Marido e mulher, Marco Aurélio e Sandra de Santis
Em entrevista ao Correio, magistrado fala sobre a solidão da
presidente, a operação Lava-Jato, os 25 anos de atuação no Supremo e da paixão
pelo Flamengo
Ele não parece se incomodar quando os desafetos o
chamam de “voto vencido”. Até a Wikipédia o define assim, numa referência às
decisões solitárias tomadas em julgamentos. “Sou voto vencido também em casa.
Não há hierarquia. Ela manda”, brinca Marco Aurélio Mello, ministro do Supremo
Tribunal Federal, fazendo referência à esposa, a desembargadora Sandra de
Santis, mãe de seus quatros filhos.
O ministro não se importa de ficar sozinho nos julgamentos, mas não gostaria de estar no lugar da presidente Dilma Rousseff. Para Marco Aurélio, a chefe do Executivo foi abandonada por todos, inclusive pelo próprio partido, em meio à crise decorrente das denúncias da Operação Lava-Jato. “Ela está muito isolada, e isso não é bom institucionalmente”, acredita o ministro.
Embora a considere honesta, Marco Aurélio duvida que negociatas e desvios de recursos da Petrobras tenham ocorrido sem um conhecimento mínimo da presidente Dilma, que comandou o conselho de administração da empresa hoje envolvida no escândalo.
Há 25 anos no STF, o carioca de 68 anos manifesta sua preocupação com a situação do país. Eloquente, polêmico e sistemático com horários e compromissos, ele quer ser julgado pela história como “servidor”. O ministro recebeu a reportagem do Correio em sua casa, no Lago Sul.
Sobre as recentes declarações do ex-presidente Lula, observa: “O criador está arrependido da criatura”. Antes de começar a entrevista, o ministro classificou de “trepidante e equivocada” a disposição do presidente da Câmara, Educardo Cunha, de votar à força a maioridade penal. Ligado o gravador, Marco Aurélio disse que há certa banalização nas prisões da Lava-Jato, e falou de reajuste dos servidores, magistratura e futebol. Sobre este último ponto, Marco Aurélio enfrenta dissabores profundos com o Flamengo, time do coração. “É muito sofrimento”, lamenta o fanático rubro-negro.
O ministro não se importa de ficar sozinho nos julgamentos, mas não gostaria de estar no lugar da presidente Dilma Rousseff. Para Marco Aurélio, a chefe do Executivo foi abandonada por todos, inclusive pelo próprio partido, em meio à crise decorrente das denúncias da Operação Lava-Jato. “Ela está muito isolada, e isso não é bom institucionalmente”, acredita o ministro.
Embora a considere honesta, Marco Aurélio duvida que negociatas e desvios de recursos da Petrobras tenham ocorrido sem um conhecimento mínimo da presidente Dilma, que comandou o conselho de administração da empresa hoje envolvida no escândalo.
Há 25 anos no STF, o carioca de 68 anos manifesta sua preocupação com a situação do país. Eloquente, polêmico e sistemático com horários e compromissos, ele quer ser julgado pela história como “servidor”. O ministro recebeu a reportagem do Correio em sua casa, no Lago Sul.
Sobre as recentes declarações do ex-presidente Lula, observa: “O criador está arrependido da criatura”. Antes de começar a entrevista, o ministro classificou de “trepidante e equivocada” a disposição do presidente da Câmara, Educardo Cunha, de votar à força a maioridade penal. Ligado o gravador, Marco Aurélio disse que há certa banalização nas prisões da Lava-Jato, e falou de reajuste dos servidores, magistratura e futebol. Sobre este último ponto, Marco Aurélio enfrenta dissabores profundos com o Flamengo, time do coração. “É muito sofrimento”, lamenta o fanático rubro-negro.
"Não posso subestimar a inteligência alheia. Não posso
conceber que uma pessoa que chegue a um cargo como o de presidente da República
permaneça alheia ao que está ocorrendo"
"Não sei a quem ela
(Dilma) ouve, mas está superisolada. Por exemplo, o grau de aprovação caindo,
chegou a 9%
"Não posso imaginar que todas essas delações,
principalmente delação que parte de alguém que está entre quatro paredes, sejam
espontâneas"
Já há uma ideia de quando a
sociedade verá um desfecho das denúncias da Lava-Jato?
Para o
leigo, a leitura é péssima. Qual é o fenômeno que está ocorrendo? Na primeira
instância, no Paraná, já há processos sentenciados, e no Supremo nós não temos
sequer ação penal. Vai explicar ao contribuinte. Parece que nós estamos
passando a mão na cabeça.
