test banner

O NEPOTISMO SOBREVIVE » A grande família no governo federal

Um genro da chefe de gabinete da ministra Izabella Teixeira foi nomeado diretor na pasta: acréscimo de R$ 6,7 mil mensais no contracheque

Em pouco mais de um ano, a CGU recebeu 43 denúncias de favorecimento. Nos últimos meses, o TCU julgou nove casos

“O caminho burocrático do estamento (...) não desfigura a realidade fundamental, impenetrável às mudanças. O patrimonialismo pessoal se converte em patrimonialismo estatal”
(Raymundo Faoro, em Os donos do poder (1958)



A legislação contra o nepotismo não foi suficiente para acabar com a prática no Executivo. Entre 2013 e março deste ano, a Controladoria-Geral da União (CGU) recebeu 43 denúncias de nepotismo no governo federal. Desses casos, 22 foram considerados procedentes, mas apenas seis pessoas acabaram exoneradas. Segundo os registros da CGU, o governo abriu 18 processos administrativos disciplinares (PADs) para apurar casos de nepotismo no período. Uma aposentadoria acabou cassada e outro servidor foi suspenso em decorrência dos PADs. O Tribunal de Contas da União (TCU) também reconhece que o velho hábito da administração pública permanece vivo no país: só nos primeiros meses de 2015, a Corte julgou nove episódios do tipo. Nas edições de domingo e de ontem, o Correio mostrou que a situação é corriqueira também no Legislativo (leia reportagem ao lado). 

Em nota enviada à reportagem, a CGU explica que várias denúncias foram prejudicadas por se encaixarem nas “exceções” previstas pelo decreto presidencial de 2010 que proíbe a prática no governo federal. Outras tantas foram prejudicadas pela demora: os servidores acabaram exonerados antes que a situação pudesse ser analisada. 

A lista de denúncias recebidas pela CGU revela que a prática está disseminada por empresas estatais, autarquias e ministérios. Em um dos casos, a Controladoria encontrou quatro pessoas da mesma família com cargos comissionados em uma empresa pública. O uso de companhias terceirizadas também não é raro — das seis expulsões registradas pela CGU, três envolviam parentes contratados como “prestadores de serviço”.

Nos primeiros meses de 2015, o TCU emitiu nove acórdãos sobre denúncias de nepotismo em diferentes níveis do Poder Executivo e em empresas públicas. Ao longo de 2014, foram julgadas 23 situações envolvendo a prática. No último deles, uma denúncia relatada pelo ministro Raimundo Carreiro, o TCU decidiu que havia ocorrido nepotismo na Superintendência Regional do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) em Goiás e no DF, quando o órgão decidiu contratar, por meio de uma empresa terceirizada, uma parente do então chefe do órgão, Darci Mendonça. “A contratação e a permanência de parente afim de procurador federal (parente consanguíneo de sua companheira) (...) configura caso de nepotismo e descumpre os preceitos constitucionais da moralidade e da impessoalidade”, diz o acórdão.

Em outro acórdão deste ano, relatado pelo ministro Augusto Nardes, a Corte condenou o advogado Valdeci Cavalcante por entregar cargos comissionados à nora e a duas sobrinhas quando exerceu a presidência regional do Serviço Social do Comércio (Sesc) no Piauí. Em nota à reportagem, o TCU disse que não é sua atribuição direta coibir ou monitorar a ocorrência de nepotismo: o tribunal só atua esporadicamente, quando provocado.

Genro
Os casos de contratação de parentes costumam causar constrangimento nos órgãos, como no Ministério do Meio Ambiente (MMA). Em 1º de abril deste ano, o Diário Oficial da União publicou a nomeação do servidor de carreira do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) Ugo Eichler como diretor do Departamento de Florestas de uma das secretarias do MMA. Eichler é genro de Marília Marreco, chefe de gabinete da ministra Izabella Teixeira. Segundo fontes no MMA que revelaram o caso, Ugo Eichler teria sido beneficiado pela proximidade da sogra com a ministra — Marília é considerada uma espécie de “braço direito” de Izabella Teixeira. Para exercer a nova função, Eichler acumulou um DAS 101.5, o que lhe possibilita um acréscimo salarial de cerca de R$ 6,7 mil.

