Protagonista dos bons combates no Congresso há 12
anos, o deputado Francisco Rodrigues de Alencar Filho (PSol-RJ) é um dos
principais opositores do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e também um dos
maiores críticos do PT, partido que abandonou ainda em 2005. Na última
quinta-feira, um dos dias mais nervosos do Congresso nos últimos tempos, Chico
Alencar, 66 anos, conversou com o Correio por mais de 90 minutos, intercalados
com discursos no plenário contra as manobras do peemedebista.
“Antonio Gramsci falava que surgem figuras
monstruosas, fantasmagóricas, aberrações políticas que ganham certo poder, mas
que, felizmente, são fugazes. Eu vejo a figura do Cunha assim, ele não vai ser
uma liderança marcante na história brasileira”, vaticina Alencar, que não é
menos crítico em relação ao PT: “O partido hoje é a expressão negativada de
tudo que afirmou antes”. O deputado responde a processo no Conselho de Ética
por irregularidades na campanha e no mandato: “Essa representação do deputado
Paulinho, aliadíssimo do Cunha, se insere no projeto de retaliação deles, de
Cunha e aliados, contra quem os critique, se insurja e denuncie a corrupção”,
disse Alencar. A seguir os principais trechos da entrevista:
Como o
senhor avalia esse momento do PT, que está dando apoio às manobras de Cunha?
Quando saímos do PT há uma década a gente cunhou
uma frase que resume tudo: “Nós não saímos do PT, o PT é que saiu de si mesmo”.
É um caso não inédito na história. Norberto Bobbio faz análise das grandes
correntes de pensamento político e sempre fala da tendência quase que
irresistível da acomodação e do adaptacionismo. Você se elege com o discurso da
mudança, a realidade do poder te leva a abandonar qualquer eiva de
transformação e se aliar com quem você combatia em nome da chamada
governabilidade. Então, o PT, e isso é lamentável, viveu esse processo de
negação de suas origens. Claro que não se pode ficar prisioneiro de uma origem
que não se renova, não se atualiza, não se moderniza. A vida é muito dinâmica,
a vida é dialética. Ele (o PT) hoje é a expressão negativada de tudo que
afirmou antes. Fica o Tarso Genro, meu querido amigo, falando da refundação do
PT, mas ele vai fixar as estacas para essa refundação no brejo.
O que faltou
ao PT?
Há determinadas fronteiras éticas e ideológicas que
você não pode desrespeitar e desconhecer, se não você se amesquinha, se
apequena. E a história também mostra que, quando você se alinha com a direita,
sendo de esquerda, quem dá as cartas por ter mais experiência de poder, por ser
mais matreira, sagaz, habilidosa e, claro, à vontade dentro do próprio sistema,
é a direita. Tem uma velha frase que diz “o poder é como um violino, você pega
com a esquerda, mas toca com a direita”.
Seria
possível o PT se manter no poder sem tais acordos?
Eu creio que sim, como especulação, desde que ele
não desmobilizasse as forças sociais de mudança. É claro que o governo Lula
promoveu a inserção no consumo, mas não cuidou da inserção na cidadania, do
ponto de vista mais amplo. Eu acredito que poderia sim, numa perspectiva de
mais tensão, claro, mas de mudanças mais substantivas e estruturantes.
Tem quem
relacione o avanço do conservadorismo no Congresso à fragilidade política do PT
e dos partidos de esquerda...
Acredito que a sociedade brasileira ainda é muito
conservadora, historicamente. É verdade que na era Lula se poderia ter avançado
mais, e isso tem muito mais a ver com educação. Tem a ver com a própria maneira
de administrar, com as formas de se fazer política. Na medida em que o PT foi
adotando formas de fazer política mais tradicionais, campanhas milionárias,
voto de clientela, a figura de um líder carismático. Acho que o PT, no governo,
jogou fora essa possibilidade. A gente está em um momento de transição e, como
todo momento de transição, o que fica claro no horizonte é que está tudo muito
nebuloso. O Antonio Gramsci, por exemplo, analisa esses momentos de transição
na história de maneira muito interessante. É um momento entre o não mais e o
ainda não. Há um sentimento de frustração, a ideia de política nunca esteve tão
degenerada como agora.
Como a
juventude vê isso?
Tem uma juventude, inclusive no PSol, muito
pujante. Uma miríade de movimentos que são diversos e não têm mais aquela
verticalidade, não são mais piramidais. São movimentos mais horizontais,
diversificados, inclusive no aspecto cultural, que tem a pauta dos costumes
muito forte. Isso é rico. Isso se manifestou em 2013 e até produzi um livro: A
rua, nação e sonho, uma reflexão para as novas gerações. Fui em movimentos aqui
em Brasília, Goiânia, São Paulo, Rio (de Janeiro). Vi uma juventude ansiosa com
essas novas linguagens de conectar mentes e buscar significados. É uma
juventude em busca.
