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#VANDALISMO » Intolerância na Praça dos Orixás - - - (Nossa querida Prainha, de todos)

Rafael, da Federação de Umbanda e Candomblé, ao lado da estátua de Oxalá, que teve a mão serrada e quase perdeu o cajado: "Atacaram o maior símbolo da nossa religiosidade"

Três pessoas são procuradas por danos a estátuas que ficam na Prainha do Lago Paranoá. Estrago só não foi maior porque um morador de rua impediu o ataque. Polícia e MP desconfiam que o crime tenha motivação religiosa

A empolgação com os preparativos para a virada de ano dos adeptos às religiões de matrizes africanas foi interrompida após outro caso de intolerância. Três pessoas tentaram arrancar o cajado da estátua de Oxalá, na Praça dos Orixás, na Prainha do Lago Paranoá. A imagem representa o maior símbolo religioso da umbanda e do candomblé. O crime reflete o ano vivenciado pela crença no DF e no Entorno. Somente em 2015, 15 terreiros sofreram com ações criminosas nas duas regiões (leia Memória). Nenhum suspeito foi identificado ou preso.

O ato de vandalismo aconteceu dias antes de uma das mais importantes comemorações dos praticantes. Na passagem do ano, o local é usado para a prática de rituais à beira d’água. O coordenador do Fórum Permanente das Religiões de Matrizes Africanas de Brasília e Entorno (Foafro), o ógan Luiz Alves, disse que o ataque teria ocorrido na semana passada e somente foram descobertos na última segunda-feira, quando os organizadores compareceram à Prainha para iniciar a montagem da estrutura da festa. Um morador de rua alertou sobre a agressão ao patrimônio.

A representação de Omulu é uma das cinco danificadas na Praça dos Orixás
A testemunha relatou que um carro branco com três pessoas parou na Praça dos Orixás. Duas delas desceram do veículo, serraram a mão da estátua e tentaram arrancar o cajado, também chamado de Opaxorô. O morador de rua correu em direção ao grupo e impediu a ação. Os suspeitos fugiram, e o andarilho amarrou a estrutura para evitar a queda dos adereços. Após tomar conhecimento do ataque, todas as estátuas foram inspecionas pelos representantes religiosos. Um tijolo foi encontrado próximo à representação de Iemanjá. Há uma marca nas vestes da entidade. “Vamos acionar a polícia. Infelizmente, é mais uma demonstração de intolerância religiosa. Além desse crime, é registrado o dano ao patrimônio público”, comentou Luiz.

A prainha se tornou referência para os praticantes de religiões afro-brasileiras e abriga, desde o ano de 2000, 16 estátuas de divindades. Todas são de autoria do artista baiano Tatti Moreno, fundidas nos mesmos moldes das instaladas no Dique do Tororó, em Salvador. “Esse tipo de agressão não fere somente um monumento, mas também todo um povo que segue a religião”, lamenta o diretor-presidente da Federação de Umbanda e Candomblé de Brasília e Entorno, Rafael Moreira. “A reparação dessas estruturas é cara, pois precisam ser levadas para a Bahia. O que me preocupa também é que, realmente, existe a intenção de agredir os seguidores da crença. Desta vez, atacaram o maior símbolo da nossa religiosidade”, completou.

Não é de hoje que os seguidores da crença sofrem com demonstrações de intolerância. Cinco estátuas estão danificadas. Desde que as estruturas foram instaladas, dois ataques assustaram a comunidade de religiões de matrizes africanas. Em outubro de 2005, a imagem de Nanan foi arrancada, levada para o lixão do Núcleo Bandeirante e queimada. No mês seguinte, vândalos atearam fogo à estátua de Iemanjá.

Dados da Secretaria do Trabalho, Desenvolvimento Social, Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos (Setrab) mostram que, nos últimos 15 anos, foram praticados 44 crimes contra essas religiões. “A intolerância religiosa é evidente. Esses ataques se tornaram amedrontadores para os demais terreiros. Até então, não tivemos nenhuma resposta. Ninguém foi preso e, diante da impunidade, se dá margem para que os crimes continuem”, reclamou Rafael Moreira.