Os empresários estão presos e
os políticos ainda não foram denunciados. Isso confunde o cidadão?
É um
problema seriíssimo. A população carcerária provisória chegou praticamente ao
mesmo patamar nas masmorras — para usar uma expressão do ministro da Justiça,
José Eduardo Cardozo — da população definitiva. Alguma coisa está errada,
porque está na Constituição o princípio da não culpabilidade. Enquanto não
houver decisão condenatória já preclusa na via dos recursos, temos que presumir
que há não culpabilidade. Mas dá-se uma esperança vã à sociedade, como se
fôssemos ter dias melhores prendendo de forma açodada, precoce, temporã.
Há exagero nas prisões?
Não
conheço as premissas lançadas pelo meu tão elogiado colega Sérgio Moro para
prender o presidente da Odebrecht, para prender o presidente da Andrade
Gutierrez. Não é que eu ache exagero. É que se está generalizando a prisão.
Qual é a ordem natural? Apurar para, selada a culpa, prender-se em execução da
pena. É como o problema da inidoneidade das empresas. Que empresas tocarão as
obras? Aí, de duas, uma: ou não teremos a sequência das obras ou, então, essas
empresas constituirão outras, mudando apenas a nomenclatura para continuar
contratando com o Estado. As empresas estrangeiras virão para o Brasil com essa
instabilidade? Não. Com a morosidade da Justiça, com a insegurança jurídica,
com o Ministério Público no calcanhar, como às vezes fica... É um problema
sério. Ou, então, para-se o Brasil para um balanço.
Mas está precisando, não está?
Olha, a
Sandra, diante do excessivo rigor na preventiva, diz: “Mas também a corrupção
chegou a um ponto...” Aqui em casa sou voto vencido.
Como é esse
debate em casa, o senhor sendo ministro do Supremo e ela, desembargadora?
Em
primeiro lugar, não há hierarquia. Ela manda (risos). Em segundo lugar, as
cabeças são totalmente diferentes. Sob a minha ótica, ela é mão pesada. Ela é
juíza criminal, presidiu o Tribunal do Júri durante muitos anos. É mais
rigorosa e eu sou mais de buscar, sob a minha ótica, pode ser que eu esteja
errado, a prevalência da ordem jurídica. Mas nós não conversamos muito (sobre
os processos). Às vezes, ela me pergunta e eu respondo de supetão. Quando a
minha resposta não agrada, ela diz: “Você não refletiu”. Se agrada, ela bate
palmas.
O senhor é voto vencido também
em casa?
Em casa,
ela acha que tem que prender mesmo. Prende e arrebenta.
Ela concorda com as decisões do Sérgio Moro?
Concorda.
Eu acho que alguma coisa está errada. Não posso imaginar que todas essas
delações, principalmente delação que parte de alguém que está entre quatro
paredes, sejam espontâneas. Claro que o pessoal está colocando a barba de molho
por causa dos 41 anos (de pena) de Marcos Valério.
O mensalão é um marco para
novos julgamentos?
Sabe qual
foi a grande virtude dessa decisão? Foi mostrar ao povo que a lei vale para
todos, banqueiros, empresários, um ex-chefe do gabinete civil...
E as pessoas esperam a mesma coisa agora?
Todos nós
estamos muito curiosos para conhecer o conteúdo das delações que ainda não se
tornaram públicas.
Qual é a força dessas delações?
A lei de
regência pressupõe a utilidade, colaborando para a elucidação dos fatos. E de
acordo com essa utilidade é que será minimizada a pena a ser aplicada. Não quer
dizer que o delator será absolvido.
É possível confiar na palavra
de um delator?
O ônus é
de quem acusa. Aí surge um problema, um princípio básico: a palavra do corréu
não serve para respaldar a condenação. Os delatores são corréus. A delação não
é um testemunho. O lado positivo da delação é que avança na elucidação de
alguns fatos, mas a delação precisa ser espontânea. Não posso prender alguém
para fragilizá-lo e conseguir que ele entregue as pessoas.
O que o senhor achou da
declaração da presidente Dilma sobre comparar delator de agora com os dos
tempos da ditadura?
Prefiro a
ênfase que ela deu à mandioca. Sabe que eu gosto muito de uma mandioca? Tenho
plantada em casa. E é maravilhosa, é muda da Embrapa. É uma mandioca muito boa.
