Tuany teme uma queda ainda maior no mês de julho: Já cheguei a passar até dois dias sem conseguir nada
Prostitutas estimam queda de faturamento, assim como donos de
motéis, que calculam retração de 20% na procura pelo serviço. Profissionais do
setor justificam que, em tempo de recessão, esse tipo de lazer é um dos
primeiros itens a serem cortados
O frio não afastou das ruas a garota de programa Fernanda*,
25 anos. Há três anos trabalhando como prostituta, ela não pode deixar que o
clima a espante dos afazeres diários, principalmente agora, em que o cenário
econômico do país não está favorável nem mesmo para as profissionais do sexo.
“Convivo com homens de vários mercados. São farmacêuticos, advogados,
servidores. Se a crise chegou até eles, é claro que também chegou até nós”,
garante. Fernanda, que trabalha em Taguatinga, afirma que começou a sentir os
efeitos desde janeiro — segundo ela, o atraso no pagamento dos servidores do
Governo do Distrito Federal (GDF) foi o começo de tudo. “Foi um mês horrível,
mas ainda ficou pior. Acredito que eu esteja ganhando até 50% menos
atualmente”, calcula.
Apesar
de a média de programas ser flutuante, ela lembra que, até o ano passado,
conseguia tirar cerca de R$ 2,4 mil por semana trabalhando de quarta a domingo.
Agora, mesmo batendo ponto de segunda a sábado, só chega a juntar R$ 800.
“Nunca fiquei uma noite sem trabalhar, mas está bem difícil. E sinto isso na
hora de gastar o que ganhei: antes, com R$ 40, comprava lanches para o meu
filho que duravam uma semana. Agora, não gasto menos de R$ 110 para comprar os
mesmos produtos.”
Não há
números oficiais para definir o quanto as profissionais desse mercado têm sido
afetadas pela crise econômica, mas a reclamação é geral: seja daquelas que
ficam nas ruas, seja das que atendem em apartamentos do Plano Piloto. “Posso
garantir que houve uma queda de 30% a 50% na quantidade de programas. Havia
sentido uma diminuição parecida em fevereiro, mas isso é um efeito do carnaval.
Essta fase atual começou em junho”, assegura Natália*, 38 anos, há quatro na
profissão, que mora no Riacho Fundo I.
Mesmo as
que oferecem serviços diferenciados reclamam. Carol*, 23, também faz massagens
no Sudoeste, onde atende. Ela diz que cobra entre R$ 80 e R$ 170, mas todos os
clientes têm pedido desconto. “Não tenho como diminuir o preço. Se fizer isso,
vou ter prejuízo”, reclama.
O DF não
tem um grupo específico que reúna as profissionais dessa área. Entretanto, Cida
Vieira, presidente da Associação das Prostitutas de Minas Gerais (Aprosmig),
que conta com mais de 3,5 mil associadas, garante que a crise é real e tem
resultado, inclusive, em uma maior movimentação das garotas de programa entre
as cidades do Brasil. “Este ano, já conversei com diversas meninas de Brasília
e Goiânia que vieram para cá tentando nosso mercado. Pelo menos a média de
programas diários tem se mantido”, frisa.
Parcelado no cartão
De acordo
com Aparecida Silva, conselheira fiscal da Aprosmig, muitas estão procurando
outras formas de conseguir manter os clientes. Depois de oferecer o
parcelamento dos programas com cartão de crédito, o desconto tem sido a opção
mais comum e viável. Mesmo assim, muitas prostitutas querem mudar de ramo. “Há
várias delas pensando em abandonar o serviço para trabalhar como diaristas ou
cuidadoras de idosos, porque isso está dando mais retorno.” Para Natália, que
trabalhou como garota de programa por três anos na Europa, há um efeito
cultural que agrava a situação das prostitutas brasileiras. De acordo com
ela, aqui, os homens ainda se sentem na obrigação de serem os provedores da
casa, o que faz com o sexo pago seja o primeiro serviço cortado da lista de
prioridades. “Lá, o dinheiro que os homens ganham não vai todo para cuidar da
casa. Aqui, muitos ainda acham que têm que sustentar tudo e isso muda a nossa
realidade”, acredita.
Outros
profissionais da indústria do sexo também reclamam da situação econômica atual.
Eusébio Ribeirinha, presidente da Associação Brasileira de Motéis (Abmotéis),
afirma que, desde o início de 2015, a queda média de faturamento tenha ficado
em 20%, principalmente entre os clientes das classes B e C. “A última vez que
havíamos sentido algo assim foi em 2009, quando ocorreu outro momento de crise.
Mas, naquela época, não fomos tão afetados quanto agora.” Por isso, táticas
como promoções têm sido evitadas, já que trazem um aumento nos gastos. “O que
os empresários têm tentado fazer é trazer clientes que não costumam ir a
motéis, criando uma ideia de hospedagem alternativa.”
Pelo
menos um grupo tem visto seus ganhos aumentarem com a crise. Dados da
Associação Brasileira das Empresas do Mercado Erótico e Sensual (Abeme) mostram
que esse mercado cresceu 8% em 2014 e continua em ascensão em 2015. Adelaide
Rodrigues, proprietária de um sex shop no Guará, estima em 25% o crescimento
nas vendas desde janeiro. “Isso ocorre porque essa é a forma mais prática,
econômica e prazerosa de economizar”, brinca a empresária. Porém, ela frisa que
o perfil do consumidor mudou. Se antes arriscavam mais nas escolhas, agora
chegam com valores fixos e sabendo o que querem comprar, para evitar
desperdício. “Junho é um mês de mais vendas por causa do Dia dos Namorados.
Acredito que os casais não devam viajar em julho e isso vai manter as vendas em
alta.”
Para quem
segue no frio dos pontos espalhados pelo DF, a expectativa é outra. “Já cheguei
a passar até dois dias sem conseguir nada. Temo que isso possa piorar e a gente
fique sem dinheiro”, lamenta Tuany*, 20 anos.
* Nomes
fictícios
O que diz a lei
A prostituição não é crime no
Brasil, somente manter estabelecimentos nos quais ocorra a exploração sexual,
segundo o artigo 229 do Decreto -Lei nº 2.848 de 7 de Dezembro de 1940. O
deputado federal Jean Wyllys (Psol-RJ) defende o Projeto de Lei n° 4.211/2012,
conhecido como Lei Gabriela Leite. De acordo com o PL, a proposta regulamenta a
prostituição no Brasil e garante aos profissionais do sexo (homens e mulheres)
o direito ao trabalho voluntário e remunerado. O texto também visa mudar o
artigo 229, descriminalizando as casas de prostituição.
Fonte: Por Adriana Bernardes e Rafael Campos, Correio Braziliense com foto de Carlos Vieira/CB/D.A Press