Quedas d'água em Parque Recreativo do Gama e longa passarela nono Lago do Cortado, em Taguatinga: recategorização dos espaços acaba com as denominações de fantasia (vivencial, urbano, recreativo)
Ibram vai ordenar a condição jurídica de 71 unidades de
conservação do DF. A medida pretende facilitar a proteção das áreas verdes e a
criação de infraestrutura para o lazer da população
Quando se fala do uso e da gestão das unidades de conservação
do Distrito Federal, em especial dos parques, sobram títulos, abandonos e
degradação. Eles são chamados de parque vivencial, parque recreativo ou parque
urbano, nomes que pouco dizem da importância de se conservar a área. A
nomenclatura também não garante a infraestrutura para fazer valer o decreto que
os criou. Por isso, os 71 parques do território sob gestão do Instituto
Brasília Ambiental (Ibram) vão ser recategorizados, serão classificados de
acordo com as normas estabelecidas pelo Sistema Distrital de Unidades de
Conservação (Sduc). E, para isso, a população é convidada, a partir de
agosto, a dar sua contribuição no que diz respeito às expectativas de uso de
cada área.
A mudança
ocorre em esfera técnica, mas deve se refletir diretamente no cotidiano das
comunidades. Isso porque, ao readequar as classificações dos parques, será
possível, inclusive, a regularização fundiária dessas áreas. Hoje, um grande
problema para a implantação deles é a falta de documentação que permita planos
de manejo. Outra questão sensível é também a ocupação humana anterior ao
surgimento dos parques. Isso porque, na maioria dos casos, já havia pessoas
morando no local antes do estabelecimento do decreto. Até por isso, os ajustes
pretendem conciliar a necessidade de preservação com a ocupação responsável,
quando não houver ameaça à biodiversidade.
Do ponto
de vista jurídico, a recategorização vem atender a duas recomendações do
Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF). As decisões nº 652/13 e 2523/14
reforçam a necessidade de adequação para que se saiba o que e por que manter a
área preservada. O processo atende apenas as categorias de parques, que passam
a ser divididos em parque ecológico e parque de uso múltiplo, conforme
estabelece o Sistema Distrital de Unidades de Conservação (Sduc).
Assim, os
parques ecológicos são aqueles em que a área tem função diversa: atende à
conservação de ecossistemas, do ponto de vista de beleza natural, mas também
sob a ótica do interesse ecológico. Dessa forma, dentro do parque ecológico são
feitas a recuperação de recursos hídricos, de áreas degradadas e o repovoamento
de espécies nativas. O parque ecológico ainda servirá como espaço para
desenvolvimento de atividades de educação ambiental e contato da população com
o Cerrado.
Os
parques de uso múltiplo, por sua vez, são aqueles com vocação para o lazer e
para recreação. A preservação ambiental pode ser feita, mas a função deles será
como equipamento urbano. Nesse caso, o Parque do Bosque do Sudoeste e o Parque
do Bosque dos Tribunais se enquadram nessa classificação. Como o processo de
recategorização se refere somente às unidades administradas pelo Ibram, o
Parque da Cidade — hoje sob responsabilidade da Secretaria de Turismo — tem
características que o encaixam como de uso múltiplo, mas não é objeto, neste
momento, do trabalho do órgão ambiental.
Getúlio Pereira, líder comunitário, espera a retirada dos chacareiros do Parque Ezechias Heringer (acima). Abaixo, sujeira em parque do Gama
E eu com isso?
Em um
sentido mais amplo, a recategorização pode ajudar a criar também uma nova
relação entre população e áreas verdes. Uma ideia distorcida que se tem dos
parques é a de que, quando não há infraestrutura montada para recepção dos
frequentadores, é um local sem utilidade urbana. Nada disso. “Essas áreas
atendem a serviços fundamentais invisíveis, como manutenção da qualidade do ar,
da água”, explica a integrante do grupo de trabalho de recategorização do
Ibram, Lorena Ribeiro de Almeida Carneiro.
Por isso,
a participação da comunidade na apresentação do documento é importante. “Para
que a população entenda o que a mudança pode significar para a vida dela. A
missão ambiental é mudar a cultura das pessoas, porque, muitas vezes, elas
deixam de cuidar de uma área por falta de informação”, explica a chefe do GT de
recategorização, Marcela Versiani. Esta é a terceira vez que se tenta fazer a
recategorização. De outras vezes, ela foi interrompida por questões
burocráticas. Quando a parceria entre população e órgão dá certo, o trabalho
avança. “Temos problemas com falta de pessoal e de recursos e, por isso, a
população são os nossos olhos e ouvidos. São eles que estão ali, todos os dias,
acompanham as mudanças e podem denunciar a degradação das áreas”, diz. Por
isso, a consulta pública fica aberta de 3 de agosto a 16 de setembro, por meio
do site www.ibram.df.gov.br.
Deu certo
Ainda que
a consulta pública não esteja aberta, um exemplo de como o comprometimento da
população com o meio ambiente pode ajudar na preservação ocorre no Parque
Ezechias Heringer, no Guará. A área tem 304 hectares e 36 nascentes. O cerrado
se apresenta em seu retorcido esplendor. Há também campos de murundu e até
mesmo a ocorrência de uma espécie de peixe específica da área, o pirá-brasília.