A repercussão dos casos fez com que o governador do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg, anunciasse, no fim de novembro, a intenção de criar uma delegacia especializada para tratar de crimes de racismo e de intolerância religiosa no DF. Por meio da assessoria de Comunicação, a direção da Polícia Civil informou que finaliza os estudos para reestruturação administrativa e criação da unidade policial.

Legado
O promotor do Núcleo de Enfrentamento à Discriminação do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) Thiago Pierobom acredita que seja cedo para falar sobre as motivações do ato de vandalismo na Prainha, embora reconheça que a destruição tem características de uma “ação de intolerância religiosa”. “Esses ataques podem ter uma explicação que seria de um ato de puro vandalismo. Pessoas que destruíram por destruir, como fariam com outro bem público da nossa cidade, mas é possível que tenha uma conotação religiosa. Podem ser pessoas que compartilham de ideologias que demonizam essas religiões de matrizes africanas”, supõe.

Ainda segundo o promotor, o MPDFT funciona em regime de plantão e atende situações de urgência. “Se ficar entendido que esse é o caso, os religiosos podem nos procurar. Mas, aparentemente, quem tem de tomar a primeira medida é a autoridade policial. É preciso levantar dados que permitam uma linha de investigação. Saber, por exemplo, qual é a placa do carro ou conseguir alguma filmagem. Qualquer ato de falta de respeito, violência e agressividade deve ser apurado e os autores, punidos”, destaca. A 1ª Delegacia de Polícia (Asa Sul) investiga o caso.

Por meio de nota, o GDF informou que a Secretaria de Cultura repudia ações de vandalismo recorrentes na Praça dos Orixás. “O bem que é comum a todos deve ser respeitado e zelado. Para isso, precisamos avançar em construir um legado de cidadania e diversidade cultural”, cita o texto. A Administração Regional do Plano Piloto pedirá que uma equipe analise a situação e, após avaliação dos danos, encaminhará uma solicitação para a Novacap.

Memória - 2015

Agosto
O babalorixá Babazinho de Oxalá, sacerdote de um terreiro em Santo Antônio do Descoberto (GO), foi chamado às pressas por uma vizinha depois que material usado nos rituais de candomblé acabou destruído. Portas e janelas foram arrombadas e vários objetos, roubados. Os prejuízos financeiros ficaram próximos de R$ 30 mil.

Setembro
Pelo menos dois templos de matriz africana foram incendiados durante a madrugada. Um dos casos ocorreu em Santo Antônio do Descoberto, mesmo endereço do ataque de agosto; e o outro, em Águas Lindas. No caso de Santo Antônio do Descoberto, o terreiro ficou destruído pelo fogo. Em Águas Lindas, criminosos invadiram o templo para também atear fogo. Testemunhas contaram que eles chegaram em uma Saveiro, usada para derrubar o portão. Mas vizinhos acordaram e correram a tempo de apagar as chamas e evitar um dano maior. O incêndio se alastrou por roupas no varal e queimou uma cadeira e uma parede.

Outubro
Em Valparaíso, o ataque ocorreu na casa do pai de santo Adauto Alves da Silva. O crime foi praticado na madrugada de domingo, depois da meia-noite. A residência foi apedrejada por um grupo, que quase arrombou o local.

Novembro
Um terreiro de candomblé foi incendiado durante a madrugada, no Núcleo Rural Córrego do Tamanduá, no Paranoá (foto). O fogo começou por volta das 5h30 e destruiu o barracão da casa. Cinco pessoas dormiam no local, mas ninguém ficou ferido.


Fonte: Luiz Calcagno – Thiago Soares – Fotos: André Violatti- Esp./CB/D.A.Press – Correio Braziliense 

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