Brasil de olho ....
Depois das manobras para aprovar em primeiro turno a polêmica
proposta de emenda constitucional para a redução da maioridade penal no Brasil,
o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), ameaça retirar
da cartola uma nova matéria: a mudança do sistema de governo de
presidencialista para parlamentarista. Ele, que até agora protagoniza uma
“reforma política” que faz muito barulho e apresenta pouco conteúdo, tenta
atrair o DEM, o PPS, o PMDB, o PR e o PSDB — ontem mesmo, na convenção dos
tucanos, em Brasília, o senador José Serra (PSDB-MG) defendeu a volta do
parlamentarismo — para um debate que por duas vezes já foi rechaçado em
consulta popular.
Acusado
por alguns de manipulador, tido por outros como inteligente e sagaz para
identificar as oportunidades políticas, que ninguém duvide que Cunha levará
adiante o que anuncia. Até porque é do Congresso Nacional de onde sairá, caso
aprovada a matéria, o primeiro-ministro, chefe de governo investido do Poder
Executivo no sistema parlamentarista. A figura do chefe de estado, que no caso
brasileiro seria o presidente da República, passaria a ser simbólica.
O Brasil
já teve duas experiências parlamentaristas e duas consultas populares — um
referendo em 1963 e um plebiscito em 1993 — em que os eleitores indicaram o
sistema de governo de sua preferência. Em ambos, o sistema presidencialista,
hoje em vigor, foi vitorioso.
Sistemas de governo
A forma como o poder político é dividido e exercido no âmbito
do Estado varia de acordo com o grau de separação entre os poderes Legislativo
e Executivo. No sistema presidencialista — adotado, por exemplo, nos Estados
Unidos e no Brasil —, os poderes Legislativo e Executivo são independentes. No
sistema parlamentarista, como no modelo clássico do Reino Unido, há dependência
completa entre o Executivo e o Legislativo.
O que é
No sistema parlamentarista, o
Poder Executivo precisa do corpo legislativo para ser constituído e também para
governar. Diferentemente do que ocorre no governo presidencialista, o chefe de
governo — o primeiro ministro, chanceler ou presidente do conselho de ministros
— não é eleito diretamente pelo povo: os cidadãos votam para os seus
representantes legislativos e estes escolhem quem será o primeiro ministro (em
geral, o líder do partido que tem maioria). Este recebe o voto de confiança do
Parlamento. O governo é formado por maioria partidária ou de coalizão dentro do
parlamento e pode, a partir de seu desempenho, ser demitido antes do fim do
mandato eletivo. Nesse caso, o parlamento escolhe novo governo com base na
maioria partidária ou por meio de novas coalizões. Por seu turno, o Parlamento
pode ser dissolvido pelo chefe de estado, que representa a unidade nacional —
que pode ser o monarca ou o presidente.
Por: Bertha Maakaroun – Fonte: Correio Braziliense
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Nas entrelinhas
Muito mais do que preparar o discurso para uma
eventual candidatura em 2018, os integrantes do PMDB ensaiam o afastamento do
governo Dilma tendo no horizonte uma eventual decisão que obrigue a presidente
a deixar o Planalto antes do fim do mandato
O papel de
cada um
Entre as
muitas histórias que cercam o naufrágio do transatlântico Titanic, em 1912, uma
das mais emblemáticas se refere à do violinista inglês Wallace Hartley. Reza a
lenda que Wallace, comandante da banda oficial do navio, se pôs a tocar mesmo
após a embarcação se chocar contra um iceberg, no meio do Atlântico. Ao lado
dos outros integrantes, acompanhou todo o desenrolar de terror que se seguiu ao
choque, enfileirando acordes e músicas, uma após a outra. Mesmo ciente de que
perderia a chance de se salvar da tragédia, com os últimos botes salva-vidas se
afastando da embarcação, Hartley seguiu tocando até a derradeira Near, my God,
to Thee (“Mais perto, meu deus, do senhor”, em tradução livre).
