Moradores do Sudoeste resistem à construção da Quadra 500:
queixas quanto aos futuros impactos ambientais, urbanísticos e de trânsito na
área tombada da capital federal
Carta elaborada pelo Conselho Internacional de Monumentos e
Sítios é enviada à Unesco com uma série de críticas sobre a construção de
quadra residencial no Sudoeste. O Tribunal de Contas autorizou o empreendimento
há 5 dias
O comitê brasileiro do Conselho Internacional de Monumentos e
Sítios (Icomos — Brasil) cobrou da Unesco, por meio de uma carta,
posicionamento sobre a autorização de construção da Quadra 500, no Sudoeste. O
Icomos é uma associação civil, não governamental, criada em 1964 e com sede em
Paris. É ligada à Unesco e, juntas, propõem o que receberá título de Patrimônio
Cultural da Humanidade. Para a entidade, o projeto da superquadra é considerado
uma das ameaças mais graves ao conjunto urbanístico, arquitetônico e
paisagístico de Brasília, considerado Sítio do Patrimônio Mundial da
Humanidade, de acordo com a Unesco.
O pedido
surge cinco dias após o Tribunal de Contas do Distrito Federal
(TCDF)
autorizar o começo das obras. E recebeu o apoio de entidade representativas do
setor. O presidente da Associação de Empresas do Mercado Imobiliário
(Ademi-DF), Paulo Muniz, avalia que “a área tem uma boa estrutura, que pode ser
muito bem aproveitada”. Segundo ele, a briga de construtoras com a população e
as entidades ligadas à preservação histórica são “assunto antigo”. A decisão do
Tribunal de Contas, completou Muniz, “atesta a aptidão do lugar para ser
habitado”.
A carta
do comitê foi elaborada por três arquitetas do Icomos no DF e aponta problemas
ambientais, jurídicos e urbanísticos que afrontam a proteção da cidade.
Sustenta, ainda, que existem ações na Justiça que colocam à prova a
regularidade da obra, como a permuta do lote entre a Marinha e a construtora
responsável.
Segundo
Romina Capparelli, uma das responsáveis pela elaboração da carta, o primeiro e
mais importante ponto a ser levantado é a questão do compromisso com a Unesco.
Quando foi feita a inscrição da cidade na lista da organização como patrimônio
mundial, não existiam sequer os planos em torno da SQSW 500. “Na planta, não
tinha a previsão. E isso foi um compromisso firmado com a Unesco, ou seja,
prometeram proteger e manter uma questão, que, agora, querem liberar, agindo
diferentemente do que foi assumido anteriormente”, queixa-se.
À época
do tombamento de Brasília, em 1987, houve a previsão de se criar no local um
lote destinado à exposição agropecuária, o que nunca se consolidou. Assim,
legalmente, não existia lote na área e, se chegasse a ser definido, seria
destinado ao uso institucional e não ao uso residencial.
Outra
questão incluída no documento enviado a Paris é a definição de superquadra,
usada para explicar a construção na área. Para Romina, uma das únicas coisas
claras nos contornos de Brasília é esse conceito. “Está bem escrito. O solo tem
de ser livre e as construções em projeções sob pilotis, com acesso único, ou
seja, há uma série de fatores que a condicionam. E o que estão querendo fazer
ali é qualquer coisa, menos uma superquadra”, criticou.
O terreno
onde está prevista a nova quadra não é público. “Uma empresa comprou, vai
construir o que quiser e pode, inclusive, proibir o acesso. O Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) precisa se posicionar de
forma incisiva no processo e pedir a paralisação dele, para que, pelo menos,
seja revisto. Precisamos saber do que se trata, pois muita coisa foi
modificada”, continuou a arquiteta. Falta de estudo de impacto de trânsito e de
um sistema original de captação de água da chuva também estão entre os pontos
críticos do relatório.
