Dois
exemplos de intervenção lado ao lado: à frente, palavras de ordem e atrás, uma
parede com grafitismo
Inscrições irregulares que enchem o câmpus da Universidade de
Brasília dividem opiniões de estudantes. Enquanto alguns reclamam de
vandalismo, outros interpretam as ações como manifestações culturais
Muros, paradas de ônibus e paredes internas. Na Universidade
de Brasília (UnB), esses espaços são recorrentemente tratados como tela de
pintura ou palanque de manifestação política. Na última semana, duas pessoas
foram flagradas enquanto faziam inscrições nas paredes do principal edifício do
câmpus Darcy Ribeiro, na Asa Norte. De acordo com a Coordenadoria de Proteção
ao Patrimônio (CoPP), as ações são proibidas. Mas a discussão entre estudantes
está acirrada. Há quem interprete a atitude como vandalismo e quem defenda que
as inscrições são intervenções culturais.
Logo na
entrada do Instituto Central de Ciências (ICC), no tapume que cerca uma reforma
temporária, é possível encontrar manifestações com tinta spray. A maioria das
inscrições está dentro do prédio, conhecido como Minhocão, principalmente no
subsolo. “Não tenho um levantamento que comprove que as pichações aumentaram.
Mas, infelizmente, elas são uma constante na universidade”, afirma Marcos
Aurélio Gonçalves, prefeito do câmpus. Ele reclama dos custos que as ações
trazem. “A manutenção da pintura ocorre a cada três ou cinco anos. Se o prédio
é pichado, além dos gastos com material, preciso realocar mão de obra para
cobrir as inscrições.”
Quando
visitava a UnB, o goiano Matheus Amorim, 20 anos, reparou que os desenhos e
frases nas paredes são abundantes. “Eu, particularmente, gosto. Tira um pouco
da sobriedade e deixa o espaço universitário mais humano. A intervenção é a
expressão de identidade das pessoas que estudam aqui”, opina. De fato, a maior
parte das manifestações é feita pelos estudantes, com frases de cunho político
e ideológico, em defesa de causas sociais, principalmente de gênero, cor e pela
legalização das drogas.
Mas não
são todos que concordam com essa forma de expressão. “Eu considero um crime
contra o patrimônio público, porque os autores terminam o curso, vão embora,
mas as pichações continuam aqui”, argumenta Felipe Rodrigues, 26, estudante de
física. Na interpretação dele, se a pintura é feita sem autorização, é uma
forma de vandalismo. Já o estudante de sociologia Raul Santiago, 17, não considera
o critério válido. “A pichação não autorizada também é uma forma de arte.
Grandes artistas, que hoje estão em galerias, começaram ilegalmente nos muros.”
Ele menciona o exemplo da dupla de brasileiros Os Gêmeos, que são mundialmente
reconhecidos.
O
professor de arte Werton Dias explica, porém, que há diferença. “Na definição
técnica, o grafite tem maior elaboração plástica. Já frases feitas sem
preocupação estética e, normalmente, com o uso de uma única cor são
consideradas pichação, ainda que tragam mensagens políticas”, define. De acordo
com ele, inscrições não autorizadas são crime de vandalismo e podem ser punidas
por lei. Especializado no uso da arte como meio de inserção social, o professor
pondera que, apesar de proibida, a pichação pode ser uma forma de expressão de
grupos marginalizados. “Nada impede que a pichação seja entendida como uma
forma de resistência e visibilidade social. Há quem resista com paus e pedras,
e há quem resista com poesia.”
Registro
histórico
Presidente
da Comissão Eleitoral e representante temporário do Diretório Central dos
Estudantes (DCE), Victor Canato explica que é preciso autorização da prefeitura
do câmpus para fazer inscrições nas paredes da universidade. “Qualquer
estudante ou membro da sociedade que verificar uma ação não autorizada pode
avisar a CoPP, porque isso é danificar o órgão público”, informa. Já as medidas
para que as mensagens sejam apagadas vão depender da interpretação da
prefeitura e da chapa à frente do DCE. Particularmente, Victor acredita que nem
tudo deva ser apagado. “Existem desenhos e aclamações políticas que fazem parte
da história da UnB.”
Essa
também é a visão da estudante de antropologia Juliana Ribeiro, 18 anos. “É
parte da estética do ICC. Há inscrições da década de 1980, que são um marco
daquele período.” Aluna da arquitetura, Vanessa Felix, 19, relata a existência
de produções gráficas antigas no centro acadêmico da faculdade. “Nossos
armários sofrem várias intervenções e nós tentamos manter alguns registros”,
conta. Ela mostrou um convite em formato de stencil para um show da Plebe Rude
em 1983.
Determinar,
no entanto, o que tem valor social ou deve ser apagado não é tarefa fácil.
“Escolher o que vai ser mantido é uma decisão muito delicada. Vai sempre
depender da leitura e da interpretação política de quem decide, que pode
entender a mensagem como social ou ofensiva”, explica o professor Werton Dias.
Ele alerta ainda para pessoas que reclamam do caráter clandestino das
inscrições como forma de mascarar o preconceito que têm por determinado grupo.
“É difícil entender quando a pessoa se incomoda com a intervenção gráfica ou
com a causa. Um homofóbico não vai apoiar uma mensagem gay, ainda que ela seja
uma grande expressão artística.”
Divididos
*Contra
“A
maioria das pichações são frases com cunho ideológico, sempre com viés
socialista. Eu acho errado, porque as pessoas têm opiniões políticas
diferentes. Eu não saio pichando equações de física nas paredes”
Bruno de
Faria,
32 anos,
(estudante
de física)
“Aqui é
uma universidade e deve ter espaço para todo tipo de expressão. Se você quer
compartilhar uma ideia, seja ideológica, seja artística, isso
é válido,
independentemente de eu concordar com a sua opinião”
Raul
Santiago,
17 anos,
(estudante
de sociologia)
Fonte: Isabela Bonfim, Especial
para o Correio – Foto: Rodrigo Nunes – Esp/CB/D.A.Press