As crises política e econômica deixaram a presidente Dilma
Rousseff descalça sobre o fio da navalha. Com o intuito de demonstrar que o
governo está empenhado em reduzir despesas, ela ensaia reforma administrativa,
que atingirá frontalmente a área de direitos humanos, afetando segmentos que,
desde a campanha eleitoral de 2002, apostaram suas fichas no governo popular
para sair da invisibilidade. As secretarias especiais de Direitos Humanos, de
Políticas para as Mulheres e de Políticas de Promoção da Igualdade Racial
(Seppir) deverão ser fundidas para originar o Ministério da Cidadania.
A decisão
reduz o papel o Brasil frente a nações da América Latina e da África, que o
tinham como exemplo de avanço no trato da cidadania. A provável futura pasta
reunirá os mais magros orçamentos da Esplanada dos Ministérios. Juntas, as três
secretarias têm fatia de R$ 725,59 milhões. A mais raquítica é a Seppir, com R$
75,23 milhões para dar conta das demandas de 51% da população brasileira,
constituída de pretos e pardos. Hoje, se os setores organizados da sociedade
têm dificuldades de interlocução mais afinada com o Executivo federal, amanhã
esbarrará em obstáculos naturais decorrentes do maior afluxo de protagonistas a
um único canal de diálogo.
O
enxugamento da estrutura governamental não passa de tentativa de demonstrar ao
Congresso Nacional e à sociedade o empenho em realinhar as contas públicas, a
partir da redução dos gastos com a máquina administrativa. O cortar na própria
carne afeta setores que tiveram conquistas pífias na gestão petista, e que
correm o risco de ver as migalhas esvaírem entre os dedos. No campo dos
direitos humanos, o Brasil ainda disputa topo no ranking mundial da violência.
No fim do
ano passado, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostrou que o número de
mortes violentas no Brasil é comparável ao de países em guerra. Em 20 anos, o
total de homicídios superou o de vítimas da guerra do Vietnã em duas décadas.
Em solo brasileiro, os que mais sucumbem diante da insegurança e do descontrole
dos armamentos são os negros — 320 mil mortes entre 2003 e 2012. Não há
iniciativas governamentais relevantes de combate ao racismo. Série de
reportagens do Correio, que disputa o Prêmio Esso 2015, mostrou que, em 3 anos,
foram quase 13 mil denúncias de um crime silenciado e tipificado como injúria
racial, o que abranda a punição dos autores.
Entre 142
países, o Brasil ocupa da 71ª posição de desigualdade de gênero, segundo estudo
do Fórum Econômico Mundial — uma queda de 9 pontos em relação à sondagem
anterior, quando o país estava na 62ª colocação —, que considerou os quesitos
saúde, educação, economia e participação política. Embora 38,7% das mulheres
sejam arrimo de família, segundo dados do IBGE, seguem sendo vítimas da
violência doméstica e discriminadas no salário — ganham menos para exercer as
mesmas atividades laborais dos homens.
A reforma
ministerial poderá aplacar a indisposição dos adversários em aprovar o pacote
fiscal e resultar em trégua no conflito entre Executivo e Congresso. A
presidente oferece benesses aos insurgentes, a fim de criar cenário político
civilizado, recuperar fôlego e tentar chegar a 2018. Em contrapartida, a conta
do acordo rebate nos setores menos privilegiados, que, historicamente, foram
desprezados pelas políticas públicas e ainda amargam os retrocessos em curso no
Legislativo. A reforma-bomba implode quem apostou em mudanças.
Fonte: Visão” do Correio Braziliense – Foto/Ilustração:
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