Consta
que Deus fez o homem à sua imagem e semelhança. Concedeu-lhe também o livre
arbítrio. Deve estar arrependido até hoje disso. Usando esse livre arbítrio o
homem foi-se tornando dessemelhante de Deus. Ele nada pode fazer para evitar
isso, já que essas opções foram criadas por Ele. O resultado é que ninguém, por
mais apóstata e blasfemo que seja, ousará dizer que Bin Laden, Hitler, Stalin,
Idi Amin, ou, para ficarmos mais próximos, Eduardo Cunha, Bolsonaro, Lula, Jean
Willis e outros sejam a imagem e semelhança de Deus.
Assim, de
repente, Deus viu surgir Caim. Ficou estarrecido com essa dessemelhança, mas
concluiu que era um fato isolado. Com o passar do tempo (sem preocupações
cronológicas) Deus viu acontecer Guerra do Peloponeso, Guerra de Troia, Guerras
Púnicas, Átila, o Huno, Gengis Khan; Guerra dos Cem Anos, holocausto, massacres
stalinistas; guerras mundiais; mais recentemente, guerras religiosas, atentados
terroristas, massacres étnicos; massacres e atentados em escolas e igrejas;
disseminação de epidemias químicas; e um sem número de atrocidades que permeiam
a história.
Deus
entrou em pânico. Como conseguiria, mesmo sendo Deus, passar por todos os
séculos dos séculos (sem Amém) contemplando essas atrocidades?
Buscou
Ele então formas de aliviar a tensão e recuperar energias. Foi praticar
esportes. No futebol, era um artilheiro infalível, um armador genial, um
zagueiro imbatível e um goleiro inexpugnável; coisas similares aconteciam em
todos os outros esportes. Perdeu a graça e Ele desistiu.
Partiu
então para jogos de salão. Entusiasmou-se com o xadrez. Sentava-se diante do
tabuleiro e visualizava todas as jogadas até o final da partida, com sua
vitória, é claro. Chegou a jogar uma simultânea com três mil anjos. O mesmo se
aplicava a todas as atividades do gênero. Entediou-se.
Resolveu
partir para o bel canto. Com sua voz tonitruante e estentórea, capaz de
aterrorizar demônios, causava abalos sísmicos em todo o universo; apavorava
todos os serviços de meteorologia; sem falar que os anjos passaram a se recusar
a tocar harpa para acompanha-lo.
Dizem os
espanhóis que o diabo é sábio porque é velho. Deus é mais velho que o diabo;
logo é ainda mais sábio. Nem precisou se utilizar de sua sabedoria.
Conseguiu
desviar o olhar de tantos descalabros e, de soslaio, visualizou o Brasil. Um
país que foi descoberto por acaso; que é o único caso em toda a história em que
a família real do país colonizador mudou-se para a colônia; que se vangloria
de, aliado à Argentina e ao Uruguai, ter derrotado o Paraguai em uma guerra;
que vive um regime presidencialista sob uma Constituição parlamentarista; que
não tem uma única instituição confiável, muito menos os três poderes da
República; que não tem lideranças confiáveis; em que o Presidente da Câmara,
naufragando, diz para a Presidente da República, também com furos no barco:
você me segura que eu te seguro; onde o autor de um crime hediondo é um criminoso
empedernido se cometer o crime no dia em que fez dezoito anos e é apenas um
infrator necessitado de cuidados sociais se o cometeu no dia anterior; onde um
condenado a cem anos de prisão pode recorrer da sentença em liberdade; que
passou incólume pela realização de uma Copa do Mundo de futebol, não obstante
os indícios de corrupção sobre as copas do mundo de futebol anteriores e
posteriores, embora seu penúltimo presidente esteja preso no exterior, o atual
não possa deixar o país, sob pena de ser também preso e o anterior tenha
renunciado com medo dos processos; onde bilhões de dólares são desviados de uma
só empresa pública sem que coisa alguma seja percebida pelos seus dirigentes e
conselheiros; onde há outros inúmeros e incontáveis descalabros (enumerem à
vontade). Enfim, um país que faria os criadores do Teatro do Absurdo, se
vivos fossem, morrerem de vergonha por não terem concebido algo que sequer
passasse perto.
É fato
que, no Brasil, recém-nascidos são encontrados no lixo; a bandidagem está incontrolável;
os absurdos sociais são uma vergonha. Mas isso tudo é decorrência das opções
(livre arbítrio, lembram?) dos habitantes do país. Nada que não seja olvidado
com um belíssimo carnaval ou um título mundial num torneio de cuspe à
distância.
Pronto,
estava encontrada a solução divina. Deus fica assistindo entre horrorizado e
impotente todas as atrocidades praticadas pela humanidade que ele criou e, para
desopilar e relaxar, vira-se, olha para o Brasil; e dá muitas e estrondosas
risadas; chora de rir. Deve ser essa a origem das tempestades que vêm
devastando o sul do Brasil e que assolam outras regiões do mundo de vez em
quando.
Por: Maurilio Gomes de Oliveira - Brasília-DF