Para o
presidente do Icomos — Brasil, Leonardo Barci Castriota, a ambiência bucólica
da região garante o caráter de Brasília como patrimônio mundial. Além disso,
ele defende que a construção ocasionará impacto ambiental enorme. “Aquele é o
último fragmento de vegetação nativa do cerrado na área central da cidade”,
alerta.
A partir
da entrega da carta para a Unesco, a expectativa da entidade é de que a
organização internacional pressione os governos federal e local para impedir a
aprovação da obra. “Ela (a superquadra) é frágil por todos os lados e prejudica
o patrimônio de Brasília. Tem impactos graves ambientais, urbanísticos e de
legalidade sobre o tombamento. Serão, por exemplo, mais 3 mil veículos
circulando pela região”, reclama. No entanto, o Iphan, em 2009, avaliou que a
Quadra 500 não impactaria o tombamento de Brasília, e a decisão permanece a
mesma.
“Impreciso”
A construção enfrenta resistência, principalmente da
população do Sudoeste. No último dia 5, moradores entregaram um abaixo-assinado
ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) e ao Instituto
Brasília Ambiental (Ibram) no qual questionam a validade da documentação da
empresa autorizada pela Justiça, em maio, para construir a Quadra 500, entre o
Eixo Monumental e a sede do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). O
estudo ambiental foi feito há 29 anos, e o de impacto na vizinhança há sete. O
presidente do Conselho Comunitário do Sudoeste, Elber Barbosa, disse que o
levantamento de trânsito da construtora é “impreciso”.
Em maio,
a 6ª Turma do Tribunal Regional Federal 1ª Região decidiu, por unanimidade, que
as edificações não violam o conjunto urbanístico de Brasília. À época, o
relator, desembargador federal Jirair Aram Meguerian, alegou que o documento
Brasília Revisitada incluía a região como “Área A”. O Ministério Público
Federal (MPF) sustentava que o endereço não está previsto como expansão
residencial no Brasília Revisitada.
O
secretário de Gestão do Território e Habitação, Thiago Teixeira de Andrade,
afirma que, no GDF, não tramita processo com relação à construção da
superquadra no Sudoeste. “Ainda não tivemos acesso ao documento. Assim que
tomarmos conhecimento, vamos fazer uma leitura técnica para ver se cabe algo à
secretaria”, afirma. Por meio de nota, a pasta informou que “o Iphan foi
consultado durante o processo de aprovação, manifestando-se favorável à
aprovação. O Instituto Brasília Ambiental (Ibram) explica, ainda, que a licença
de instalação, que autoriza o empreendimento, é válida até dezembro de 2015”.
O Correio
tentou contato com a construtora responsável pelo empreendimento, mas não
conseguiu contato até o fechamento desta edição.
A área
tem uma boa estrutura, que pode ser muito bem aproveitada.
“(O
Tribunal de Contas) atesta a aptidão do lugar para ser habitado”
(Paulo
Muniz, presidente da Ademi-DF)
Polêmica: Confira alguns dos pontos citados pelo Icomos:
» Flagrante
desrespeito ao Brasília Revisitada, de Lucio Costa, no qual não está previsto
qualquer tipo de ocupação residencial na área
» A área
prevista para a SQSW 500 não se encontrava legalmente parcelada nem registrada
em cartório até 1987, quando da edição do Decreto de proteção nº 10.829, de
1987, que respaldou a inscrição de Brasília como Patrimônio Cultural da
Humanidade
» A destinação
da área para uso residencial foi uma decisão exclusivamente política,
desprovida dos estudos necessários
» A
definição do gabarito de seis pavimentos foi marcada por grave inconsistência
técnica
» A SQSW
500 contraria frontalmente o conceito de superquadra
» A área é
de propriedade particular e, por suas características, as superquadras não
foram previstas em lotes privados
» A
pretendida construção agride características fundamentais das Escalas
Monumental, Bucólica e Residencial do Plano Piloto de Lucio Costa
Fonte: Camila Costa – Luiz Calcagno – Roberta Pinheiro – Foto: Carlos Moura/CB/D.A.Press