O dicionário ensina que revolução, no contexto político, é rebelião
contra o poder vigente, com vista a implantar mudanças profundas. Diz ainda que
pode ocorrer de maneira progressiva ou repentina. Quanto maior for a rudeza,
mais caracterizada estará a reviravolta.
A
transição do regime militar para a democracia plena, que os manuais situam em
1985, não pode ser catalogada como revolução. Na verdade, a eleição
presidencial daquele ano marcou o desfecho de processo paulatino, gradual e
sobretudo consentido. A mudança pode não ter agradado aos mandatários da época,
contudo não ocorreu à revelia deles. Tendo sido autorizada, revolução não era.
Já a
ruptura havida em 1964, dado o grau de brusquidão, encaixa-se melhor, stricto
sensu, no conceito de revolução. Aliás, foi assim qualificada nos primeiros
anos, embora seja hoje mais usual designá-la como golpe.
Nossos
pais e nossos avós — esses, sim — conheceram tempos bem mais turbulentos. Na
primeira metade do século 20, revoluções e golpes (bem-sucedidos ou não)
sobrevinham a cada par de anos. Por um sim, por um não, entrincheiravam-se
cidadãos, desembainhavam-se espadas, granadas explodiam, casernas eram
sitiadas. Visto com óculos atuais, esse rebuliço nos parece longínquo,
intangível, empoeirado, perdido nos livros de história.
Os
brasileiros que assistiram, já em idade de entender, ao golpe de 1964 já estão
todos, há anos, agasalhados sob o manto do Estatuto do Idoso. Mais velhos ainda
estão os que viveram uma revolução de verdade, daquelas boas, com canhão e
tropa nas ruas. São hoje anciãos.
Os tempos
mudaram. Não se pega mais em armas pra impor ideias, que isso está
completamente démodé. Armas, hoje, são muito mais numerosas que antigamente,
circulam bem mais rápido, estão em mãos de muito mais gente, mas servem pra
outros fins.
No que
diz respeito à política, os jovens adultos brasileiros, aqueles que entram
agora na casa dos vinte e poucos anos, andam desencantados. Levantamento
recente do TSE informa que, no espaço de sete anos, nossos cinco maiores
partidos perderam dois terços dos afiliados menores de 25 anos. O desinteresse
da banda jovem é flagrante e inquietante: são precisamente eles que, daqui a 20
anos, conduzirão o país.
Quais
serão as razões desse desamor? Poderíamos culpar internet, redes sociais,
materialismo, facilidades do mundo moderno. Será? Se assim fosse, o
desinteresse dos jovens pelas coisas da política seria planetário, o que está
longe de ser verdade. As causas são domésticas.
Pra
começo de conversa, os que chegam hoje aos 20 aninhos só conheceram, no topo do
Executivo, a dupla Lula & Dilma. Não nos esqueçamos de que o presidente
anterior, ao impor a sucessora, fez questão de apregoar que ela era ele e que
ele era ela. Ou seja, ficou claro que eram angu da mesma tigela.
Tem mais.
Desde que se conhecem por gente, os jovens de hoje vêm sendo diariamente
bombardeados com escândalos, roubalheiras, prisão de medalhões. E mais roubos,
e mais escândalos, e falcatruas, e mentiras, e caraduras. Convenhamos: é muita
água pra pouco pote. Compreende-se que se sintam enfastiados e que menosprezem
política e políticos.
O que
anda fazendo falta é o debate de ideias, a troca de argumentos, o empenho pelo
bem comum, a demarcação rigorosa entre o público e o privado. O Executivo
onipresente destes últimos 10 anos tem relegado o Legislativo a papel de
figurante de opereta.
A crise
de governança gerada pela ação desastrada da Presidência da República está
mostrando corolário positivo: o fortalecimento do parlamento. Deputados e
senadores, desacostumados que estavam de fazer aquilo para que foram eleitos,
andam meio aturdidos. O momento parece confuso, mas o tempo se encarregará de
pôr ordem na casa.
Suas
excelências já dão mostras de que a era do amém chegou ao fim. Não é revolução
de tanque e canhão, mas é como se fosse: as consequências serão notáveis.
No Brasil,
a prática costuma contradizer a teoria. Nosso presidencialismo está se
transmutando em parlamentarismo de facto. Após tantos anos de Executivo
onipotente acolitado por congresso submisso, a virada é notícia animadora.
Aperfeiçoamentos
terão de vir, ressalte-se. Para viabilizar o novo modelo, é imperioso implantar
voto distrital e cláusula de barreira. Mas há um tempo pra tudo. Por ora,
festejemos a revolução que se desenrola diante de nossos olhos e façamos votos
para que o reequilíbrio entre poderes seja duradouro. Será bom para todos nós.
Que os anjos digam amém.
Por: José Horta Manzano - Empresário
– Fonte: Correio Braziliense