Especialistas alertam para os perigos do uso indiscriminado
de inibidores de apetite. Até maio deste ano, mais de 10 mil receitas foram
emitidas no DF
Postagem da blogueira Marcella causou polêmica: medicamento com prescrição médica
Até onde você iria para conquistar um corpo magro? Atividade
física, dietas restritivas, tratamentos estéticos, cirurgia plástica e uso de
remédios. Com os avanços tecnológicos, muitas são as opções. Mas também muitos
são os riscos envolvendo exageros e falta de acompanhamento por um profissional
qualificado. Este mês, a postagem da blogueira Marcella Di Donato, 24 anos, em
uma rede social, reabriu a discussão em torno do uso de inibidores de apetite —
ou anorexígenos. Durante cinco meses, ela incorporou o uso de alguns
medicamentos, além de outros cuidados, ao processo de emagrecimento. Citou o
nome do remédio no post e atiçou a curiosidade dos admiradores. Com mais 119
mil seguidores, a mensagem foi interpretada por alguns como uma sugestão de
uso. No caso de Marcella, tudo foi receitado e acompanhado por uma médica. Mas
nem sempre é assim. Apesar de não haver estimativa, a venda ilegal dessas
substâncias ainda é uma perigosa realidade.
No
Distrito Federal, de acordo com o Núcleo de Medicamento e Controle Especial da
Subsecretaria de Vigilância à Saúde do DF, de janeiro a maio deste ano, foram
emitidas 10.127 receitas do emagrecedor sibutramina. Em 2014, foram 20 mil
notificações. A substância é a única com registro no Brasil, segundo
informações da assessoria de imprensa da Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa) (leia Entenda o caso).
A
sibutramina, citada por Marcella, é indicada no tratamento de obesidade e
excesso de peso. Ela aumenta a sensação de saciedade. “É um remédio de uso
rotineiro para quem é endocrinologista. Como toda droga, pode ter efeito
colateral, mas, se bem aplicada, pode ser satisfatória. O paciente, porém, tem
que ter a indicação de uso e não pode ter as contraindicações, como já ter
sofrido derrame ou infarto”, explica o endocrinologista Neuton Dornelas Gomes,
membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).
Especialistas
alertam, porém, que os inibidores de apetite não devem ser vistos como um
caminho fácil para o emagrecimento. Para o nutricionista esportivo Claiton
Camargos, as medicações precisam ser entendidas como coadjuvantes do processo,
com supervisão médica. Além disso, em processos bruscos, o corpo estoca gordura
para se proteger, o que pode provocar o aparecimento de uma doença no longo
prazo. “A estética pode até ser uma motivação, mas ela vem a reboque. A
preocupação principal tem que ser com a saúde.” A psicóloga comportamental
cognitiva Adriana Lemgruber alerta sobre os cuidados ao se usar essas
substâncias. “Já atendi vários pacientes que chegaram ao consultório com
efeitos colaterais de dependência das substâncias e ansiedade muito alta.” Para
ela, emagrecer é um processo, que envolve terapia comportamental para combater
a compulsão.
Neuton
Gomes ressalva ainda que é preciso tomar cuidado com as combinações de
medicamentos. “Não é recomendado usar a sibutramina com outros remédios que
também atuam no sistema nervoso.” E alerta que, antes de qualquer prescrição,
os profissionais precisam preservar a qualidade de vida do paciente. Os
especialistas afirmam que é fundamental procurar a causa do problema e
identificar o perfil de vida e alimentar do paciente. “A obesidade e o excesso
de peso têm ‘n’ causas e, logo, ‘n’ maneiras de tratar. Toda substância usada
na hora certa, pelo motivo certo, com o profissional certo e na quantidade
certa é boa”, declara o nutrólogo e membro da Sociedade Brasileira de
Nutrologia Dimitri Gabriel Homar.
