A principal ferramenta de incentivo à cultural local
permanece uma incógnita ao público, enquanto provoca debates e disputas entre a
classe artística e o governo
Eventualmente, o Fundo de Apoio à Cultura (FAC) provoca
acirrados debates entre os artistas da cidade e o poder público. Os exemplos
são infindáveis e históricos. O mais recente deles envolve o deputado distrital
Bispo Renato (PR). Por meio de um projeto de lei complementar, o deputado
propõe que 15% do fundo sejam utilizados especificamente para favorecer
projetos cristãos, o que provocou uma reação imediata por parte da classe
artística, que foi recebida em uma audiência pública na Câmara Legislativa para
opinar sobre o assunto.
No fim do
mandato do ex-governador Agnelo Queiroz, em dezembro de 2014, alguns artistas
chegaram a se acorrentar no Palácio do Buriti para garantir que pagamentos
devidos fossem reconhecidos e projetos aprovados fossem empenhados. No início
deste ano, o Governo do Distrito Federal fez uso do fundo para sanar dívidas
com outras áreas, provocando nova indignação.
Atualmente,
os valores do FAC relacionados ao ano de 2014 estão sendo gradativamente
honrados. “Tudo segue conforme o calendário”, comenta Guilherme Reis,
secretário de Cultura do DF. Ele aproveita para destacar que “todos os
segmentos estão sendo recebidos e ouvidos pela Secretaria”. De acordo com
o secretário, o edital de 2015, programado para julho, “não avancará como
deveria, mas já terá relevante progresso”. Nos próximos dias, Guilherme Reis
deverá anunciar novas medidas na área cultural.
Mas,
afinal, para que serve o fundo? A quem ele se dirige? O diretor de teatro
Jonathan Andrade é categórico: “A sociedade precisa participar desse debate. É
ela a mais interessada. O FAC nos permite promover arte justamente para o
público, para a plateia. O FAC pertence, antes de tudo e de todos, à
comunidade, ao brasiliense.”
Dificuldades
O caminho
entre a produção e o alcance do público, no entanto, passa por uma série de
entraves. “A burocracia dos editais está maior. Muitos projetos acabam
inabilitados por conta de meros detalhes. Em alguns editais, por exemplo, a
rejeição chega a 70%. Ou seja, sobra verba em caixa para se produzir cultura”,
critica o produtor cultural Henrique Rocha, um dos mais articulados
representantes do Fórum de Cultura do DF.
Ainda
assim, ele elogia algumas melhorias recentes, como “a transparência do
processo”. O equilíbrio, segundo ele, seria o ideal: “ Nosso desafio primário é
manter a segurança jurídica por meio de editais simplificados, que favoreçam o
acesso”.
A cantora
Ellen Oléria, que contou com o apoio do FAC em algumas ocasiões, reconhece a
importância da iniciativa: “É fundamental termos essa possibilidade de
subsidiar a cultura”, afirma. Mas ela também faz algumas ressalvas quanto à
burocracia: “Temos uma produção enorme em Brasília, um inchaço. Como muitos não
dominam os meandros do processo, isso não escoa”.
Ela
concorda ainda com o produtor Henrique Rocha, em uma outra questão amplamente
criticada pelos artistas: “Há uma falha na circulação e difusão desses
produtos. Temos uma quantidade enorme de músicos com discos gravados,
empilhados em casa”, exemplifica.
O
diretor, ator e professor de artes cênicas Fernando Martins toca em um dos mais
delicados temas relacionados ao FAC: “O edital está moldando a cultura da
cidade”. A afirmação diz respeito ao formato adotado pelo fundo, regido pela
Secretaria de Cultura.
Os
editais, lançados anualmente, costumam funcionar por meio de pontuação.
Espetáculos que passam por um maior número de cidades ganham mais pontos, se
determinados assuntos forem abordados, a pontuação cresce, e assim por diante.
“Ou seja, os artistas acabam adequando o projeto ao edital e não conseguem
levar a real expressão artística pretendida aos palcos. De alguma forma, o
Estado age como regulador, e isso não está certo”, finaliza Martins.
Diante
das adversidades, os quatro artistas parecem compartilhar um consenso. Não se
questiona a relevância de uma ferramenta como o FAC na promoção da cultural
local, mas algumas melhorias são irrefutáveis. Acima de tudo, uma busca por
outras formas de fomento — iniciativas privadas, parcerias — se faz necessária
e urgente.
O Fundo
Criado em 1991, o Fundo de
Apoio à Cultura se tornou a mais importante ferramenta de fomento à cultura do
Distrito Federal. A principal fonte de recursos do fundo consiste em 0,3% da
receita corrente líquida do GDF. Por meio da iniciativa, espetáculos, discos,
eventos, filmes, entre outros, são produzidos. Além da criação, produção,
difusão e circulação de produtos culturais, o FAC ainda prevê a manutenção de
grupos e espaços artísticos.
367
Quantidade de projetos
contemplados pelo FAC em 2014
30
Número de editais publicados
entre 2011 e 2014. Até o ano de 2010, eram publicadas portarias que autorizavam
o uso do fundo na execução dos projetos culturais
"Em Brasília, a iniciativa privada é incipiente.
Precisamos de outros braços que acolham a cultura"
(Ellen Oléria, cantora)
(Ellen Oléria, cantora)
"É uma ferramenta importante, mas não deveria moldar a
nossa expressão artística, como acontece"
(Fernando Martins, diretor, ator e
professor)
"A atual transparência
do processo é fundamental, mas o nível de burocracia cresceu muito recentemente"
(Henrique Rocha, produtor cultural)
(Henrique Rocha, produtor cultural)
"O governo precisa compreender e reconhecer a
legitimidade da sociedade nesse quadro. O FAC é do cidadão"
(Jonathan Andrade, diretor de teatro)
(Jonathan Andrade, diretor de teatro)
Fonte: Diego Ponce de Leon - Correio Braziliense
www.correiobraziliense.com.br
Leia artigo do jornalista, poeta e
ativista cultural TT Catalão.