"Fazia um ano que não vinha a Brasília e fiquei impressionada. Não
sei se é agora, com o início das chuvas, mas a cidade está verde. Eu fiquei
pensando: 'Lucio Costa diria: Minha cidade-parque, eu fiz'"
A funcionária aposentada do Iphan no DF é autora de
livro que conta parte da história da capital federal a partir da curiosidade de
um garoto paulista recém-chegado à cidade. A obra atenderá estudantes das redes
pública e privada
Brasília, cidade de histórias, também
foi construída para ser lida. As vias largas e as curvas das tesourinhas são
prosa para os olhos, poesia para a alma. Com tanto o que contar, faltava uma
publicação que mostrasse as pontuações da capital para crianças e adolescentes.
Foi essa lacuna que Elisa Leonel, 64 anos, descobriu e se propôs a preencher.
Ela é autora do livro Gabriel em Brasília — a cidade com asas, lançado em
novembro, em eventos na Escola Parque da 308 Sul e nas universidades de
Brasília e Católica de Brasília.
Técnica em patrimônio, aposentada, Elisa
dedicou a carreira pública à educação patrimonial, no Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Lá, desenvolveu projetos para estimular
crianças a conhecerem a história de onde moram. Descobriu, então, o subsídio
para escrever sobre a cidade, para as novas gerações.
A obra, editada pelo Iphan, conta a
aventura de um garoto paulistano, de 13 anos, em Brasília. Antes descrente com
a viagem, Gabriel descobre os detalhes que fazem daqui uma experiência urbana
diferente das de outras metrópoles. A história é contada pelo menino, mas ganha
a voz de cada um que escolhe enxergar o que significam as asas e os eixos.
O livro foi produzido pelo Iphan para
atender a estudantes das redes pública e privada. Paulista de Itapetininga, Elisa
mora em Paris há 10 anos, mas conserva, no coração, o amor por Brasília. Ela
defende o preparo dos mais jovens para o tema, ainda abordado de forma lateral
nos currículos escolares. No terceiro dia da série de reportagens “Educar para
se apropriar”, o Correio publica a entrevista realizada com a autora durante a
visita dela à cidade para o lançamento do livro.
O que a motivou a escrever o livro?
Eu coordenei um trabalho de educação
patrimonial. Trabalhei na regional do Iphan-DF anos atrás. Foi em 1994 e 1995.
Eu passei quase um ano em Goiás Velho. Fui para lá para coordenar uma
experiência de educação patrimonial lá e em Pirenópolis. O projeto se chamava
“Preservar para conhecer; conhecer para preservar”. Tudo é útil para a educação
patrimonial, mas você tem que levar a criança a conhecer o bem patrimonial.
Depois do conhecimento, tem de levá-la à apropriação. E, então, sensibilizá-la
a ajudar na preservação. São três etapas e, nelas, tem toda uma abertura, um
leque de possibilidades.
Como foi a experiência em Goiás?
Em Goiás Velho, nós trabalhamos com
professores. A gente acabou conhecendo educadores que moravam na área tombada e
não sabiam que aquilo é patrimônio. Então, nós preparamos e levamos todas as
escolas, todos os alunos do ensino fundamental a visitar Goiás Velho naquela
época. A gente fazia a leitura da cidade. O que eu faço aí é despertar o olhar
para fazer uma outra leitura, para que as pessoas prestem atenção e saibam ler
a história da cidade.
Gabriel em Brasília foi o primeiro
trabalho?
Eu leio muito, gosto muito de livros,
de papel. E, aposentada, falei: o que vou fazer agora? Quando comecei, era um
projeto grande com uma amiga produtora cultural de São Paulo de fazer um
livrinho para cada cidade histórica. Só que a gente queria arrumar dinheiro
para viajar e tal. Como não conseguimos financiamento, fiz do universo que eu
conhecia. Estou com quatro textos prontos. Fiz Brasília, porque conhecia e
morei em Brasília. Fiz sobre arqueologia e a Serra da Capivara (no Piauí). Estive
duas vezes lá e convivi muito com Niède Guidon e vi os problemas da serra. Fiz
um também, que fala de patrimônio de uma forma geral. Ele se chama Júlia e a
viagem pelo patrimônio cultural brasileiro. Em todos eles, tem uma tia
arquiteta que conhece patrimônio e que vai contar para os sobrinhos um pouco do
que sabe. E nessa viagem ela vai aprender o que é patrimônio imaterial,
material e identidade cultural; referência cultural; o que é museu; o que é
Iphan; o que é tombamento. O quarto é um guia de Paris para jovens.
