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Violência no trânsito e desafios da mobilidade urbana

Manchetes recentes do exterior: “Paris e Madri restringem carros no centro e investem na bicicleta”; “França dará incentivo financeiro para uso da bicicleta na ida ao trabalho”. Manchetes da última semana, no Distrito Federal: “Ciclista morre após ser atropelado por ônibus próximo ao Sol Nascente”; “Morre o ciclista atropelado por jovem bêbado na L4 Norte”.

A boa fama de Brasília não resiste a um trajeto curto a pé ou de bicicleta. O respeito à faixa de pedestre, cuja campanha completou 18 anos, e as centenas de quilômetros de ciclovias construídas sucumbem diante da hostilidade motorizada e da má-qualidade da estrutura voltada a pedestres e ciclistas. 

O estado das calçadas, quando existentes, é lastimável, mesmo na região central. O milionário programa Asfalto Novo do governo passado recapeou incontáveis quilômetros de vias para carros e deixou intactas as crateras nas calçadas. Escassez de pontos de travessia, ausência de rampas e invasão dos espaços públicos por carros estacionados completam o cenário aos pedestres.

Para quem pedala, o ambiente é igualmente hostil. Como demonstrou o Correio Braziliense em reportagem recente, as ciclovias padecem de erros graves: sem continuidade nos percursos, com muitos obstáculos e sem iluminação. Além do desconforto, a mais trágica consequência do descaso cicloviário são os atropelamentos. Em menos de uma semana, dois ciclistas foram mortos.

O novo governo, que se comprometeu com a mobilidade por bicicleta e com a segurança no trânsito, precisa mostrar ações práticas contra a violência. Entre os objetivos para a mobilidade urbana, o plano do atual governo prevê: “Priorizar o transporte não motorizado em relação ao motorizado”, “ampliar o uso de bicicletas para deslocamentos diários casa-trabalho e casa-escola”, “promover acessibilidade para as pessoas com deficiência” e “promover a paz no trânsito como política permanente de educação”.

Apesar do bem-intencionado plano de governo e da farta legislação federal (a exemplo do Código de Trânsito e da Política Nacional de Mobilidade Urbana) e distrital (pelo menos 10 leis distritais versam sobre segurança e comodidade aos ciclistas), a realidade a quem pedala é repleta de obstáculos. Passados mais de três meses do início do atual governo, nenhuma melhoria foi notada. Pelo contrário, a lama e os buracos se acumulam ao longo das ciclovias. 

Entre os desafios postos ao governador, está a interligação segura das cidades-satélites ao Plano Piloto. Diariamente, trabalhadores usam bicicleta para ir trabalhar e se arriscam em rodovias com alto limite de velocidade, alto nível de imprudência e sem qualquer infraestrutura própria ao ciclista. A EPTG está incluída no desafio. A via passou por mega-ampliação há alguns anos (num projeto curiosamente chamado de “Linha Verde”), mas até hoje carece de ciclovia e calçada. E tampouco funciona o corredor de ônibus projetado.

Muitas capitais europeias planejam, há décadas, a cidade com foco nas pessoas e não nos motores, com ganhos diretos: mais qualidade de vida, melhor uso do espaço público, menos poluição, menos congestionamentos e menor nível de sedentarismo e de obesidade. Considerando a experiência europeia, várias ações podem ser executadas: redução do limite de velocidade nas vias; conexão das ciclovias existentes; conversão de estacionamentos em espaços voltados ao lazer e à convivência; policiamento e fiscalização de trânsito feitos com bicicleta.

Além da mudança na infraestrutura, precisamos de mudança cultural. Mas, segundo dados publicados no Correio Braziliense, entre 2012 e 2014, o Detran-DF destinou a campanhas educativas apenas 3,5% dos R$ 356,9 milhões arrecadados com multas. Ou seja, investe-se muito pouco num instrumento importantíssimo para promover mudanças culturais. E, considerando os inúmeros carros diariamente estacionados sobre calçadas, ciclovias e canteiros, também se investe pouco em fiscalização. 

A mensagem final é simples: precisamos ir além da mera construção de ciclovias. Todos terão benefícios em cidade humanizada. Uma cidade em que se pode deixar os filhos seguirem pedalando ou caminhando até a escola, pois se sabe que os motoristas darão preferência e reduzirão a velocidade. Esses motoristas cidadãos entenderão que aquele jovem ciclista na rua pode perfeitamente ser um parente que precisa ser respeitado, independentemente da presença de agente de trânsito por perto.



Por: Uirá Lourenço
Ex-presidente da ONG Rodas da Paz

(Correio Braziliense)

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