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CRISE NA REPÚBLICA » A pátria que não avançou


Problemas na economia e dificuldade de diálogo com o Congresso tornaram impossível o cumprimento dos compromissos firmados pela presidente Dilma Rousseff no discurso de posse, em janeiro

"Dilma, durante o discurso de posse, em 1º de janeiro, no Planalto: com as crises política e econômica, propostas apresentadas ficaram praticamente no papel"

Há quase um ano, Dilma Rousseff proferia o discurso de posse do segundo mandato como presidente da República. Apesar de indicadores econômicos e sociais apontarem que os meses seguintes seriam críticos para o país, ela fez declarações e promessas ousadas, a exemplo das que manteve durante a campanha à reeleição, mas o que se viu ocorrer no resto do ano deixou os eleitores confusos. A chefe do Executivo prometeu unir esforços para formar uma pátria educadora, mas a pasta de Educação foi uma das que sofreu mais cortes em 2015. Dilma reafirmou o compromisso de fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS), no entanto, além do Mais Médicos, nenhuma mudança significativa pôde ser verificada. Na tentativa de manter compromissos sociais, o governo corre o risco de contribuir para aumentar o endividamento das famílias. E, para piorar o quadro, a dificuldade de diálogo com o Congresso ameaça até mesmo tirar Dilma do cargo, com o processo de impeachment recém-instaurado na Câmara dos Deputados. Confira quais foram os compromissos firmados pela presidente no discurso de posse e o que realmente foi cumprido no primeiro ano de mandato.
Cid deixou o cargo após enfrentamento com Eduardo Cunha no plenário da Câmara

EDUCAÇÃO - Ensino saiu do foco
“Gostaria de anunciar agora o novo lema do meu governo. Ele é simples, é direto e é mobilizador. Reflete com clareza qual será a nossa grande prioridade e sinaliza para qual setor deve convergir o esforço de todas as áreas do governo. Nosso lema será: BRASIL, PÁTRIA EDUCADORA!”

O governo da presidente Dilma Rousseff precisará avançar muito na educação para fazer jus ao lema escolhido para o mandato no discurso de posse. Em apenas um ano, a “pátria educadora” teve três ministros à frente da pasta da Educação. Cid Gomes, hoje filiado ao PDT-CE, perdeu o cargo já no primeiro trimestre, após tentativa desastrosa de tentar explicar, perante o plenário da Câmara, o motivo de ter chamado os deputados federais de achacadores e entrar em embate direto com o presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Com a queda de Cid, o professor de ética e filosofia política da Universidade de São Paulo (USP) Renato Janine Ribeiro assumiu o ministério e deu uma ponta de esperança de que o governo levaria a sério a proposta de colocar a educação como uma das pautas prioritárias. No entanto, teve apenas cinco meses de uma gestão apagada à frente da pasta, marcada principalmente por problemas na renovação de contratos e limitação no número de bolsas ofertadas pelo Programa de Financiamento Estudantil (Fies). Janine foi uma das vítimas da reforma ministerial de setembro e deu lugar a Aloizio Mercadante (PT), que voltou ao cargo depois de passar pela Casa Civil e ser um dos pivôs da crise entre governo e Câmara.

O Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), bastante citado pela presidente durante a campanha, deverá oferecer 12 milhões de vagas até 2018. Neste ano, o programa registrou 1,1 milhão de novas matrículas, além das 1,2 milhão das mantidas dos anos anteriores. Segundo levantamento da organização Contas Abertas, de janeiro a novembro deste ano, o governo aplicou R$ 2,7 bilhões no Pronatec, contra R$ 4,5 bilhões no mesmo período do ano passado. O investimento no Fies também apresentou recuo: foram R$ 14,6 bilhões em 2014, que caíram para R$ 12 bilhões neste ano.

Priscila Cruz, diretora executiva do movimento independente Todos pela Educação, defende que áreas como a educação e a saúde não deveriam ser atingidas pela restrição orçamentária — no Ministério da Educação, houve redução de R$ 7 bilhões no orçamento.“Não deveríamos sofrer cortes, e, sim, melhorar a eficiência. Há bons projetos, mas, na hora da aplicação, eles não vão para frente. Os cortes são um erro, porque, assim, reduzimos a possibilidade de crescer no futuro”, lamenta. A meta de universalização da educação de crianças entre 4 e 5 anos até 2016, proposta por Dilma, também está longe de ser cumprida. Pouco mais de 12% delas ainda estão fora da escola, de acordo com dados do Observatório do PNE de 2013. “E não é só a educação básica que é prejudicada, mas também o ensino superior. Essa é uma conta que vamos pagar no futuro.”

