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Que fazer quanto ao Uber?

A principal referência que as autoridades devem levar em conta para a regulamentação de serviços de economia compartilhada como o Uber é a liberdade de escolha do consumidor. Há poucas dúvidas quanto à capacidade do serviço Uber em aprimorar o leque de opções ao cidadão na escolha do transporte público. Seu sucesso perante os usuários no mundo todo é a melhor prova. 

No Brasil, contar com o Uber na tela de radar é tanto mais útil e necessário num quadro que combina escassez, cartelização e ingerências indevidas do Estado. Nosso país tem o pior serviço de ônibus e trens urbanos entre as 10 maiores economias do mundo. O serviço de táxi é caro e subdimensionado à crescente demanda. 

Nada contra o cadastro de veículos e condutores para fins de condução pública remunerada, mas talvez a presença do poder público deva parar por aí. Aliás, cadastro não é alvará e pode facilmente ser operacionalizado pela internet. Evita-se assim o mercado paralelo e corrompido para obtenção de licenças ou o absurdo da cartorializada compra de pontos de táxi. 

Se novos regulamentos tiverem de ser criados, eles poderiam restringir o alcance na determinação de que todos os veículos do serviço dispusessem de GPS, fossem necessariamente sedãs, SUVs ou vans e, no máximo, com 6 ou 7 anos de fabricação. Todos os motoristas e veículos de tal serviço deveriam ter registro no Uber ou outro operador e esses partilharem tais informações com o poder público. 

O cabo de guerra quanto à regulamentação do Uber é revelador de duas dimensões problemáticas que amarram o desenvolvimento brasileiro: a hipernormatização e o ambiente institucional pouco conducente à inovação. 

O Brasil apresenta sanha regulatória. Na última década, adotaram-se 4,5 milhões de normas. São mil por dia. Uma a cada dois minutos. Editamos multas para pedestres. Exigimos pintar de amarelo fosforescente o rabo de animais que transitam à margem de estradas. Delimitamos áreas para aterrissagem de óvnis (sim, é verdade, lei do município de Barra do Garças, em Mato Grosso). 

O Uber, às vezes, se coloca como opção de rendimento extra para motoristas que queiram ganhar dinheiro no tempo livre. Um tal modelo supostamente torna mais frágeis as relações de trabalho, já que os taxistas, em maior parte, se dedicam à função em tempo integral.

O fato, porém, é que em grande parte do mundo a maioria dos motoristas do Uber já passou a prestar o serviço como atividade primordial. Fora isso, as relações de trabalho no Brasil são muito rígidas quando comparadas a outros países emergentes ou mesmo a economias mais maduras. Mais flexibilidade faz bem ao mercado de trabalho. Muitos taxistas no país são proprietários dos próprios veículos, e não empregados.

Tão importante para a inovação quanto a criatividade e o empreendedorismo de um povo — e o brasileiro tem ambos de sobra —, é o ambiente institucional que permita a destruição criadora. Não adianta regulamentar a eternidade de calculadoras de bolso ou máquinas de escrever, pois elas serão atropeladas por computadores desktop — e esses por tablets, e daí em diante.

No limite, o Uber pode ser considerado exemplo de economia compartilhada, modelo no qual se cobra pelo acesso a um bem em vez da posse dele. E essa é uma tendência sentida nos mais variados setores, como bem mostra o Airbnb no caso de hospedagens ou do mercado crescente de compartilhamento de joias, aviões, helicópteros, roupas, material escolar.

A chegada do Uber deve trazer alterações profundas ao mercado de táxis. Mas os taxistas poderiam aperfeiçoar o serviço para se tornarem mais competitivos com misto de mais tecnologia e serviço adicionado. Todos nos beneficiaríamos de táxis com wi-fi, GPS, preços mais baixos. Ou ainda a possibilidade de comprar corridas com antecedência mediante desconto. Parcerias com empresas aéreas e hotéis.

Como toda inovação, o Uber tem o mérito adicional de quebrar a inércia de determinado setor, o que, em seu processo de rearrumação, traz mais eficiência na ponta da oferta e grandes vantagens ao consumidor. Uma sociedade tem mais a ganhar quando, em vez de resistir a inovações, se permite transformar-se com elas.


Por: Marcos Troyjo - Economista, diplomata e cientista social, dirige o BRICLab na Universidade Columbia em NY, onde é professor adjunto de relações internacionais e políticas públicas.

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