E o que o
senhor pensa sobre o Eduardo Cunha?
Uma coisa que eu queria dizer sobre o interregno,
que é muito interessante. Até saiu um artigo meu no Le Monde Diplomatique,
sobre a figura do Cunha chamado “Tenebrosas Transações”. Gramsci, pensando na
Itália, fala que nesse período surgem figuras monstruosas, fantasmagóricas,
aberrações políticas que ganham certo poder, mas que, felizmente, são fugazes,
passam. Eu vejo a figura do Cunha bem assim, ele não vai ser uma liderança
política marcante na história brasileira.
Ele
fica?
Não, entendo que ele não tem um voo muito longo,
embora a gente esteja em ritmo lento. O Ministério Público é mais ágil, tanto
que deu os passos mais concretos da investigação contra ele. O Judiciário é
lento, mas, nesse caso, tenho certeza de que ainda que tarde, não falhará,
pelas evidências robustíssimas. E, aqui na Câmara, percebo que ele já não tem a
força que tinha em 2 de fevereiro. Muito menos. Diria que tem 50% da
vitalidade. E isso tende a se agravar.
Mesmo com o
apoio do PT?
O apoio do PT é um apoio envergonhado. Na verdade,
o Cunha está sendo usufrutuário dos pedidos de impeachment. Algo que tem
previsão constitucional, mas que é, talvez, a parte da Constituição mais grave
do ponto de vista do sistema político, mais delicado, mais sério. É destituir
um governo eleito. Ele vai deixar isso embaixo do braço, no seu alforje.
O senhor
está respondendo a um processo no Conselho de Ética movido por irregularidades
na campanha e no mandato.
Essa representação do deputado Paulinho (Paulo
Pereira da Silva, SD-SP), aliadíssimo do Cunha, se insere no projeto de retaliação
de Cunha e aliados, contra quem os critique, se insurja e denuncie a corrupção
de que eles são acusados. Essencialmente, nas 11 páginas da representação, que
eu li palavra por palavra, há 25 mentiras, incongruências e falsificações de
interpretação, absurdos. Agora, espremendo bem, tem duas “denúncias”.
Quais?
A primeira é a de que eu usei recursos da campanha
de assessores parlamentares. É verdade, eu e pelo menos 125 deputados dos
atuais eleitos, eu e Paulinho da Força, ele também. Essa acusação não tem pé
nem cabeça, porque a lei permite que qualquer cidadão doe recursos dentro do
limite máximo de 10% de seu rendimento bruto no ano anterior da eleição. E
assim foi feito, é legal, legítimo e fruto de decisão política. A Justiça
Eleitoral examinou as contas e as aprovou. Inclusive ninguém recebeu nenhum
aviso do Ministério Público Eleitoral de ter ultrapassado o teto, coisa que se
tivesse acontecido não era problema meu, mas sim do doador. Então é uma
denúncia vazia.
E qual a
segunda denúncia?
A segunda, um problema que ocorreu de fato comigo a
partir de uma denúncia de um ONG que se chama OPS (Operação Políticos
Supervisionados). O TCU fez um aviso à Câmara de que havia alguns parlamentares
com problemas de notas fiscais e de empresas. E a Câmara, na época do Mozart
como secretário-geral da Mesa, e do Henrique Alves como presidente, arquivou
tudo, dizendo que a denúncia era pobre, que eu não tinha nem o que responder ao
TCU.
Qual era o
problema?
Tinha uma empresa que prestou muitos anos de
serviço de informática pra gente — manutenção da página, boletim eletrônico
semanal. Ela estava transitando de LTDA para microempresa individual e nisso,
foi baixada na Receita. Mas, como ela tinha umas notas fiscais do talonário,
continuou prestando o serviço e sendo reembolsada. É uma irregularidade, sem
dúvidas. Quando soube disso, sem ter sido incitado por ninguém, decidi
ressarcir. Mas, como essa ONG fez a denúncia sobre vários parlamentares, de
pelo menos 23 irregularidades, que a Câmara arquivou liminarmente, o MP abriu
neste ano o procedimento preliminar e pediu documentos para a Câmara, que tinha
que oferecer inclusive os do meu ressarcimento. A Câmara, já na gestão do
Eduardo Cunha, protelou repetidas vezes e o MP abriu um inquérito civil. Foi
quando fui comunicado. Imediatamente, me coloquei à disposição da procuradora e
falei que tinha ressarcido tudo.
Como está o
processo no MP?