Em nota enviada ao Correio, o ministério ressaltou que Eichler, além de ser servidor efetivo desde 2003, possui todas as qualificações para exercer o cargo: ele é biólogo formado pela Universidade de Brasília (UnB) e é especializado na área de atuação. Segundo o MMA, essas circunstâncias o enquadram nas exceções admitidas pelo decreto editado em 2010. A pasta disse ainda que todas as informações foram repassadas à Comissão de Ética da Presidência da República. “O ato de nomeação encontra-se revestido nos princípios da impessoalidade e da moralidade, constantes da Constituição Federal, bem como possui amparo legal”, diz trecho da nota.


Três perguntas para Hamilton Cota Cruz, diretor de Promoção da Integridade, Acordos e Cooperação Internacional da CGU

Quais são os malefícios da prática do nepotismo?
Primeiro, ela mina a confiança (da população) no Estado, que não vai pautar a escolha de seus servidores. Pode também ser uma brecha para a corrupção, uma vez que você coloca uma pessoa que deve seu cargo a outra, embora isso não seja uma coisa direta. E há uma queda na produtividade, na capacidade do órgão de entregar os serviços que foram demandados.

Quais são as raízes desse comportamento?
O nepotismo tem raiz em um traço cultural, o patrimonialismo. Consiste nas pessoas acharem que podem controlar os recursos públicos da forma que quiserem, inclusive indicando servidores que não estão ali por conhecerem a questão com a qual vão trabalhar. Mas nós temos mecanismos para combater isso. Não só de punição, mas também de transparência, de prevenção. Quanto menos transparência e menos profissional for a burocracia, mais fácil a ocorrência de nepotismo.

O que fazer para combater a prática?
No Executivo houve uma melhora com a maior transparência, com a divulgação dos nomes das pessoas que ocupam os cargos. E também com o fato de as pessoas saberem onde denunciar no caso de encontrarem alguma irregularidade. Isso facilitou o controle social das informações. A minha impressão é a de que isso diminuiu os casos de pessoas que são contratadas apenas por serem parentes. E acho que, dada a consciência dos servidores públicos, não é mais aceita a situação de alguém que é nomeado sem mérito ou capacidade para ocupar aquela posição.


Brechas na súmula do STF
Desde domingo, o Correio mostra que a ocorrência do nepotismo e o favorecimento de familiares ainda é realidade no país. Apenas no Congresso, a reportagem listou 16 casos. Alguns congressistas se utilizam de brechas na Súmula nº 13, do Supremo Tribunal Federal (STF), para incluir primos, sobrinhos-netos e outros “parentes distantes” nos gabinetes e até em cargos da estrutura das Casas. Juntos, esses comissionados recebem, em rendimentos líquidos, quase R$ 100 mil mensais.


“O dinheirinho que a gente ganha é para isso, para pôr o povo para trabalhar”, disse o deputado Aníbal Gomes (PMDB-CE). Ele mantém dois primos na folha de pagamento do gabinete. Segundo Gomes, que é também um dos investigados na Operação Lava-Jato, que apura desvios bilionários na Petrobras, os primos, que trabalham no Ceará, o ajudam a manter o contato com os eleitores. 

Já o deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS) resolveu lotar o próprio sobrinho justamente no órgão que o avaliaria em caso de denúncia por nepotismo: o Conselho de Ética da Câmara. Ao todo, a reportagem listou 10 parentes de deputados empregados na estrutura da Casa.

No Senado, a maioria dos suspeitos de nepotismo disse que os parentes eram primos, que não são alcançados pela Súmula do STF que veda a contratação. A norma proíbe “a nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade até o terceiro grau”. Como primos são considerados parentes de quarto grau, não há impedimento legal. 

Assim, o líder do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima (PB), concedeu uma função gratificada ao primo em seu gabinete, Flexa Ribeiro (PSDB-PA) mantém uma prima trabalhando com ele em Brasília, e Telmário Mota (PDT-RR) contratou um sobrinho-neto como motorista para atendê-lo no estado, com salário de R$ 3,9 mil líquidos. Já Davi Alcolumbre (DEM-AP) mantém a irmã de um primo em seu escritório de apoio em Macapá.


Por: André Shalders – João Valadares – Correio Braziliense 

Postar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem