Edson pede carona e se hospeda
em casas de estranhos para manter o projeto
Depois de percorrer 76 cidades
pedindo carona, paranaense sai de Brasília hoje para continuar a rodar o Brasil
em busca dos melhores rótulos artesanais da bebida
“Hoje, eu moro aqui. Inclusive, pode ficar à
vontade.” Se você hospedar o publicitário Edson Carvalho, 36 anos, é assim que
ele vai quebrar a formalidade. Mais conhecido como Viajante Cervejeiro, ele
viaja o Brasil em busca de bons lugares para beber cerveja artesanal há 17
meses. O paranaense pede carona na beira da estrada e fica na casa de quem
oferece um quarto. “Como não tenho residência, e minha vida é essa, preciso me
sentir bem no lar das pessoas”, explica.
Desde 1º de maio do ano passado, quando começou o
projeto, saindo do Rio Grande do Sul, foram 102 camas, mais de 200 caronas, 76
cidades, oito estados e o DF, 197 bares e 10 quilos a mais — sem contar os
infinitos relatos que encontra no caminho. “Todo copo de cerveja tem um passado
por trás. Isso me chamou atenção. Também tive que aprender sobre história e
geografia. A bebida tem ligação com a cultura de cada local. Além disso,
existem as lendas do universo cervejeiro”, conta. O viajante pisou em solo
brasiliense pela primeira vez na terça-feira e se surpreendeu com a diversidade
candanga. “Aqui tem bem mais bares do que eu imaginava”, comenta (veja
Confira).
Por trás de cada rótulo, uma
história. É em busca delas que o publicitário roda o Brasil
Para se manter, Edson não precisa de muito e vive
do que ganha ao trabalhar como jurado em bancas de concursos de cerveja. Ele
também promove eventos, como cursos e oficinas sobre a bebida, além de vender
produtos no site em que relata as andanças pelo país
(viajantecervejeiro.com.br).
Conhecer a capital federal sempre esteve na lista
de desejos do paranaense. “A presidente pode estar aqui dentro. Isso, para
vocês, é comum, mas, para mim, não”, brinca o extrovertido andarilho. “Parece
uma cidade de Playmobil. Tudo quadradinho, parecido.” O foco de Edson é
encontrar os bares mais legais de cerveja artesanal. Nos intervalos, sobra
tempo para o turismo. Em Brasília, andou pela Esplanada dos Ministérios e
chegou à conclusão de que esta é uma cidade diferente. “É imponente. É a sede
de importantes órgãos, como o Banco Central. Aqui você sente o poder”, avalia.
Novo paladar
A paixão pela bebida artesanal surgiu na primeira
vez em que Edson foi morar fora do país, em Barcelona, no fim de 2005. “Estava
caminhando por uma rua da cidade e decidi entrar em um barzinho. Os donos
estavam tomando uma cerveja de malte defumado e me ofereceram. Desde então,
comecei a gostar”, relembra. Quando voltou ao Brasil, o viajante sabia que
queria se profissionalizar no ramo. Em Curitiba, encontrou um rapaz que estava
abrindo uma loja e começou a trabalhar para ele. Aos poucos, estudou, fez cursos
e hoje integra bancas como jurado de concurso de cervejeiros.
De onde surgiu a ideia de unir trabalho, viagem e
cerveja? O publicitário explica que começou na crise dos 30 anos. “Sentia que
não estava construindo algo meu. Isso me incomodava. A ideia inicial era viajar
sem propósito, meio mochileiro hippie, mas isso também me angustiava”, revela.
A primeira intenção era percorrer o Brasil visitando microcervejarias. No
entanto, a proposta não seria novidade. Foi então que Edson decidiu visitar e
indicar bons lugares onde encontrar cerveja artesanal.
Com o propósito em mãos, precisava diminuir os
custos e praticou o desapego. Vendeu a casa, os móveis, as roupas, as
lembranças de viagens e separou apenas o essencial, que cabia na mochila.
“Brinco que vou lançar o programa Minha Mochila, Minha Vida. Aqui, tenho tudo.
São sete camisetas, sete cuecas, uma calça, três bermudas, dois tênis, um
chinelo, coisas de uso pessoal, canivete, isqueiro, abridor, máquina
fotográfica, um tablet e carregadores”, descreve. “O mais difícil foi desapegar
da rotina, da zona de conforto. As histórias das coisas materiais ficam com
você”, afirma.
Para se locomover, o combustível é a fala. Sabe
aquela pessoa que fica na beira da estrada pedindo carona com uma placa? Então,
o Edson é uma delas e dá uma dica. “Nessas horas, não uso óculos de sol. O
contato visual é muito importante”, diz. No banco do passageiro ou na boleia de
caminhões, o publicitário ouviu muitas histórias e conheceu gente de todo tipo.
Encontrou um sujeito chamado Ramone, que tem esse nome por conta do vocalista
da banda de rock, mas, na verdade, gosta de pagode. A única vez em que o
viajante ficou com medo de morrer na aventura foi por causa de um motorista de
caminhão que cochilava ao volante. Ele pratica a ética dos caroneiros: os que
chegam primeiro, sobem primeiro. Em todo esse tempo, apenas uma mulher topou
dar carona para ele. O paranaense não se cansa de receber mensagens de
motoristas que conheceu na estrada oferecendo ajuda.
Participação
Antes de partir para um novo destino, o viajante
faz um roteiro com as cidades e os bares encontrados. “Publico nas redes
sociais, e as pessoas me dão dicas e me ajudam a produzir o planejamento. É
coletivo”, explica. É também pela internet que o rapaz pede hospedagem. Assim
que fecha o percurso, anuncia e espera alguém se oferecer para recebê-lo.
Assim, conhece novas pessoas e constrói grandes amizades. Entre os amigos
encontrados na empreitada, está Felipe, o pulga. Felipe nasceu com um problema
no coração e, durante muitos anos, a família não teve condições de arcar com a
cirurgia. O rapaz sabia que não passaria dos 20 anos. “Ele estava preparado para
morrer. Depois de alguns anos, conseguiu fazer o procedimento e me disse: ‘e
agora? Não me preparei para viver’. Essa história eu nunca esqueci”, conta
Edson.
Aos poucos, o paranaense vai reunindo causos. Além
dos bares, descobre estabelecimentos únicos, como a Cervejaria Canoinhense, a
mais antiga em funcionamento no país, localizada em Canoinhas (SC). “Lá, uma
parte do processo é feita no fogão a lenha. Uma senhora de 94 anos toma conta
desde que o marido faleceu. É algo incrível”, diz. Também descobriu um bistrô,
no Complexo do Alemão, que produziu a própria cerveja, e outro bar, em Porto
Alegre, onde só entram conhecidos do dono. Com as andanças, Edson também ganhou
relances de outros sotaques e aprendeu um novo vocabulário. “Sempre mudo em
viagem. Depois desse tempo todo, aprendi a me adaptar, a me sentir à vontade na
casa das pessoas. Não tenho amarras. Eu me sinto livre, como se fosse de todos
esses lugares”, comenta.
Em grande parte do percurso, o publicitário está
só. “Estou sempre me confrontando. Estar sozinho faz a gente refletir. Eu me
sinto mais seguro e independente”, avalia. Para ele, a maior coragem não é
pedir carona ou ficar na casa de desconhecidos, mas tomar essa decisão. Para
quem tem inveja do trabalho do viajante, ele alerta: “Trabalho muito: faço tudo
sozinho, e tem toda a parte de escritório do site, dos eventos de que
participo, de planejar as viagens e dos produtos”.
De acordo com o planejamento de Edson, até o fim do
ano que vem, ele terá percorrido todos os estados brasileiros. O viajante quer
também publicar uma coletânea com crônicas e fotos e, depois, montar um roteiro
de viagem para fora do país. Mas, por hora, vai fazer uma pausa. Depois de um
ano e alguns meses de mochila nas costas, o peso começa a ser diferente. “Sinto
falta dos meus amigos, da minha família. Apesar de estar sempre com as pessoas,
tenho momentos de solidão. E hoje vi que não dá para fazer tudo seguido”,
conta. Ele sairá de Brasília hoje. O viajante vai tirar dois meses de férias e
depois dará continuidade ao trajeto. Em janeiro, volta ao DF, de onde segue
viagem para Minas Gerais. Os mineiros que quiserem hospedar ou dar carona para
ele podem entrar em contato. A selfie está garantida como forma de
agradecimento. “Não consigo me ver fazendo outra coisa”, conclui Edson.
Confira: Onde
encontrar cervejas artesanais em Brasília, pelo Viajante Cervejeiro:
*Mestre
Cervejeiro.com Brasília
CLSW 301, Bloco C, Sala 158 — Sudoeste
*Camberra
Cervejas Especiais
CLSW 101, Bloco B, Loja 54 — Sudoeste
Godofredo
CLN 408, Bloco B — Asa Norte
*Santuário
CLN 214, Bloco C, Loja 27 — Asa Norte
Pivo
406 Sul, Bloco D, Loja 33
*Empório
Soares e Souza
CLS 403, Bloco D, Loja — Asa Sul
Grote Bier
SCLN 409, Bloco A, Loja 19 — Noroeste
*Cantucci
Bistrô
CLN 403, Bloco E, Loja 3 — Asa Norte
Pinella
CLN 408, Bloco B, Loja 20 — Asa Norte
*Beer
Selection
Brasil 21 — Asa Sul
Fonte: Roberta Pinheiro – Correio Braziliense –
Foto: Gustavo Moreno/CB/D.A.Press