Comércios no centro de Brasília: alta densidade de concentração e espaço entre eles abaixo do que manda a lei
Estudo feito pela Pró-Federação em Defesa do DF aponta a
falta de cuidado de várias gestões do Buriti em relação aos quiosques da
cidade. Problema não está só na ocupação desordenada desse tipo de comércio,
mas também na questão da saúde
Lançado ontem, o estudo Utilização de áreas públicas —
quiosques e outros, elaborado pela Pró-Federação em Defesa do Distrito Federal,
expõe as sucessivas irregularidades cometidas contra a área tombada de Brasília
em relação aos estabelecimentos alternativos. O mapeamento, apresentado no
Clube Unidade Vizinhança da 107/108 Sul, é resultado de seis meses de pesquisa
de campo feita por integrantes da associação. A conclusão é que houve muita
permissividade das gestões anteriores no que tange à implantação de quiosques e
à concentração deles nas quadras do Plano Piloto. Os problemas preocupam no
quesito urbanístico, mas também no ponto de vista da saúde pública, uma vez que
muitos estabelecimentos não usam água ou destinam incorretamente o chorume
produzido pelo lixo mal-acondicionado.
Ao
percorrer as regiões, as responsáveis pela pesquisa encontraram mais
irregularidades do que as inicialmente previstas. “Nós separamos em bancas,
táxis, quiosques de alimentação e reboques. Encontramos até mesmo ‘híbridos’,
que são quiosques e reboques com lonas”, detalha Mônica Veríssimo, membro da
Pró-Federação. Ela destaca que das quatro escalas definidas por Lucio Costa
(gregária, bucólica, monumental e residencial), a primeira é a mais afetada
pela instalação desordenada. “Na escala gregária, correspondente à área central
de Brasília, dominam os quiosques de lanche. Há alta densidade de concentração,
com distância de menos de 10m entre um e outro. Deveria ter havido estudo da
necessidade de instalação deles”, diz.
Além
disso, utensílios, como churrasqueiras e cadeiras, ficam do lado de fora dos
contêineres e, assim, obstruem a passagem de pedestres. “A lei obriga que eles
sejam recolhidos aos fins de semana, mas os proprietários os deixam do lado de
fora do estabelecimento. No Setor de Autarquias Sul, por exemplo, vimos pessoas
andando na pista porque a calçada estava tomada de barracas”, afirma Mônica. O
festival de horrores é tal que até mesmo os quiosques autorizados alteram a
estrutura após a obtenção de licença. Foram encontradas alterações no padrão
estabelecido pelo GDF, de paredes prateadas e toldo amarelo. “O efeito
contrário também procede: irregulares com cara de legalizado.
Sem higiene
A
qualidade do material utilizado para erguer esses comércios é outra crítica
contundente apresentada pelo estudo (leia Principais problemas). Eles são
feitos de chapa metálica, com estrutura de ferro e teto de zinco, unidade
insalubre e, com frequência, sem pontos de água e energia. “Em trailers que
trabalham com alimentação, como a pessoa lava as mãos? Não lava. E isso é um
problema grave de higiene”, critica Mônica.
Em alguns
casos, a coincidência de o estabelecimento estar sobre ou próximo às caixas de
abastecimento chama a atenção para possibilidade de ligações irregulares. Hoje,
para ter um ponto de captação de água regular, o comerciante tem que
desembolsar cerca de R$ 4 mil. A preocupação estende-se aos rejeitos gerados
pela atividade. Em alguns pontos, o chorume escorre dos quiosques, chega às
galerias pluviais e, assim, ao Lago Paranoá.
Principais problemas - Sudoeste e Octogonal
Lava a
jato irregulares ocupam vagas de estacionamento nos bairros conhecidos pela
pouca oferta de espaços para parar. Em geral, a estrutura desses
estabelecimentos é precária — são Kombis deterioradas, que nem saem do lugar.
Não há água nem energia, o que levanta suspeita de que os lavadores fazem
ligação clandestina diretamente na rede da Caesb.
Setor Comercial Sul, Setor de
Autarquias e fim da Asa Sul » A
preocupação é a densidade de concentração dos quiosques.
A
legislação estabelece distância mínima de 10m entre os estabelecimentos, limite
que não é desrespeitado. Assim como no Sudoeste, há a suspeita de ligações
clandestinas na rede de água e energia. Também preocupa o chorume produzido
pelos contêineres, uma vez que o destino mais próximo dele é a rede de galerias
pluviais.
Material usado
As
estruturas dos quiosques são precárias e improvisadas. Em geral,
chapas metálicas apoiadas em estruturas de ferro e com teto de
zinco. A lei, no entanto, previa trailers com toldos retráteis.
Faltam critérios
A
ocupação desordenada pelos quiosques ocorreu, de acordo com o estudo, devido à
falta de acompanhamento próximo por parte das várias gestões. Segundo a
Pró-Federação, não se avaliou a necessidade de instalação dos pequenos
comércios, tampouco a quantidade deles.
Soluções necessárias
A iniciativa encabeçada pela Pró-Federação em Defesa do
Distrito Federal pretende apresentar à gestão pública que os problemas
urbanísticos da capital têm solução. “O que queremos mostrar é que a sociedade
foi lá e fez, em seis meses, esse levantamento”, afirma Mônica. Para ela, a
palavra de ordem é legalidade. “Nós exigimos saber o que o governo vai fazer de
verdade.” O mapeamento traz uma pergunta insistente na avaliação dela: “Como os
governos fecharam os olhos para esses problemas por tanto tempo?”, questiona.
Conforme
mostrou reportagem publicada no domingo, há um total de 1.041 tipos de
comércios alternativos em Brasília, sendo que 800 deles são quiosques. Desse
número, 77% se encontram em espaços irregulares e 16% ocupam vagas que seriam
de estacionamentos. Quatro regiões já têm planos de ocupação definidos e áreas
destinadas aos quiosques estabelecidas: Águas Claras, Octogonal, Sudoeste e
Setor Comercial Sul. O que falta agora são as ações de fiscalização para
aplicação das regras definidas, de acordo com a Secretaria de Gestão do
Território e Habitação (Segeth). São portarias publicadas no Diário Oficial do
DF desde 2009. Lá estão as determinações, que aguardam execução. Não há,
contudo, cronograma definido para ação.
O grande
desafio, de acordo com a subsecretária de Unidade de Planejamento Territorial
da Segeth, Claudia Varizo, é estender as regras às demais regiões. “A maioria
das administrações regionais ainda não conseguiu elaborar esses planos. A
secretaria fez um primeiro esforço de orientação a fim de que os órgãos saibam
quais critérios avaliar nos mapeamentos”, explica.
O
levantamento, no entanto, não significa que todos os trailers serão
regularizados, alerta Claudia. “Nós temos que voltar à matéria, refazer e
complementar as informações”, explica. A falta de regramento, ou seja, de
portarias que definam quais áreas e como elas podem ser ocupadas, é uma das
razões para a desordem que os pequenos comércios geraram. “Abre brecha para
quem quer se aproveitar, dificulta a fiscalização e incentiva a ocupação
desordenada”, lista Claudia, a respeito dos problemas causados.
620
Número de quiosques e comércios alternativos construídos em cima de
calçadas
Fonte: Maryna Lacerda
– Nathália Cardim – Correio Braziliense – Foto: Ed Alves/CB/D.A.Press