Rollemberg apontou vícios de iniciativa no projeto de lei que pedia o fim do Uber: decisão do governador volta à Câmara e pode ser mantida ou vetada
Depois do veto do governador ao projeto de lei que proibia o
uso do aplicativo no transporte individual, técnicos do GDF têm três meses para
legalizar o serviço. Enquanto isso, situação dos taxistas segue sendo estudada
para evitar a histórica falta de fiscalização no setor
O Uber vai ser regulamentado em três meses. Até lá, o serviço
será tratado como transporte pirata. Conforme havia adiantado o Correio na
edição de ontem, o governador Rodrigo Rollemberg (PSB) vetou o projeto de lei
que proíbe o uso de aplicativos no transporte individual e remunerado de
passageiros no Distrito Federal. Técnicos do GDF têm 90 dias para elaborar uma
forma de legalizar o serviço. Nesse período, garante o chefe do Executivo,
todos os interessados poderão dar sugestões. Em outra frente, a Secretaria de
Mobilidade (Semob) tenta organizar a documentação de quem opera os 3,4 mil
táxis cadastrados. A maioria tem alguma irregularidade.
Rollemberg
apontou “vários vícios de inconstitucionalidade” no projeto de autoria do
distrital Rodrigo Delmasso (PTN). “Então, decidimos vetar totalmente”, afirmou
o governador. Ele ressaltou que os motoristas do aplicativo estão sujeitos a
multa. “Continua valendo a legislação atual, em que qualquer transporte
individual remunerado precisa de autorização estatal”, alegou.
O
motorista do Uber flagrado com passageiro pode receber multa de R$ 85,13,
perder quatro pontos na carteira e ter o veículo apreendido. Porém, segundo
Rollemberg, o serviço não configura exercício ilegal da profissão. Agora, o
projeto de lei de Delmasso volta à Câmara Legislativa. Os parlamentares podem manter
ou derrubar o veto do governador.
O
diretor-geral da Uber no Brasil, Guilherme Telles, diz que essa é a
oportunidade de se promover um amplo debate e Brasília poderá servir de modelo
para o país. “O marco civil da internet, por exemplo, foi construído em
conjunto com empresas, governo e sociedade civil”, acredita.
Uma
reunião entre o governador, o secretário de Mobilidade, o diretor-geral do
Detran, Jayme Amorim, e representantes dos taxistas precedeu o anúncio do veto.
A presidente do Sinpetaxi, Maria do Bonfim, desconversou quando questionada
sobre o anúncio de Rollemberg. “O governo declarou que o Uber é ilegal, fere o
Código de Trânsito e a lei dos táxis. Não somos contra o uso do aplicativo. Não
temos os piores carros e os motoristas são capacitados.”
Descontrole
A
histórica falta de fiscalização e de vontade política em punir a categoria
permite a propagação das ilegalidades, que incluem o aluguel e a venda de
autorizações.
Por meio
da lei de acesso à informação, o Correio teve acesso ao relatório da auditoria
da Semob. Em um dos trechos, os técnicos relataram que, pela análise documental
em posse da secretaria, é impossível saber quem é motorista auxiliar e quem é
dono da permissão. Eles destacam que, “mesmo quando são apresentadas certidões
criminais constando algum registro criminal (…), o cadastramento de
permissionários e motoristas auxiliares era concretizado, bem como o processo
de transferência”.
Há
motoristas com ficha criminal dirigindo carros de placa vermelha. Ao menos 88
têm antecedente ou nem sequer entregaram o documento que comprova idoneidade.
Desses, 27 possuem certidão positiva; seis respondem a ação criminal, dois a
penal e um está condenado. Outros 47 não apresentaram o nada consta. Nenhum
poderia estar no sistema.
A Semob
conferiu 13.432 itens (exigências legais para operar táxi) das 554 permissões.
Elas apresentavam alguma irregularidade em 91,5% dos casos, como débito com o
GDF, vistorias de carros e cursos para taxistas vencidos. Das 554, 18 não
tinham documentos nos arquivos da secretaria, evidenciando a falta de controle.
Concluído no fim de junho, o relatório serve de base para a Semob fazer a
concorrência para 1,1 mil novas permissões — 700 neste mês.