A Dilma nunca comeu mandioca aqui em casa.
O senhor a convidaria?
Convidaria.
Eu não queria estar na pele da presidente. Isolada do jeito que ela está e
envolvida pelo sistema. Eu a tenho como uma pessoa honesta.
O que pode
acontecer, na sua opinião?
Pode
acontecer tudo. Para mim, cidadão, pela experiência que tenho, pior do que a
crise econômica, financeira, é a crise política atual, que é muito, muitíssimo
séria.
O procurador-geral da
República pretende manter no Supremo todos os processos envolvendo políticos,
mesmo os sem foro... Vai ser o debate do mensalão sobre desmembrar ou não?
É outra
coisa também que não compreendo, uma no cravo, outra na ferradura. Aí se diz
que neste caso é conveniente que se tenha no mesmo órgão, detentores da
prerrogativa e cidadãos comuns. Isso não pode ocorrer. Por quê? Porque a nossa
competência é de direito estrito. É o que está na Constituição Federal. Uma
norma processual comum, como é a norma do Código de Processo Penal sobre
conexão ou continência, que é ter-se vários acusados, não pode alterar a
Constituição Federal. Eu, por exemplo, quando recebo o inquérito, a ação penal,
a primeira coisa que olho é se todos os investigados ou acionados têm a
prerrogativa. Não tendo, eu desmembro na hora e aguardo o agravo regimental.
Levo para o colegiado e o colegiado decida como quiser.
O critério é quem tem mandato
vai para o STF, quem não tem fica na primeira instância?
Sim. E
sou contra a prerrogativa de foro, porque não julgamos o cargo. Ninguém é
insubstituível. Julgamos o cidadão. Por mim, todos seriam julgados lá na
pedreira, na primeira instância.
No caso do juiz Sérgio Moro é
pedreira mesmo?
Haja
pedra...
Da redemocratização para cá, o
senhor vê um momento tão conturbado? Podemos comparar a época do governo Collor
ao que vivemos agora?
Penso que
o quadro é muito pior. Pela corrupção generalizada. Sempre tivemos, desde que o
mundo é mundo, a corrupção. Mas não dessa forma, linear, que todos, pouco
importando a estatura do cargo, querem ganhar. É algo incrível. Agora mesmo, eu
estava ouvindo o jornal de 13h, dizendo que já conseguiram recuperar R$ 700
milhões e não houve “hasta pública” (leilões de bens) até aqui. É em pecúnia,
em espécie! E parece que chegaremos já a R$ 1 bilhão. E o prejuízo dado à
Petrobras seria de R$ 19 bilhões. Algo que não conseguimos nem pensar. Sabe o
que é mais triste? Lá atrás, na eleição do presidente Lula, acreditamos que
havia um partido. Um partido ético, voltado a corrigir as desigualdades sociais
que nos envergonham. Mas, a decepção é incrível. De quantos anos vamos precisar
para corrigir isso? Para recuperar valores? Não sei.
Como o senhor vê a participação
do ex-presidente Lula dizendo que o PT tem que mudar?O criador arrependido
quanto à criatura.
Mas o que
se diz é que ele não está sendo investigado. Não
conheço o que há em termos de delação, e o que se diz é que ele não está sendo
investigado mesmo. Agora, o desgaste, inclusive para ele, político, em termos
de cidadania, é enorme.
Que saída o senhor vê para
essa crise? A presidente Dilma tem condições de recuperar a credibilidade?
Ouvi
outro dia um político muito experiente falar em algo que não é da nossa
cultura: parlamentarismo. E o primeiro ministro seria, já com um poder maior do
que tem agora, o vice-presidente Michel Temer. Agora, três anos e cinco meses
com o governo precisando adotar medidas antipáticas. Não sei qual é a solução.
Quando o senhor fala em isolamento, o senhor acha que o próprio partido já a abandonou?
Acho.
Tivemos, nas discussões travadas na Câmara, a revelação disso. Um partido de
oposição diz não, não vamos votar enquanto o partido da situação não se
definir. Vai ficar dando uma de mineiro, em cima do muro? Acho que ela está
muito isolada e isso não é bom institucionalmente. Muito, mas muito isolada. E
até certo ponto, há uma ultrapassagem de limites para uma retaliação em certas
matérias.
Por exemplo?
