo, incapaz de promover simples trocas
ministeriais sem desencontros, desacertos e vazamentos que partem do próprio
Planalto. A intenção inicial de Dilma era acomodar o ministro da Aviação Civil,
Eliseu Padilha (PMDB), na pasta até então comandada pela petista Pepe Vargas.
Dessa forma, contemplaria o PMDB, atendendo a recomendação do ex-presidente
Lula de dividir o poder com o partido aliado. Mas o processo de substituição se
deu de forma atabalhoada. O convite para que Padilha trocasse a Aviação Civil
pela pasta de Relações Institucionais foi feito na noite da última terça-feira
6. Acostumada a enviar emissários para sondar ministeriáveis e poupar-se de
eventuais negativas, Dilma inovou e decidiu agir sozinha. Ouviu de Padilha que
precisava de tempo para pensar a respeito. Os problemas foram dois. O primeiro
foi que o convite vazou e Vargas soube que estava sendo apeado do cargo pelos
sites. Depois, Padilha recusou a oferta. Constrangimento pior impossível. Para
Vargas, estaria reservado ainda mais um vexame. Ele convocou uma entrevista
para anunciar seu novo destino, a Secretaria de Direito Humanos, mas teve de
interrompê-la para atender um telefonema de Dilma, que desoutorizava o anúncio.
Imperialmente, à noite, Dilma nomearia o dócil Pepe Vargas.
A
última cartada foi recorrer a Temer. Segundo relatou o próprio vice-presidente
a sete políticos com quem jantou no Palácio do Jaburu na quarta-feira 8, Dilma
apelou para que ele assumisse a articulação, ressaltando que o governo poderia
ficar sem saída, caso Temer recusasse. “Não tive alternativa. Não pude recusar
pela forma como o apelo foi feito”, disse ele. Temer e Dilma estavam no
gabinete presidencial quando a presidente afirmou: “Só me resta você. Você terá
de aceitar a coordenação. Do contrário, o governo poderá não se manter”. Temer
questionou se teria autonomia e se iria cuidar do preenchimento de cargos do
segundo escalão. Ouviu uma resposta positiva seguida da seguinte promessa:
“Vamos dividir o governo”.
Temer
aquiesceu, mas sua tarefa não será simples. Domar Eduardo Cunha e Renan
Calheiros, que dão as cartas na Câmara e no Senado, e estão em permanente
litígio com o governo exigirá muita negociação. Ambos espalham sinais de que
não estão dispostos a facilitar a vida do Planalto e adotam o discurso em
defesa da “independência” do parlamento. Renan é menos arredio. Gostou da
indicação de Temer e acredita que foi um gesto de boa vontade da presidente
para inserir o partido nas decisões relevantes e “abrir o Palácio ao PMDB”,
segundo palavras dele mesmo. Cunha, por outro lado, embora mantenha boas
relações com o vice-presidente, tende a seguir mais afinado com a ala do
partido disposta a agir como oposição. Na semana passada, orientou seus
liderados a aprovar na Comissão de Constituição de Justiça da Câmara a proposta
de limitar a 20 o número de ministérios. Sob o comando de Cunha, a Câmara dos
Deputados aprovou na noite de quarta-feira 8, por 324 votos a favor, 137 contra
e duas abstenções, o texto-base do projeto que regulamenta e amplia o processo
de terceirização de trabalhadores, mesmo com a resistência do PT. Para Cunha, o
resultado mostrou “dissonância” do governo com sua base. “Quando o líder do
governo encaminha a votação pelo governo contra todos os partidos da base,
mostra que ele atua em dissonância com sua própria base. Eu sou testemunha de
que o relator acordou com a equipe do Ministério da Fazenda pontos importantes
que o governo considerou que tinham que estar no projeto”, afirmou. Se quiser
obter sucesso em sua nova empreitada, Temer ainda precisará enfrentar a ira do
PT. O partido detinha o comando da articulação política enquanto a função
estava sob a batuta de Pepe Vargas e fez o possível para enfrentar o PMDB no
Congresso. Agora, o PT percebe que pode tornar-se figurante desse segundo
mandato e aposta na recorrente postura de Dilma Rousseff de prometer e não
honrar promessas feitas a aliados.
NOVO CENTRO DAS DECISÕES
Com a ascensão de Michel Temer à
articulação do governo, o Palácio do
Jaburu, sede da vice-presidência,
se tornará o palco das
mais importantes decisões
políticas
Enquanto
o mundo político ainda digeria a entrada do vice-presidente da República na
articulação política do governo, ele já atuava na nova função. Na quarta-feira
8, Temer dividiu seu tempo entre conversar com aliados e tentar barrar as três
Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) protocoladas no Senado na véspera.
Obteve sucesso na retirada de seis assinaturas da comissão que pretendia vasculhar
os empréstimos feitos pelo BNDES durante o governo PT. Mas assiste outras duas,
a do Carf e a dos fundos de pensão, tomarem formas e se tornarem ameaças reais
ao Planalto. Nos próximos dias, o governo ainda terá de definir a forma como
pretende extinguir a secretaria de Relações Institucionais, uma vez que Temer
acertou com a presidente que não irá tornar-se ministro e tampouco quer ser
designado para a função pelo Diário Oficial, o que o tornaria subordinado
direto de Dilma e do chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante. A tendência é que
as atribuições de antiga pasta sejam transferidas pura e simplesmente para a
vice-presidência, condição imposta por Temer a Dilma durante a conversa que o
sacramentou no comando da articulação política. Nos bastidores, aliados e
oposição concordam que Dilma transformou-se, contraditoriamente, numa figura
menor do seu próprio mandato. Precisa entregar e dividir o poder com partidos
antes renegados para não ser devorada por eles. À primeira vista, terceirizar o
governo parece ser a única saída para tentar estancar a crise criada pela
sucessão de desacertos presidenciais. O problema é se a concentração do poder
nas mãos do PMDB significar a renúncia de fato da presidente da República,
mesmo que não de direito.
Fonte: Izabelle Torres, IstoÉ