Repetição
As falhas
no processo de cadastramento por parte da Subsecretaria de Fiscalização,
Auditoria e Controle (Sufisa) são as mesmas apontadas pelo Tribunal de Contas
do DF (TCDF) em fiscalização feita no início de 2012 e em um levantamento da
Secretaria de Transportes, em 2009. Dos absurdos constatados na auditoria está
o fato de os funcionários da Sufisa usarem formulários de checagem com
exigências de leis que já foram revogadas.
O
descontrole do poder público sobre os taxistas do DF coloca em risco os
passageiros. Há casos de assédio sexual, estupro e até assassinato. Em 2013, um
taxista matou outro a facadas próximo ao terminal aéreo. Então presidente do
Conselho Fiscal dos Taxistas do DF, César Luis Cristino, 56 anos, morreu após
discutir com Miguel Augusto Mariano, 57. O motivo teria sido a cobrança da vítima
para Miguel pagar a conta do restaurante do ponto de apoio dos profissionais.
Miguel cumpre a pena de 15 anos e seis meses.
Desde que
assumiu a pasta, no começo deste ano, o secretário de Mobilidade, Carlos Tomé,
adotou providências que considera o início da moralização do sistema. “Nós
trocamos toda a equipe responsável pela unidade de táxi por servidores de
carreira. Fizemos a auditoria e temos uma minuta de decreto que está sob
análise da área jurídica criando as autorizações”, cita.
Preso
por desacato
Policiais militares prenderam
um taxista, na manhã de ontem, por desacato e desobediência, quando tentavam
organizar o trânsito na Rodoviária do Plano Piloto. Táxis estacionaram fora das
sete vagas reservadas e chegaram a formar filas triplas no local, segundo a PM.
Os soldados afirmam que estavam notificando os motoristas quando foram
desobedecidos e desacatados. Taxistas filmaram a ação e logo as imagens
ganharam as redes sociais. Um dos vídeos mostram que os militares imobilizando
o motorista no chão. O registro mostra os colegas do taxista questionando a
ação dos PMs. Um deles convida as outras pessoas a baterem palmas para os
policiais por “prenderem um trabalhador”. Uma mulher também foi detida pelos
militares por xingá-los. Por meio de nota, a PM disse que os policiais agiram
de forma correta, “com uso progressivo da força”.
Verdadeira batalha na cidade
Passageiros usam o sistema de aplicativo, que não pode mais ser considerado exercício ilegal da profissão
Desde que
o aplicativo Uber começou a operar em Brasília, há nove meses, taxistas têm
pressionado os políticos e reagido até com violência para evitar a
concorrência. Na segunda-feira, um homem e uma mulher foram obrigados a sair do
carro do Uber e entrar em um táxi convencional, perto do aeroporto. Os taxistas
ameaçavam quebrar o veículo. Em julho, o motorista de uma empresa de turismo,
contratado para pegar o cantor Sérgio Reis no aeroporto, foi agredido por
taxistas ao ser confundido com profissionais do aplicativo.
Em mais
uma intimidação, um motorista do serviço alternativo acabou na delegacia, após
tentar embarcar um passageiro no aeroporto, na quarta-feira. Um taxista chamou
a Polícia Militar ao ver a situação. Um soldado verificou os documentos de
Albert Biato, 34 anos, e viu que eram legítimos. Insatisfeito, o profissional
do táxi entrou em contato com fiscais da Semob. Eles foram ao local e encaminharam
o outro motorista à 1ª Delegacia de Polícia (Asa Sul). Lá, o denunciante e duas
funcionárias da secretaria registraram ocorrência contra Biato, por exercício
ilegal da profissão. Mas ele não teve o carro retido nem acabou autuado. O caso
ficou em aberto.
Alguns
dos agressores de hoje eram vítimas em 1998. À época, entrava em vigor o
radiotáxi. Os veículos cadastrados no serviço ofereciam desconto de até 40% na
viagem. Para inibir a concorrência, os não cadastrados cercaram e até quebraram
carros de colegas. Mas, com o sucesso do novo meio entre os usuários, os demais
taxistas recuaram, ao ponto de sugerir uma redução da tarifa. Hoje, todos são
aliados na luta contra o Uber. E o serviço de radiotáxi dá, no máximo, 20% de
desconto.
Fonte: Adriana Bernardes – Renato Alves- Correio Braziliense
- Fotos: Breno Fortes/CB/D.A.Press -