A Medida Provisória n° 681, que aumentou a margem consignável
dos servidores públicos federais, beneficiários do INSS e empregados regidos
pela CLT, permitindo-lhes comprometer até 35% dos rendimentos com a amortização
de créditos consignados em folha de pagamento (até então eram 30%), tem
ensejado dúvidas quanto à operacionalização e aos seus reais benefícios. A
medida dispõe que 5% do percentual se destinam à amortização de despesas
contraídas por meio de cartão de crédito, suscitando o entendimento de que as
faturas poderiam ser objeto de consignação em folha. Para quem assim entende,
seria possível comprometer toda a margem com a contratação de empréstimos,
desde que restasse comprovada a efetiva imputação dos 5% da renda para a
amortização prevista.
Abstraindo-se
a complexidade operacional do repasse de valores obtidos junto a uma
instituição financeira para amortizar operações realizadas com cartão de
crédito vinculado a outra, tal interpretação é rechaçada na exposição de
motivos da MP. O texto estabelece que os 5% são para amortizar despesas
contraídas exclusivamente com o cartão de crédito consignado. Por meio deste, o
titular autoriza que parte de sua remuneração seja retida em folha e destinada
ao pagamento da fatura, até o máximo percentual fixado por lei. O valor retido
é repassado direto ao banco emissor do cartão, que precisa estar credenciado
junto à fonte pagadora do titular.
Assim,
afasta-se a possibilidade de a MP repercutir sobre as operações já contraídas
com o cartão de crédito convencional. É importante registrar que o titular do
cartão de crédito consignado recebe os extratos em sua residência, para
acompanhar as transações do período e adimplir o saldo devedor remanescente, se
o valor deduzido em folha não quitar a fatura. Caso pague a diferença integral
no vencimento, não haverá juros; mas, se amortizar apenas parte, o valor não descontado
virá na fatura seguinte, com encargos. Estes, no entanto, serão menores. Como
os juros são diretamente proporcionais ao risco de inadimplência, a garantia
maior dada às instituições financeiras pela amortização das faturas em folha
permite que os encargos de refinanciamento sejam, em média, de 3,5% ao mês,
contra os 14% praticados pelo cartão de crédito convencional, no mesmo período.
A função
do cartão de crédito é dar ao titular a possibilidade de adimplir os débitos
contraídos em um período numa mesma data de vencimento, e o uso consciente deve
primar pela quitação integral da fatura. Não sendo possível, deve-se atentar
que, quanto maior a amortização, menor será o saldo devedor sobre o qual
incidirão os encargos. Deduz-se que o cartão de crédito consignado contribui
para reduzir a inadimplência, porque, ao reter parte da fatura na folha de
pagamento, elimina a hipótese, facultada no cartão convencional, de não se
fazer qualquer amortização.
De volta
à MP, causou estranheza, para muitos, o fato de dispor que, do novo limite de
35% da margem consignável, 5% só podem ser imputados na amortização de despesas
contraídas com o cartão de crédito (consignado, agora sabemos). Vislumbro
acerto em tal decisão, pois, como se busca reduzir o endividamento do consumidor,
conquanto seja aparentemente perniciosa e contraditória a ampliação do crédito,
a vinculação da receita ensejará que, em vez de mais dívidas, no cartão de
crédito consignado se concentrem as operações que ordinariamente já seriam
contraídas por meio do cartão convencional.
Some-se a
isso o fato de que, sendo possível ao mutuário utilizar toda a margem
consignável com a contratação de empréstimos, os recursos deles advindos
raramente seriam vertidos para a quitação de débitos mais onerosos, aumentando
o endividamento. Ademais, enquanto os empréstimos são adimplidos em muitas
parcelas, o refinanciamento do saldo devedor do cartão de crédito vem na fatura
do mês seguinte, viabilizando que, com o pagamento integral, o consumidor se
exima desta dívida e da incidência de juros.
No atual
cenário econômico, o superendividamento é um inimigo comum a devedores e
credores, de sorte que se afiguram bem-vindas as alterações introduzidas pela
MP, cujos reflexos beneficiarão até mesmo aqueles a quem ela não se destina
diretamente. Isto porque o incentivo ao uso do cartão de crédito consignado
levará à inexorável redução das taxas de juros do cartão convencional,
proporcionando uma saída menos gravosa para aquelas situações em que, no final
do salário, ainda sobra muito mês.
Por: Djalma Silva Júnior - Advogado especialista em direito bancário e procurador do estado da Bahia - Fonte: Correio Braziliense - Foto: Google