A PEC da
Bengala. Fiquei contentíssimo, meu sentimento foi duplo. Alegria por continuar
fazendo o que gosto, o que eu amo fazer, e tristeza porque aprovaram na base da
retaliação. Tenho que admitir, não sou ingênuo. Aprovaram na base da retaliação
mesmo! Ela (Dilma) teria a possibilidade de nomear para o Supremo um grande
número de ministros e, para o STJ, o TST, outro número. A cadeira tem uma
importância enorme. Muitos rendem homenagens, muito mais à história da cadeira
do que à pessoa que a está ocupando. Hoje, não se tem apego a qualquer valor.
Eu não queria estar na pele dela.
Por quê?
Não sei a
quem ela (Dilma) ouve, mas está superisolada. Por exemplo, o grau de aprovação
caindo, chegou a 9%. Não é brincadeira. O que está ocorrendo agora, em termos
de comemoração dos meus 25 anos de Supremo, me estimula. Recarrega
incrivelmente minhas baterias. Agora, imagina o contrário? Nós somos humanos. O
tempo todo a pessoa sendo fustigada por todos os lados? É algo incrível, porque
você tem, de um lado, a necessidade de um Legislativo se fortalecer para não
estar atrelado como esteve até aqui ao Executivo.
Nesses 25
anos de Supremo, qual foi o momento mais delicado, mais dífícil?
Não
houve. Você entra numa dinâmica tão grande que se acostuma, não há momentos
muito delicados.
Mas há um grande tema que o senhor julgou, que marcou? O mais crítico foi Cacciola (o habeas corpus que liberou o banqueiro, antes da fuga)?
Não,
Cacciola foi um habeas corpus e reafirmei no plenário o que fiz anteriormente,
que havia um processo crime, com cerca de 13 envolvidos, e apenas ele preso. E
a base maior para a custódia seria o fato de ele ter dupla nacionalidade.
Então, qualquer estrangeiro residente no Brasil acusado teria que ser preso, a
prisão seria automática. Agora, há um detalhe interessante: ele praticamente já
cumpriu a pena. E os outros condenados, inclusive um ex-presidente do Banco
Central, o Francisco Lopes, onde estão? Onde está essa sentença? Não sei. Nunca
foram punidos, nem provisoriamente.
Esse foi talvez o momento crítico para o senhor?
Você vai
com o tempo criando uma couraça para críticas. O juiz sempre está a contentar
uma parte e descontentar outra. E nem sempre o juiz está com a maioria. Ele, às
vezes, é contra majoritário. Não busco nem aplausos. Quando a minha decisão
coincide com os anseios da sociedade é maravilhoso, mas, quando não coincide,
você tem que atuar segundo a ciência e a consciência possuídas.
O fato de o senhor ser voto
vencido o incomoda?
Não. Eu
estava vendo o livrinho do Supremo (dos 25 anos). Tem uma fala do ministro
Peluso (Cezar Peluso) quando completei 20 anos de STF. Ele diz que eu saio com
a mesma expressão que entrei na sessão. Integro um colegiado. Não disputo coisa
alguma em votações verificadas, muito menos supremacia intelectual. Às vezes,
acredito até no juízo da maioria (risos).
O seu temperamento não é de
tentar impor o voto?
Não. As
minhas participações são relâmpago. Às vezes, incomodo. Reconheço que incomodo.
Por exemplo, no plenário, não conheço o instituto da ressalva. Eu penso uma
coisa, mas não adiro, porque a maioria pensa de outra forma. Não reconheço.
Quando cheguei ao Supremo, era um tabu divergir do presidente. O presidente
leva um agravo, você levantar um dedo para divergir… O presidente é um igual. É
um simples coordenador.
Como o senhor gostaria que a
história o julgasse?
Como um
servidor. Uma pessoa que buscou servir com pureza da alma. Sou humano. A
Justiça, obra do homem, será sempre passível, não sou o dono da verdade. Agora,
o que se espera em um colegiado é que cada qual se manifeste segundo a
compreensão da matéria que esteja em mesa. Isso é colegiado. Se não, teria uma
voz única. Não se teria uma turma, um plenário. E, enquanto eu estiver por
aqui, será assim, e me divertindo.
Acha que é justa a forma de
nomeação dos ministros do Supremo?
Costumo
responder revelando o que ocorre na América: por que lá funciona e aqui durante
muito tempo não funcionou, principalmente a questão da sabatina, que era
encarada como algo pró-forma? Sem crítica ao Senado, quando fui indicado, era
ministro do TST havia oito anos, tinha sido juiz no Rio, tinha sido do
Ministério Público. Preocupadíssimo, levei o meu currículo aos integrantes da
Comissão de Constituição e Justiça e fui para a comissão para ser sabatinado. O
presidente apressava os senadores porque haveria uma sessão conjunta. É
brincadeira.