Com tanta diversidade natural, o local é sensível às degradações causadas pela
presença dos cerca de 70 chacareiros que moram dentro da área. Para barrar os
danos, moradores das QI e QE 5 se reuniram para pressionar o Poder Executivo a
finalizar a regularização fundiária do parque.
“Desde
2000, temos lutado para combater a abertura de fossas, a queima de lixo e a retirada
de água do Córrego do Guará”, conta o líder comunitário Getúlio Cardoso
Pereira. Apesar da primeira vitória, Pereira reclama da falta de andamento do
processo. “Conseguimos a regularização em janeiro de 2014, mas a gestão passada
do GDF prevaricou e a retirada dos chacareiros ainda não ocorreu”, afirma.
Vai mudar
O que já
foi um clube e hoje tem o nome de Parque Urbano e Vivencial do Gama deve
incorporar a missão de preservação ambiental. Ao lado do Setor DVO, no Setor
Norte do Gama, a área tem 227,11 hectares, mas agoniza com o esgoto sem
tratamento que corre pelas cachoeiras. Lá, há a presença de animais de topo de
cadeia alimentar, como a jaguatirica, o que demonstra que a fauna ainda
resiste, apesar das agressões. Há mais de 10 anos, o local abrigava um bar com
piscinas, mas que foi fechado. Por isso, de parque urbano, ele deve ser alçado
à categoria de parque ecológico e, assim, será possível a recuperação do que já
foi degradado.
Em área
de grande concentração populacional, o Parque do Lago do Cortado é um oásis em
meio ao concreto. A área fica entre Taguatinga e Ceilândia e conta com várias
cachoeiras de pequeno porte. Hoje, a infraestrutura lá instalada é precária e
não faz jus à beleza do espaço nem à relevância, do ponto de vista hídrico, do
local. Isso porque suas nascentes alimentam a Bacia do Descoberto, região de
intensa produção agrícola do território. O parque é, hoje, reduto de consumo de
drogas e, por isso, os casos de violência preocupam a população. Com a
recategorização, ele vai se juntar, pelo menos legalmente, ao Parque Ecológico
Saburo Onoyama. Será o Parque Ecológico Saburo Onoyama & Cortado.
Em alguns
casos, a recategorização pode intensificar o controle sobre a visitação do
parque, em razão da delicadeza do ecossistema. É o caso do Parque Ecológico dos
Pequizeiros, em Planaltina, que sobe da classificação de unidade de uso
sustentável para a de unidade de proteção integral. Ele é uma das maiores e
mais conservadas unidades de conservação do DF. Tem 770 hectares com variadas
fitofisionomias do Cerrado (cerradão, mata de galeria, cerrado denso, cerrado
típico, mata seca, cerrado rupestre e vereda), além de cachoeiras e boa
variedade de fauna. Por isso, de acordo com a recategorização, ele passa a ser
um parque distrital, com visitação restrita. Para comparar, ele deve funcionar
como o Parque Nacional de Brasília, que permite a entrada do público em uma
parte da área.
Sopa de definições
Unidades
de conservação: São áreas com recursos naturais relevantes e que devem ser
protegidas pelo poder público. Para tanto, foi criado o Sistema Nacional de
Unidades de Conservação da Natureza (Snuc), que estabelece dois conceitos para
preservação: as unidades de proteção integral e as unidades de uso sustentável.
Unidades
de proteção integral: Seu objetivo é preservar a natureza e onde o uso de
recursos naturais for bastante restrito e indireto. Fazem parte estação
ecológica, reserva biológica, parque, monumento natural e refúgio de vida
silvestre.
Unidades
de uso sustentável: Onde a conservação da natureza e o uso sustentável, com
visitação do público, são possíveis. Elas se classificam em área de proteção
ambiental, área de relevante interesse ecológico, floresta (nacional, estadual
ou distrital), parque ecológico, reserva de fauna e reserva particular do
patrimônio natural.
Como era e como fica
Antes
Os
parques do DF tinham classificações feitas sem nenhum embasamento técnico. A
partir daí, surgiram o parque vivencial, o parque urbano, o parque recreativo.
Agora
Os
parques terão duas definições. Serão parques ecológicos, em que preservação e
uso sustentável podem ser conciliados; e parques de uso múltiplo, que ficam
dentro das cidades ou nos arredores, em áreas de fácil acesso à população. Eles
têm infraestrutura para o desenvolvimento de atividades recreativas, culturais,
esportivas, educacionais e artísticas.
Como participar?
Consulta
pública de recategorização dos parques do DF
Quando
De 3 de
agosto a 16 de setembro
Como fazer
Acesse o
site www.ibram.df.gov.br ou procure as sedes das administrações regionais, do
Ibram, dos parques e do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios
(MPDFT)
Fonte: Maryna Lacerda – Fotos Gustavo Moreno/CB/D.A Press –
Correio Braziliense