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#MOBILIDADE » Conselheiro e permissionário


"Essa permissão é um marco na minha vida. Foi em cima de um táxi que eu paguei minha faculdade e cheguei onde cheguei. Tomar essa permissão é como se fosse uma apropriação indébita" Manoel de Andrade, conselheiro do TCDF

Integrante do Tribunal de Contas do Distrito Federal, Manoel de Andrade continua sendo proprietário de pelo menos um táxi que roda na cidade. Existem pelo menos duas normas que indicam proibição de tal atividade. Mas ele diz que vai defender o interesse até o STF

O sistema de táxi de Brasília tem entre os integrantes um conselheiro do Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF). Apesar de a lei que regulamenta a profissão proibir servidor público de ser dono de táxi e de o Regimento Interno do Tribunal de Contas (TCDF) vedar ao conselheiro exercer qualquer outra atividade que não seja o magistério, Manoel Paulo de Andrade Neto é o proprietário de pelo menos uma permissão de táxi.

Como conselheiro, cargo vitalício, Manoelzinho, como é conhecido, recebe R$ 43.881,11. Somando o abate-teto de cerca de R$ 4 mil e os descontos, o contracheque de agosto estampou o valor líquido de R$ 28.449,30. A história do bem-sucedido taxista começou há 38 anos, quando conquistou o direito de fazer o transporte individual remunerado de passageiro. Documentos a que o Correio teve acesso revelam que, em 1994, Manoelzinho cadastrou um VW Quantum, fabricado em 1986, modelo 1987. De lá para cá, trocou o Quantum por um GM Ômega, pulou para um Space Fox e, atualmente, tem um Spacecross GII, fabricado em 2011, modelo 2012. O carro está registrado no Departamento de Trânsito (Detran-DF), na categoria de aluguel, já foi licenciado este ano e não tem multa pendente.

Durante o período em que conseguiu a permissão, o conselheiro Manoel de Andrade indicou pelo menos quatro pessoas para atuar como condutores auxiliares: Raimundo Amâncio, James Medeiros, Cesio Oliveira e, por último, Anderson Abdias. A norma legal assegura aos permissionários o cadastro de até dois ajudantes ao mesmo tempo — desde que o dono também dirija o veículo em 30% do tempo. E isso Manoelzinho não faz.

Por telefone, o conselheiro assume ser o proprietário da permissão “comprada da empresa Águia Branca com as economias do salário de garçom, por 4 ou 5 mil cruzeiros”, à época. Questionado sobre o fato de ser servidor público e não dirigir o carro — como exige a lei —, Manoel de Andrade argumenta que a legislação não pode retroagir para prejudicar quem quer que seja. “Quando comprei a permissão, eu tinha garantias. A lei veio muito depois”, sustenta.

O conselheiro diz ainda que a permissão é um patrimônio adquirido e não abrirá mão dela. “Se preciso for, vou até o Supremo (Tribunal Federal) para me defender. “Essa permissão é um marco na minha vida. Foi em cima de um táxi que eu paguei minha faculdade e cheguei onde cheguei. Tomar essa permissão é como se fosse uma apropriação indébita”, defende. Manoelzinho acusa integrantes deste e de outros governos de o perseguirem. “Já vieram me falar que tem gente afirmando que eu sou dono de 100 permissões. Isso já foi dito por outros governos também. Quero que um bandido apresente essas permissões, que eu vou dar de presente”, desafia.

“Mesquinharia”
Ao comentar o recadastramento anunciado pelo governo e que vai excluir quem não cumpre os critérios legais, Manoelzinho diz que defenderá os ideais de todos aqueles que, como ele, adquiriram o direito de explorar o transporte individual remunerado de passageiros antes de a legislação proibir a participação de servidores públicos. “Isso é mesquinharia. Eu tenho salário e não dependo disso. Mas muitos pais de famílias não têm essa mesma condição. Há interpretações equivocadas da lei. Permissão só deve ser cassada nos casos em que não cumpre o papel social e não presta um bom serviço”, defende.