Seus críticos usaram o fato de
o senhor ter sido nomeado pelo presidente Collor, seu primo. Isso já lhe
incomodou em algum momento?
Não.
Cheguei ao Supremo em 1990 com uma trajetória. E vim manter contato com o
presidente Fernando Collor quando ele já era deputado federal aqui em Brasília.
Ele sempre viveu mais em Brasília e Alagoas. Tio Arnon era senador. Minha
família, no Rio. No governo do presidente Sarney, meu nome surgiu apoiado pela
comunidade jurídica trabalhista para três vagas. Mas, àquela altura, eu tinha
como primo o maior desafeto do presidente Sarney. Depois, surgiu um problema
seriíssimo, porque o presidente Collor tinha como bandeira o combate ao
nepotismo. Como nomear um primo? O que fez o Planalto, e foi aí um ato de
mestre? Dois ofícios: um ao STJ, questionando quem seria candidato, o
presidente respondeu que todos. O meu tribunal (o TST) reafirmou que o nosso
candidato era o ministro Marco Aurélio. Aí Collor ficou à vontade para me
nomear.
O senhor já ocupou a
Presidência algumas vezes. O que o senhor faria se estivesse no lugar da
presidente Dilma?
Primeiro,
evitaria chegar a esse momento. Agora, atuaria. Não cruzaria os braços, não me acomodaria.
E é o que ela vai fazer. Ela vai continuar atuando. Nessa questão dos
servidores do Judiciário, ela vai vetar. Vai deixar o problema de derrubar o
veto com o Congresso.
Acredita numa negociação para
reduzir o percentual?
Mas, em
cima da lei que já assegura o direito? E os servidores entrando em juízo a
partir da lei? Vai ser a Babel se fizerem uma negociação porque o sindicato da
categoria não vai aceitar.
O governo se propunha a
conceder até 21%...
Mas eu
acho que 21% não cobririam as perdas. Se você cotejar a remuneração do
Judiciário com a remuneração do Executivo, a do Judiciário está acima. Com o
Legislativo, não. O Legislativo é o céu.
O senhor é favorável ao
auxílio-moradia para o Judiciário?
O
subsídio foi criado para haver uma parcela única. Já avisei à minha mulher, que
está recebendo — eu não recebo, porque são dois juízes morando na mesma casa e
os dois não podem receber. Eu já disse a ela: Bateu no plenário, vou concluir
pela inconstitucionalidade, porque a administração pública se submete ao
princípio da legalidade estrita. Enquanto o particular pode fazer tudo o que
não estiver proibido em lei, o administrador só pode fazer o que está na lei.
Mas a coisa já ficou generalizada. Agora criaram a acumulação. Se o juiz atua
em dois órgãos no tribunal, tem direito a um plus. Estamos voltando ao passado,
de remuneração com acumulação de diversas parcelas.
O senhor falava da presidente
Dilma, falou do presidente Collor. Que diferença o senhor vê entre a classe
política de 20 anos atrás e a que temos hoje?
Os
interesses paroquiais cresceram muito. O que é ruim, o que é péssimo. É aquela
história de assumir um cargo não para servir, mas para se servir do cargo.
Desta ou daquela forma, não importa, não é só a prata. Há uma outra forma, que
é muito pior, segundo o padre Antônio Vieira, de se implementar a corrupção,
que é a corrupção dissimulada. E aí, a corrupção latu sensu, pegando a
contrariedade ao interesse público.
Durante o mensalão, a grande
pergunta era se o presidente Lula sabia daquilo tudo. O senhor acha que a
presidente Dilma sabia de tudo?
Não posso
subestimar a inteligência alheia. Não posso conceber que uma pessoa que chegue
a um cargo como o de presidente da República permaneça alheia ao que está
ocorrendo. Quando me perguntaram em São Paulo, eu disse: O presidente é um
homem muito safo. Usei até essa expressão. É o tipo da coisa, o presidente da
República de então foi um grande chefe de Estado. Ninguém viajou tanto quanto
ele ao exterior, mas foi chefe de governo também. A presidente Dilma, a mesma
coisa. E se dizia que ela seria a grande executiva. Aí, é que falo que o
comprometimento dela está em ter se permitido ser envolvida pelo sistema. Não
estou dizendo que seja desonesta, não estou dizendo e nem acredito que ela
tenha tido vantagem pessoal. Mas não posso conceber que ela, presidindo o
conselho diretor da Petrobras, não tivesse conhecimento de certas coisitas,
para falar o mínimo.