As mudanças curriculares prometidas pela presidente também desapontam, na avaliação da diretora da Todos Pela Educação. A Base Nacional Comum Curricular, que visa padronizar o conteúdo essencial em todo o país, foi divulgada em julho e segue sob consulta pública até março de 2016. “Para nós, a base é uma das condições essenciais para conseguirmos a universalização do ensino, mas o documento atual gera uma aflição, porque é muito extenso, muito inchado. Tem que ser um texto mais enxuto, mais claro sobre a formação e a qualificação dos professores e sobre a elaboração do material escolar”, exemplifica.
Homens do Exército auxiliam no combate ao mosquito que transmite a dengue e o zika vírus: preocupação com epidemia

SAÚDE - SUS abandonado
“Na saúde, reafirmo nosso compromisso de fortalecer o SUS. Sem dúvida, a marca mais forte do meu governo, no primeiro mandato, foi a implantação do Mais Médicos, que levou o atendimento básico de saúde a mais de 50 milhões de brasileiros, nas áreas mais vulneráveis do nosso país”

Em relação à saúde, o presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Gastão Wagner de Sousa Campos, acredita que pouca coisa mudou se comparado a anos anteriores. Para ele, o melhor programa do governo na área continua sendo o Mais Médicos, mas o Sistema Único de Saúde (SUS) e a rede pública em geral não foram prioridades do governo no primeiro ano deste segundo mandato da presidente Dilma Rousseff. “Temos um problema crônico de financiamento. O conjunto do orçamento público é insuficiente, temos uma estimativa de que precisaria quase que dobrar o volume de recursos”, afirma. Segundo ele, esses cortes acabam incidindo sobre o custeio dos hospitais e colocam em risco o funcionamento, que já é precário, além de afetar, por exemplo, a produção de vacinas. “A previsão de orçamento para o ano que vem cobre apenas o essencial, e apenas até outubro. Não há previsão para novembro e dezembro.”

Campos, que também é professor da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), acrescenta ainda que uma série de problemas do SUS não foram enfrentados. O principal deles é a integração do sistema nas esferas federal, estadual e municipal. “O sistema se chama único, mas é muito descoordenado. Exemplo disso é o combate ao Aedes aegypti”, comenta. A maior preocupação dele é com relação à capacidade operacional da rede de lidar com uma possível epidemia do zika vírus. “Se o zika realmente for o que ele está indicando ser e chegar ao Sudeste, será uma tragédia nacional”, alerta.

De acordo com o especialista, de 40% a 50% da fila no SUS se deve à má gestão e à falta de integração. “O SUS continua com duplo comando em cada cidade, metade é da rede municipal e a outra metade, da estadual. O governo não tem um poder mágico para resolver a questão, mas poderia ter dado um passo a mais em relação a isso”, diz. Campos critica ainda as indicações para cargos de chefia no sistema, que são todos de confiança e, portanto, mais sujeitos a influências político-partidárias. “Isso prejudica muito, pois não se consegue dar continuidade aos programas”, avalia.

As negociações para cargos técnicos do Ministério da Saúde também têm sofrido influência de forças políticas. O caso mais recente é a nomeação do médico psiquiatra Valencius Wurch para o posto de coordenador de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas, que gerou protestos em algumas capitais e nas redes sociais por ir contra uma tendência mundial de luta antimanicomial. Wurch dirigiu a Casa de Saúde Doutor Eiras, no Rio de Janeiro, na década de 1990. A instituição foi um dos maiores manicômios do país e foi fechada em 2012.
Imóveis fechados do Minha Casa Minha Vida: retração no programa habitacional

INFRAESTRUTURA/ÁREA SOCIAL
(Vítimas do ajuste fiscal)
“Assim como provamos que é possível crescer e distribuir renda, vamos provar que se pode fazer ajustes na economia sem revogar direitos conquistados ou trair compromissos sociais assumidos. Vamos provar que depois de fazermos políticas sociais que surpreenderam o mundo, é possível corrigir eventuais distorções e torná-las ainda melhores”

Com o passar dos meses, esse não foi o cenário observado. As verbas para o Programa Minha Casa Minha Vida, carro-chefe da reeleição, sofreram retração de R$ 5,1 bilhões entre 2014 e 2015, redução real de R$ 6,6 bilhões, segundo a ONG Contas Abertas. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), sobretudo ligado a obras de infraestrutura, viu o orçamento despencar de R$ 53,9 bilhões durante os 11 primeiros meses de 2014 para R$ 34,9 bilhões no intervalo de 2015.