Foi arquivado. No dia da instauração do processo
(no Conselho de Ética), fui lá e pedi para falar, olhei no olho de cada
conselheiro e fiz uma primeira manifestação em cima do que conhecia da
representação, inclusive falando que eram matérias vencidas. Uma a Justiça
Eleitoral já tinha julgado e, a outra, o próprio Ministério Público abriu um
procedimento e, a partir da apuração, arquivou.
Isso o
incomoda?
Dá trabalho, mas não preocupa. Eu tenho muitos
defeitos, mas corrupto não sou.
Não é
frustrante ser um deputado que defende uma bandeira e não conseguir interferir?
Claro, é muito frustrante, fica um sentimento de
impotência cotidiana, sempre ficar no espaço da resistência.
E o que faz
o senhor voltar às urnas?
Primeiro, não ser voz única, somos poucos, mas não
somos ínfimos. Segundo, a percepção de que há uma ânsia de esperança e
perspectiva até na população. Terceiro, ver o público simples nesse Brasil
profundo se organizando, aqui e ali, das mais variadas formas em defesa da
vida. Teimosia da esperança. Sou professor da UFRJ, professor de história desde
1988. No mais, é luta, é vida. Estou com 66 anos, e uma coisa é certa, entendo
que a vivência, a experiência como deputado já está suficiente. Agora, novas
gerações têm que vir. Quero me colocar à disposição do partido, mas não para
disputar mandato. Gosto muito de escrever, de fazer palestras, de ir em
comunidades. Isso eu posso fazer sem mandato. O que fazer não faltará, não vou
ficar um velho aposentado sentado jogando sueca numa praça no Rio.
Voltando à
frustração...
No meio dessa nossa entrevista, eu desci e houve
uma rebelião no plenário. Naquele momento, ou seja, a minoria se insurgiu e
conseguiu parar uma sessão. Criou-se um fato político relevante no dia de hoje
(quinta-feira). Fiquei emocionado. Aquela saída do plenário foi quase como
lavar a alma, aquela figura resistindo, como se nada estivesse acontecendo no
mundo, nem com ele. A gente tem essas pequenas alegrias, fragmentos de
felicidade num ambiente quase sempre de tristeza, depressivo. Como dizia o
velho Marx, a ideia da felicidade está na luta, não necessariamente nas
vitórias. Por isso que dá para ser feliz.
“A gente
está em um momento de transição e como todo momento de transição, o que fica
claro no horizonte é que está tudo muito nebuloso”
Mais pros
guris que pros gurus
Sou filho de um piauiense de Alto Longá com uma
paulista de Santa Rosa de Viterbo, cidades miúdas do interior. Cheguei ao mundo
na metade do século passado, na então capital, o Rio de Janeiro. Sou filho da
transição do Brasil rural para o Brasil urbano. Como diz Galeano, “sou o que
faço, e sobretudo o que faço com o que fazem de mim”. Fui me constituindo como
gente a partir da sabedoria “roceira” de meus pais, educado para a
sensibilidade com os desvalidos. O primeiro livro de adulto que li foi Vidas
Secas, de Graciliano Ramos, por insistência do meu pai, agnóstico, generoso.
Hoje sou autor de 30 livros (didáticos — de História —, infantis e adultos,
ensaios diversos). Minha mãe, católica fervorosa, me conduziu para a fé cristã,
de início no Colégio Marista São José — ali, uma plaquinha meio terrorista
dizia “Deus me vê” e cumpria a função de lembrar da existência de um Deus
antropomórfico, tomador de conta dos nossos atos bons e maus. A Teologia da
Libertação, com as portas abertas do Concílio Vaticano II (viva João XXIII), me
ajudou a transitar da religiosidade de culpa para a mística da emancipação —
graças a Deus! Aprendi, desde então, que a maior dimensão da caridade, isto é,
do amor, é a dimensão política. Hoje, pai de 4 (meus melhores “projetos”) — Emanuel,
Ana, Lia e Nina — e avô de um, o Tom, sei que todos temos defeitos de
fabricação e prazo de validade... E, formado em história, com mestrado em
educação, ex-vereador e deputado pelo Rio, e deputado federal no 4º mandato
(ufa!), já me sinto melhor como “espiritualista diabético” do que como
“materialista dialético” (risos). Estou mais pros guris que pros gurus! Já
aprendi também que a ideia da felicidade está na luta, bem mais do que nas
raras vitórias. Gracias a la vida, graças a Deus, graças aos que, solidários,
se irmanam na batalha por um outro mundo, possível e necessário, onde os
valores do trabalho sejam superiores à força da grana. Se a gente não mantém a
dimensão da utopia na política, se corrompe ou acomoda. Estou fora dessa!
Por: Leonardo Cavalcanti - Natália
Lambert - Paulo de
Tarso Lyra – Fotos: Marcelo Ferreira/CB/D.A.Pres – Blog – Google –
Correio Braziliense