Uso responsável
A
blogueira Marcella sempre foi magra. No entanto, em 2014, no meio de uma
mudança de cidade, ganhou 10kg. “Procurava nutricionistas, tentava fazer
dietas, mas não conseguia. Não comia mal, mas comia tudo em grandes
quantidades, por mais que fosse algo saudável. Meu corpo foi se acostumando e,
como não perdia peso, fui desmotivando.”
Motivada
pela chegada do casamento, com medo de ter herdado da mãe algum problema na
tireoide e com a balança indicando 65,5kg, em janeiro, ela buscou um
endocrinologista. “Falei que minha amiga já tinha tomado remédio e, se ela
(médica) achasse necessário, não via problema.” Após exames, descobriu que
estava com 39 kg/m² de Índice de Massa Corporal (IMC) — de acordo com a Anvisa,
a sibutramina pode ser usada em pacientes com IMC igual ou maior a 30. Marcella
começou a tomar o remédio e um redutor de absorção de gordura. Com um mês,
voltou ao consultório com sintomas de nervosismo, um dos efeitos colaterais da
substância, e foi medicada com antidepressivo.
Associado
aos remédios, fazia atividade física quatro vezes na semana e também
tratamentos estéticos. Marcella reconhece que, ao comentar sobre o uso de
inibidores de apetite nas redes sociais, toca em um assunto polêmico.
“Com saúde, não se brinca. Como figura pública, seria desleal esconder como
emagreci. Preferi falar a verdade, mas ressaltando que é importante buscar um
médico e os cuidados corretos.” A blogueira conta que desde que começou a
postar o dia a dia da dieta recebeu milhares de mensagens das seguidoras. “Mas
eu nunca passo a dieta ou as receitas. A minha dieta foi feita para mim, assim
como o remédio.” Hoje, a jovem de 1,62m de altura pesa cerca de 50kg.
A Anvisa
criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC). O
último relatório, feito entre 2009 e 2011, revelou que o consumo de
anorexígenos teve uma elevação em Brasília — tida como a décima capital no uso
de inibidores de apetite. Vitória é a primeira e Goiânia, a segunda. O
relatório identificou que, quando ocorre um aumento médio de 1% na população de
adultos obesos, há redução média de 8,2% no consumo de inibidores.
Entenda o caso - Resoluções polêmicas
Em
2011, a Anvisa publicou a Resolução nº 52, que proibia a produção, a
manipulação, a venda e o uso de inibidores de apetite que tivessem na fórmula
anfepramona, femproporex e mazindol, assim como seus sais, isômeros e
intermediários. A resolução também estabelecia medidas de controle para a
prescrição de sibutramina. O documento vigorou até 2014. Em setembro do ano
passado, o Senado Federal aprovou a proposta, de autoria do deputado Beto
Albuquerque (PSB-RS), que suspende a proibição da Anvisa. A decisão do
Congresso foi celebrada por entidades médicas, como o Conselho Federal de
Medicina (CFM). Na avaliação da entidade, permitir apenas um inibidor prejudica
os obesos mórbidos, que não conseguem emagrecer apenas com dietas e exercícios.
Além disso, o CFM acredita que a antiga resolução ia contra a autonomia do
médico e do paciente e ainda incentivava o mercado informal.
Dias
após a decisão do Senado, a Anvisa aprovou uma nova resolução (RDC nº
50/2014), que normatiza o tema. Ela prevê que as empresas interessadas em
comercializar medicamentos contendo mazindol, femproporex e anfepramona deverão
requerer novo registro. As farmácias, por sua vez, só poderão manipular as
substâncias quando houver algum produto registrado na Anvisa. “Quando as
substâncias tiverem registro, tanto o produto manipulado quanto o produto
registrado, passarão a ter o mesmo controle da sibutramina.” Isso quer dizer
que também serão exigidas retenção de receita, assinatura de termo de
responsabilidade do prescritor e do termo de consentimento pós-informação por
parte do usuário.
Fonte: Roberta Pinheiro – Correio Braziliense – Foto: Rodrigo
Nunes /Esp para o CB/D.A.Press