“São justos os benefícios sociais? Sim. Só que a preocupação em manter esses benefícios acaba penalizando os investimentos em infraestrutura”, afirma Otto Nogami, professor do MBA do Insper. “É direito do trabalhador ter uma casa. Porém, em função do período recessivo que vivemos, as famílias se endividam ainda mais com esse programa, e não é um momento econômico apropriado para isso. Observamos a manutenção de políticas inadequadas para a atual situação econômica”, esclarece.

No entender de Nogami, o ajuste fiscal que ceifa os orçamentos de diversos setores é consequência de uma crise que já se anunciava. “Na medida em que o próprio governo criou uma condição artificial na economia, estimulando as pessoas a consumirem mais, elas se endividaram, e isso tem impacto na economia. O desemprego, por exemplo, vem do plano econômico do passado.” Somente em novembro, foram fechados 130.629 postos de trabalho, de acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho. “O governo, apesar do desejo expressado no começo do ano, não conseguiu fazer nada, perdeu o controle sobre suas contas. E há o ambiente político, agora, que pode agravar. Enquanto esse clima perdurar, ficaremos parados.”
Temer reclama que perdeu o protagonismo políticono segundo mandato de Dilma

POLÍTICA
(O fracasso do diálogo)
“Eu não tenho medo de encarar esses desafios, até porque sei que não vou enfrentá-los sozinha, não vou enfrentar esta luta sozinha. Sei que conto com o apoio dos senhores e das senhoras parlamentares, legítimos representantes do povo neste Congresso Nacional. Sei que conto com o apoio do meu querido vice-presidente, Michel Temer, parceiro de todas as horas”

O ano de 2015 também não foi tranquilo para a presidente do ponto de vista político. As dificuldades de diálogo entre Planalto e Congresso paralisaram o andamento de projetos do governo e levaram a presidente a aprofundar negociações com o PMDB, incluindo a troca de ministros de pastas importantes, como o Ministério da Saúde, em setembro. A oposição não ofereceu trégua, questionando o resultado das eleições no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e apoiando a abertura do processo de impeachment, que, acatado pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), deve seguir engessando os planos do governo durante os primeiros meses do ano que vem.

Em novembro, outro baque: a prisão do ex-líder do governo no Senado Delcídio do Amaral (PT-MS), ainda durante o mandato, por envolvimento nas suspeitas de corrupção investigadas pela Operação Lava-Jato. O senador teria oferecido uma mesada de R$ 50 mil pelo silêncio de Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras.

Na primeira semana de dezembro, Dilma recebeu uma carta de “desabafo” do vice-presidente, Michel Temer, presidente nacional do PMDB. No texto, Temer lista uma série de críticas à mandatária, que vão da desconfiança em relação ao PMDB — que não seria chamado para discussão de medidas políticas ou econômicas — à alegação de que ele teria sido um vice “decorativo” durante o primeiro mandato, perdendo, assim, o “protagonismo político” que teve no passado. Uma das reclamações se refere ao fato de não ter sido convidado para o encontro com o vice-presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, após a posse, em janeiro.

“Passados esses momentos críticos, tenho certeza de que o país terá tranquilidade para crescer e consolidar as conquistas sociais. Finalmente, sei que a senhora não tem confiança em mim e no PMDB, hoje, e não terá amanhã. Lamento, mas esta é a minha convicção”, conclui o texto.


Fonte:Mariana Niederauer - Nívea Ribeiro - Especial para o Correio – Fotos: Carlos Moura/CB/D.A.Press – Adriano Vizoni-Folha/Press – Fábio Marçal – Esp.EM/D.A.Press – Evaristo Sá/AFP.

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