Como foi a adaptação da linguagem de um
tema tão específico para uma mais jovem?
Quando nós começamos a fazer o projeto,
em 2008, comecei a comprar livros infantojuvenis para entender o universo do
jovem. Aí, tem a historinha do menino e da menina. Gabriel vem e vai ficar na
casa de gente de Brasília, conhece uma menina, e fica amigo dela. Então, tentei
citar algumas coisas que fazem parte do universo dos jovens. Li muita
literatura. Inclusive, li essas coisas que vendem muito, como Paula Pimenta,
Talita Rodrigues. Olha, se olhar a minha biblioteca, eu tenho muitos. Estou
levando agora mais quatro (para a França). Li todos. Não sei se eu acertei a
mão. Tentei entender o universo… Gabriel é filho de uma amiga...
O Gabriel existe, então?
Existe e me ajudou. Ele leu o texto,
era menino na época. Hoje, está na universidade. No livro, eu coloco gírias,
como barato e bacana, que ele não conhecia. Eu comecei usando gírias mais
antigas. Então, ele me ajudou nesse sentido. Ele devia ter uns 13 anos na
época, não leu inteiro. Deve ter lido umas 10 páginas. E ele falou para a mãe
dele: ‘O que quer dizer barato? O que quer dizer bacana?’. Gabriel foi o meu
consultor para gírias. Ou, pelo menos, para tirar as gírias antigas que eu
coloquei. O garoto da ilustração até parece o Gabriel da vida real.
Na história, a criança é guiada por uma
tia arquiteta. Quem é ela?
São os meus anos de patrimônio,
convivendo com arquitetos. Eu fiz história e convivi com muitos. Até o olhar e
a descrição são deles. Nos últimos 10 anos de carreira, eu trabalhei na área
internacional do Ministério da Educação. Volta e meia, me pediam para sair com
estrangeiros para visitar Brasília. Duas ou três vezes, pedi ajuda do Paulo
Paranhos. Eu aprendi tanto algumas descrições e o linguajar dos arquitetos que,
depois, saía sozinha. Por fim, pintava gente no gabinete e eu saía com eles
para visitar Brasília. Os estrangeiros ficam encantados. Fazia um ano que não
vinha a Brasília e fiquei impressionada. Não sei se é agora, com o início das
chuvas, mas a cidade está verde. Eu fiquei pensando: ‘Lucio Costa diria: ‘Minha
cidade-parque, eu fiz’. Quando você sai do aeroporto e não enxerga os prédios é
uma maravilha. O Eixão é verde. É uma cidade diferente. É isso que tento chamar
a atenção dos meninos (no livro).
A senhora se espelhou em outros
projetos, em outros países? Como é a educação patrimonial lá fora?
Tudo é permitido na educação
patrimonial, desde que haja uma orientação básica. Isso significa despertar
consciência, levar a criança a se apropriar, a se sentir parte daquilo. Então,
tudo cabe. Na França, por exemplo, existe um projeto de recuperação de castelos
em que as crianças ajudam na revitalização.
Falta engajamento em relação à educação
patrimonial aqui no Brasil?
Falta. Ah, falta.
Como foi a experiência de ver os
estudantes da Escola Parque da 308 folheando o livro?
Foi muito simpático. Como eles estavam
em festa pela comemoração dos 50 anos da escola, tinha pipoca, algodão-doce.
Foi depois de uma coisa festiva… Eles ficaram curiosos.
Como é sensibilizar o educador no
processo de educação patrimonial?
Da minha experiência, há anos, em Goiás
Velho, percebo que você tem de sensibilizá-los. O trabalho de educação
patrimonial começa por eles.
Quanto tempo a senhora levou para
produzir o material?
Olha, eu não lembro. Fui escrevendo aos
poucos. Depois que entreguei o texto, foi um ano de produção. Fiquei surpresa
pelo tamanho, pelas cores. Ficou muito bonito. Quando vi grande e bonito, foi
emocionante. É emocionante ver Gabriel pronto.
Há quanto tempo a senhora vive na
França?
Há 10 anos. Sou casada com um francês,
então, fomos para lá depois que me aposentei.
Com tanto tempo fora, como está
Brasília para a senhora?
A impressão que tenho é de que as
árvores estão cada vez maiores. O que me assusta muito é como (a cidade)
cresce. Os prédios estão muito altos. A gente nem consegue mais perceber as
asas (Sul e Norte), porque em volta já há tanta construção que você não vê as
asas do Plano Piloto.
Por: Maryna Lacerda – Foto: Minervino Junior/CB/D.A.Press – Correio
Braziliense