A
narrativa sobre a postura de Hartley sempre foi carregada de uma imagem de
heroísmo, por ter o músico permanecido em suas funções, tentando acalmar os
outros passageiros da morte iminente que também o afligia. Entre as 1.517
pessoas que perderam a vida no naufrágio, estava o nome do músico, ao lado de seus
colegas de banda. A história de Hartley é reveladora sobre as atitudes de cada
pessoa diante de uma situação de crise, e o papel desempenhado por elas, mesmo
quando não há uma saída possível e a tragédia já está consolidada.
O maior
efeito colateral da última pesquisa CNI-Ibope, que apontou a popularidade de
Dilma Rousseff na casa dos 9%, foi a antecipação de forma escancarada da
campanha à sucessão e o anúncio do desembarque em massa de aliados da nau
governista. Hoje, PMDB, PDT e até mesmo o PT discutem estratégias isoladas para
chegar ao Palácio do Planalto, em um ritmo que parece ignorar a estrada de 36
meses que separa a próxima corrida eleitoral. Diante do naufrágio anunciado do
atual governo, ninguém parece disposto a permanecer ao violino.
O desembarque
anunciado do PMDB da base aliada tem data marcada para o fim do ano que vem,
mas ele já ocorre na prática. Muito mais do que preparar o discurso para uma
eventual candidatura em 2018, os integrantes do partido ensaiam o afastamento
do governo Dilma tendo no horizonte uma possível decisão que obrigue a
presidente a deixar o Planalto antes do fim do mandato. As consequências das
pedaladas fiscais e uma possível reprovação das contas das últimas eleições
ganham força pela baixa popularidade da petista. O rompimento “brando” deixa a
legenda livre para defender a permanência do vice Michel Temer no comando do
Executivo, caso haja impedimento da titular. Ao defender a adoção do
parlamentarismo no Brasil, Eduardo Cunha tenta ainda abrir uma brecha para ganhar
a dianteira no processo — em caso de cassação de Dilma e Temer, ele ficaria 90
dias exercendo a Presidência até novas eleições. Caso o novo sistema seja
aprovado, poderia se tornar primeiro-ministro.
Mas não é
apenas o PMDB que discute pular do barco antes que ele afunde. O PDT acena para
os irmãos Gomes e aposta que o mais velho, Ciro, pode alavancar a votação do
partido em 2018. A sigla não tem candidato à Presidência desde que o senador
Cristovam Buarque se lançou, em 2006, em uma tentativa de pautar o tema da
educação na campanha. Competitivo mesmo, houve apenas o ex-governador do Rio de
Janeiro Leonel Brizola, em 1989. Com Ciro, os pedetistas acreditam ter a chance
de voltar a um patamar próximo dos 20% — a conta é deles.
No PT, a
maior preocupação não é salvar o mandato de Dilma Rousseff, mas descolar da
imagem de Luiz Inácio Lula da Silva o desgaste da sucessora. Não há outro nome
no partido com chances de subir a rampa, seja em 2018 ou antes disso. Na falta
de Dilma ir às ruas, como pede Lula, o próprio ex-presidente tem gastado a sola
do sapato e falado onde é chamado. Uma movimentação muito mais intensa do que a
dos primeiros quatro anos de Dilma. O cenário atual mostra que, no barco
governista, todos procuram um bote salva-vidas. Faltam candidatos a empunhar o
violino.
Na oposição
No campo
oposicionista, apenas o PSDB parece ter um caminho natural desenhado. O DEM
deve fazer jus à função de sigla auxiliar dos tucanos, enquanto o PPS busca
outro caminho, mas deve seguir o mesmo rumo. As falas do senador Aécio Neves e
do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, na convenção nacional do partido,
nesse domingo, revela que os tucanos têm dois cavalos para apostar as fichas no
páreo presidencial, ambos com recall de campanhas presidenciais anteriores.
José Serra se movimenta, mas sem o protagonismo da dupla. Falta agora encontrar
um discurso para dar peso a essas candidaturas.
Por: por Ivan Iunes – Fonte: Correio Braziliense