O conselheiro ressaltou que o táxi que possui é cedido a um sobrinho e que não recebe um centavo pela prestação de serviço. Garante ainda que, anualmente, reúne todos os documentos exigidos pelo governo e que precisa checar com o sobrinho se não consta na lista exigida o documento de regularidade fiscal no GDF. “O governo tem muita dificuldade em controlar esses documentos”, cita.

Especialistas ouvidos pelo Correio dizem que o caso do conselheiro deve ser analisado com base em interpretações das normas existentes, uma vez que as leis não tratam de casos específicos, como “conselheiro do TCDF não pode ser taxista”.

Antes de assumir o cargo vitalício no tribunal, Manoel de Andrade liderou a categoria: presidiu o Sindicato dos Taxistas, foi vice-presidente da Federação Nacional dos Condutores Autônomos de Bens, diretor da Confederação dos Transportes e diretor do Sest/Senat. Em 1990, elegeu-se deputado distrital pelo PP, com 9.689 votos. Foi o nono deputado mais votado naquele pleito. Joaquim Roriz o nomeou secretário de Administração. Também foi de Roriz a indicação para que Manoelzinho ocupasse a vaga da Câmara Legislativa como conselheiro, em 2000.

Ainda sem recadastramento


Em 1998, Manoelzinho contou com o apoio dos taxistas para ser eleito deputado distrital

Entre 6 e 8 de agosto, o Correio publicou a série de matérias “Quatro décadas de reinado dos taxistas”, mostrando a força histórica da categoria no Distrito Federal. Em uma das reportagens, foi revelado o resultado da auditoria da Secretaria de Mobilidade a que a reportagem teve acesso com exclusividade. Entre as irregularidades constatadas pelos funcionários da Subsecretaria de Fiscalização, Auditoria e Controle (Sufisa), estão 88 situações de profissionais com antecedentes criminais ou que nem sequer entregaram certidão que comprova vida pregressa sem dívida com a Justiça.

Também ficou comprovada a existência de pelo menos 26 servidores públicos donos de permissão ou cadastrados como motoristas auxiliares. Realizada por meio de amostragem, a pesquisa levou em conta os documentos de 554 permissões e 908 motoristas cadastrados — cada táxi pode ser dirigido pelo permissionário e por dois profissionais contratados, por isso, há 5,8 mil deles no DF.

Diante do resultado, o governo anunciou que fará o recadastramento geral dos profissionais com a exclusão de quem não se enquadra nas exigências legais. Além disso, prometeu para agosto a abertura de processo para selecionar 700 novos permissionários de um total de 1,1 mil que serão incluídos no sistema. A expectativa é que o edital seja divulgado esta semana. É o terceiro anúncio de abertura de concorrência nos últimos seis anos. Até agora, nenhum vingou.

As normas. O que diz a Lei dos Táxis
Atualmente, a prestação de serviço de táxi no Distrito Federal é regida pela lei 5.323/2014. Por ela, um dos requisitos para a pessoa prestar serviço como taxista — sendo dono ou motorista auxiliar — é a ausência de vínculo ativo com o serviço público federal, estadual, municipal ou com o Distrito Federal. A lei anterior, 4.056/2007, também vetava tal possibilidade para servidor público.

O que diz o regimento interno do TCDF
O Artigo 16 traz uma série de atividades vedadas aos conselheiros. Entre elas, exercer profissão liberal, emprego particular ou comércio, bem como participar de sociedade comercial, exceto como acionista ou cotista. E também exercer comissão, remunerada ou não, inclusive em órgão de controle da administração direta ou indireta, incluídas as fundações públicas, ou em concessionária de serviço público.


Fonte: Adriana Bernardes – Renato Alves – Correio Braziliense – Foto: Ronaldo de Oliveira/CB.D.A.Press

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