Delatores têm dito que houve
doações legais por meio de chantagem. Como se julga isso? É corrupção?
Todos nós
temos freios inibitórios e precisamos mantê-los rígidos. Se não mantiveram, é
porque tiveram interesse em não manter. Essa história agora é como a lei da
escravatura: é para inglês ver.
Numa lista, o Flamengo está em
que lugar?
14° (risos).
O Flamengo compõe a parte do divertimento. E muito sofrimento. Não queiram
saber como me arrependo quando paro duas horas para ver um jogo como Flamengo e
Vasco. Não me envolvi, por exemplo, com os jogos da Seleção porque ela deixou
há bastante tempo de empolgar. Não me refiro apenas ao 7 x 1.
Foi ao Mané Garrincha?
Fui e
tive o desprazer de ver aquela vaia dada à presidente na abertura da Copa das
Confederações. Fiquei constrangido como brasileiro. Ali já foi uma sinalização
muito forte do que estaria no horizonte.
O senhor seria um bom
engenheiro, como seu pai queria?
Minha
mulher diz que eu seria um bom militar.
Que conselhos que o senhor
daria para esses jovens que querem seguir a profissão?
Primeiro,
que o aperfeiçoamento é infindável, o saber será sempre uma obra inacabada.
Pobre de espírito é aquele que acha que não precisa mais de aporte no campo do
conhecimento. Segundo, ler o que puderem ler e cuidar da formação humanística,
porque o direito é feito para os homens e não os homens para o direito. E eu
digo que, para quem julga, mais importante do que a formação técnica, que se
imagina que tenha, é a formação humanística. Como você aprimora? Na
convivência, no relacionamento, lendo romance. Por que romance? Porque há
conflitos, você adota posição, aguça a sensibilidade.
O senhor tem esperança de que a situação do país melhore?
Há uma
inversão de valores, mas são tempos alvissareiros, porque já não se varre para
debaixo do tapete, graças a uma imprensa livre como a que nós temos. Se há algo
democrático, por excelência, é a imprensa. Graças também à atuação da polícia,
especialmente a federal, do Ministério Público e da magistratura, nós podemos
ter esperança daquele Brasil sonhado, ou seja, é tempo que preocupa, mas que
sinaliza correção de rumos. Temos que passar por isso para evoluir.
Como o senhor viu a emenda
aglutinativa da maioridade penal? Foi a primeira vez?
De certa
forma, tivemos aquela saída do então líder do PMDB na Câmara, Michel Temer, na
reforma da Previdência (governo Fernando Henrique Cardoso). E reafirmei esses
dias o que disse no passado, quando dei a liminar (suspendendo a votação). Não
estou prejulgando. A Constituição Federal é muito clara ao dispor que,
rejeitada ou declarada prejudicada certa matéria, a reapresentação só pode
ocorrer na sessão legislativa seguinte. É o parágrafo quinto do artigo 60, que
está em bom vernáculo e bom português. Agora, parece que a tendência é vingar o
jeitinho brasileiro.
Isso o preocupa?
Toda vez
que há um desprezo à Lei das Leis, nós temos preocupação. Não se avança
culturalmente assim. Não pode prevalecer o critério de plantão. O que tem que
prevalecer é a Constituição. Entretanto, é cedo para falarmos qualquer coisa.
Ainda temos a segunda votação. Quem sabe haja um arrependimento eficaz? E temos
o Senado. De qualquer forma, se prosseguir o quadro, há a última trincheira,
que é o Supremo. Naquela época da reforma da Previdência, surgiu uma nova
proposta com a aglutinação. Pegararam pedaços, mas a matéria era a mesma. Agora
é a mesma. É redução da maioridade. Que redução? Pouco importa. A Constituição
se refere ao gênero matéria. Não ao texto. Naquela época eu dei a liminar e o
pleno saiu pela tangente dizendo que não cabia. Mas, o homem (Eduardo Cunha) é
um craque, hein? Se ele não estivesse numa idade mais avançada, eu ia sugerir a
contratação pelo Flamengo (risos).
Por:Ana Dubeux , Ana Maria Campos
, Denise Rothenburg - Correio Braziliense com foto de Marcelo
Ferreira/CB/D.A Press