Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense
Dilma tenta retomar a iniciativa política, porém, quem está
dando as cartas no jogo é Renan Calheiros, que se reposicionou em relação ao
governo
O acordo feito pela presidente Dilma Rousseff com o
presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), para barrar a chamada
pauta-bomba do Congresso — que nada mais é do que a aprovação de projetos que
atendem aos lobbies da alta burocracia federal e de grupos empresariais,
detonando o ajuste fiscal —, tirou o Palácio do Planalto das cordas.
Dilma
voltou ao centro do ringue para lutar contra o presidente da Câmara, Eduardo
Cunha (PMDB-RJ), cuja oposição ao governo desarticulou completamente a base
governista. Como se sabe, Cunha tenta limpar a pauta da Câmara para que as
contas de Dilma Rousseff de 2014 sejam apreciadas e rejeitadas, por causa das
chamadas “pedaladas fiscais”. Seria o caminho aberto para o impeachment de
Dilma por crime de responsabilidade.
Ao mesmo
tempo, o vice-presidente Michel Temer, como prova de lealdade, tenta evitar que
o Tribunal de Contas da União (TCU) rejeite as contas de Dilma de 2014, o que é
considerado tecnicamente difícil. A gravidade das ilegalidades cometidas nas
chamadas “pedaladas fiscais” é inequívoca, mas há uma manobra possível: poupar
Dilma e responsabilizar o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega e outros
integrantes da sua antiga equipe econômica, como o ex-secretário do Tesouro
Arno Augustin. Dilma ganhou mais 15 dias de prazo do TCU para se defender.
Com a
ajuda do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva — que ontem desembarcou em
Brasília e conversou com Michel Temer e demais integrantes da cúpula do PMDB —,
Dilma tenta retomar a iniciativa política. Na verdade, porém, quem está dando
as cartas no jogo é Renan Calheiros, que se reposicionou em relação ao governo
de forma programática.
Enquanto
o Palácio do Planalto procurava reagrupar forças oferecendo cargos nos estados
e liberando verbas das emendas parlamentares, o tradicional “toma lá dá cá”,
Renan preparou um pacote de medidas econômicas — nas áreas tributária, de
infraestrutura, fiscal e ambiental — intitulado “Agenda para o Brasil”.
Passou a pautar as negociações do governo com o Congresso com foco na
superação da crise econômica.
Renan
captou as preocupações dos grandes grupos empresariais do país com o
agravamento da recessão e a desorganização da economia, na eventualidade de a
crise política evoluir na direção do impeachment de Dilma. Também foi capaz de
perceber que esses setores interpretaram a condução dada à Câmara por Eduardo
Cunha como uma espécie de política do “quanto pior, melhor”, exatamente por
causa da pauta-bomba.
A tese do
impeachment da presidente Dilma, que vinha sendo urdida nos bastidores do
Congresso pelos caciques do PMDB, foi abortada quando Michel Temer, numa
declaração ambígua, mas assim interpretada pela maioria, colocou-se como
alternativa de saída para a crise. A reação contrária dos grandes grupos
econômicos do país, já abalados pela Operação Lava-Jato, foi imediata. Parecia
haver um jogo combinado entre Temer e Cunha.
O
desgaste de Temer com o episódio foi explorado por Renan, que passou a ocupar o
centro da rearticulação das condições de governabilidade. Se antes o vice-presidente
da República era o grande fiador da estabilidade do governo, agora é o
presidente do Senado que transformou Dilma Rousseff em refém política da Casa.
Sem apoio do Senado, que tem a atribuição de julgar os pedidos de impeachment,
Dilma não sobreviveria no poder.
Tudo
isso significa que a crise passou e que a situação do governo está resolvida?
Nem de longe, pois a Agenda Brasil aprofunda as contradições entre o PMDB e o
PT, a começar pela proposta de redução do número de ministérios, que Renan vem
defendendo desde o começo do governo Dilma. A propósito, ao contrário do que
muitos imaginam, o peemedebista, como presidente do Senado, adotou duras
medidas de austeridade.
Como
sinal de boa vontade para com Dilma, o presidente do Senado defendeu a
aprovação sem emendas do projeto de lei que acaba com as desonerações fiscais —
com exclusão de alguns setores. Ou seja, não quer que o projeto volte para a
Câmara, onde as mudanças feitas no Senado poderiam ser derrubadas.
Mas há
outros pontos de atrito que não foram resolvidos, inclusive na questão
tributária, uma vez que o Senado acena com mais recursos para estados e
municípios. É bom lembrar que o governador de Alagoas, Renan Filho, filho do
presidente do Senado, vive o maior sufoco financeiro, como a maioria dos
governadores.
Na briga
com Cunha, Dilma conta também com uma reação do poder instalado,
particularmente do Ministério Público Federal, do Tribunal Superior Eleitoral e
do Supremo Tribunal Federal. A forma como o presidente da Câmara conduz os
assuntos com o Poder Judiciário também tem fricções.
Numa
corrida contra o relógio, aguarda-se a hora em que o procurador-geral da
República Rodrigo Janot, cuja indicação para recondução ao cargo já encaminhou
ao Senado, apresentará sua denúncia contra o presidente da Câmara e outros
políticos. Não será surpresa se a investigação que abriu contra Renan for
arquivada por falta de provas.