Não basta continuar prometendo fazer um país rico,
precisamos de uma nação limpa: da vergonha dos ricos e das necessidades dos
pobre
No final deste ano, quando o PIB de 2015 for divulgado, a lama que matou
o Rio Doce não vai aparecer. As cenas do Rio Doce sendo engolido pelo lixo da
mineração, de famílias soterradas, trabalhadores sem meio de vida e praias
destruídas são a face mais visível das depredações provocadas e ignoradas pela
economia brasileira. Os desastres sociais e ecológicos não aparecem nas
estatísticas.
A economia brasileira não leva em conta a sujeira que provoca a
destruição da biodiversidade, nem as “monstrópoles” que criou com sua violência
descontrolada, nem o agravamento da desigualdade. Nossos rios estão morrendo
pelo mau uso de suas águas ao longo de décadas, explorados como depósitos de
lixo industrial e urbano, e para geração de energia, sem consideração por
sustentabilidade.
Prometemos deixar um país mais rico para nossos filhos e netos, e
conseguimos fazer do Brasil a sexta economia do mundo, mas não estamos deixando
um país mais limpo: da corrupção que rouba dinheiro público, que envergonha a
sociedade, destrói nossas estatais, desvia dinheiro de nossas necessidades,
desmoraliza a política, mata nossas esperanças; limpo da burocracia que barra a
eficiência na aplicação dos recursos; do corporativismo, que se apropria da
máquina pública e a utiliza mais para tirar vantagens do que para servir ao
público.
Queremos um país limpo ao assegurar igualdade no acesso de cada criança
brasileira a uma escola de qualidade, independentemente da riqueza dos pais e
da cidade onde mora; uma pátria limpa da insensatez e da indecência de jogar
fora a maior de nossas riquezas: desperdiçando o talento de qualquer
brasileiro. Limpo da violência que assassina nossos jovens e rouba nossas ruas,
tanto quanto a lama rouba o rio; sem filas para atender direitos básicos como
vaga em creche ou escola; e atendimento médico necessário.
Não basta continuar prometendo fazer um país rico, precisamos de uma
nação limpa: da vergonha dos ricos e das necessidades dos pobres; de sermos o
oitavo mais rico e o sexto com pior distribuição de renda; do acanhamento de
termos 13 milhões da população adulta que não conhecem a própria bandeira por
não saber ler “ordem e progresso”, e outros 40% que sabem ler apenas pouco mais
que isso.
Um país onde a riqueza seja construída com absoluto respeito ao
equilíbrio ecológico e à preservação da biodiversidade; usada não apenas para
reproduzir a riqueza, mas sobretudo para abolir o quadro de pobreza da nossa
população, assegurando bolsa para quem precisar, mas emancipando as pessoas da
necessidade de bolsas.
Para isso, o Brasil precisa de uma economia que seja sustentável
ecologicamente, distributiva socialmente, moderna cientifica e
tecnologicamente; uma economia limpa, criativa, inovadora, com elevada produtividade
e competitividade; sem lama. E todos sabem que o caminho para isto é um
presidente, um governo e uma base parlamentar que conduzam o Brasil na marcha
para ser uma Pátria Limpa.
(*) Cristovam Buarque: é professor emérito da UnB e senador pelo
PDT-DF