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JARBAS SILVA MARQUES » História viva de Brasília

Jornalista que cobriu a construção da capital federal e ficou preso durante 10 anos na ditadura, recupera pesquisas em livro a ser lançado em 2016. Professor aposentado e anistiado político, ele diz ter superado traumas da época ao insistir em denunciar

Um ícone da história de Brasília, aos 72 anos e após uma vida que mistura sofrimento com felicidade, o jornalista, historiador, professor aposentado e ex-preso político Jarbas Silva Marques está disposto a ensinar a história do Brasil para quem cruzar seu caminho. O mineiro é, talvez, o maior especialista na história da capital federal e publicou milhares de textos sobre o assunto. “Sempre tive amor por Brasília. Eu lutei por isso e assisti às pessoas que lutaram por isso, tomei depoimento delas. É uma cidade em que fui, durante quatro mandatos, vice-presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal. Minha contribuição foi essa: recuperar histórias”, conta. Ele pretende lançar, em 2016, um livro em que abordará desde o Tratado de Tordesilhas até a inauguração de Brasília. Hoje, ele ainda carrega consequências das agressões que sofreu durante a ditadura, mas isso não lhe tira o sorriso do rosto. “Fiquei muito tempo preso, vi muita gente passar por isso. A tortura continua até hoje dentro de quem não faz o que eu faço: denunciar”, revela ele, que fez questão de falar à Comissão Nacional da Verdade.

A relação com o DF
A primeira vez em que o mineiro pôs os pés na capital federal foi em 1954, aos 11 anos, em uma viagem que ganhou de presente do pai. No entanto, a relação com Brasília começou quando ele tinha sete anos. “Meu avô afetivo foi o deputado constituinte que colocou um artigo na Constituição de Goiás designando 52 mil quilômetros quadrados para a criação do Distrito Federal. Meu pai era mudancista, foi um grande músico e criou uma rádio em Goiás, chamada Rádio Brasil Central, que fazia campanha pela mudança da capital”, conta.

Quando Jarbas tinha cinco anos, a família dele se mudou para Goiânia, em busca de condições melhores de estudo. Lá, aos 16, ele começou a trabalhar em um jornal chamado Hora de Brasília. “Cobri a construção da capital federal como jornalista e conheci as pessoas que fizeram a história daqui”, relembra. No mesmo período, ele começou a se engajar politicamente. “Comecei a militância de nacionalista para comunista com 16 anos. Por essa razão, fui o primeiro jornalista a ser preso em Goiás, em 1964”, conta. Depois de sair da prisão, Jarbas se mudou para Brasília, mas tinha medo: não sabia até onde a repressão o acompanhava. Então, foi trabalhar como açougueiro, na 207 Sul.

Não demorou muito para voltar ao jornalismo, como assessor parlamentar. Em 1966, prestou concurso da Fundação Educacional e foi trabalhar como professor de elementos de economia, história administrativa do Brasil e práticas de escrituração mercantil. Posteriormente, foi aprovado em seleção do Ministério do Trabalho. Também começou a estudar administração na Universidade de Brasília (UnB), mas não conseguiu concluir o curso, pois voltou a ser preso e ficou confinado durante 10 anos. “Em 1967, fui encarcerado porque continuava militando na resistência. Fui pego na 105 Sul, na república onde morava, e levado para uma delegacia do Cruzeiro. Aí, começaram as torturas”, revela.

No livro Torturas e torturados, escrito por Márcio Moreira Alves, Jarbas Silva Marques é citado como o preso político mais torturado no Brasil naquele ano. As crueldades a que foi submetido envolveram cachorros, jacarés, choques elétricos, afogamentos e espancamentos. Ele foi, inclusive, cobaia em aulas de tortura no quartel dos Dragões da Independência, onde foi afogado em tinas de urina e fezes. “Isso entrou nos meus ouvidos e fiquei com fungo e micose.” Depois de ganhar a liberdade, foi tratado no Hospital Sarah Kubitschek por dois anos. Voltou, então, à imprensa. Trabalhou no Correio Braziliense e em outras empresas de comunicação até fundar o próprio jornal: Voz de Luziânia. Ele se aposentou como professor em 1996, quando foi anistiado.

"Fiquei muito tempo preso, vi muita gente passar por isso. A tortura 
continua até hoje dentro de quem não faz o que eu faço: denunciar”


"Cobri a construção da capital federal como jornalista 
e conheci as pessoas que fizeram a história daqui”

Amor nos tempos da ditadura
Em 1975, Jarbas se casou com Inês Etienne Romeu — que faleceu em abril de 2015, mesmo ano em que o casamento completou 40 anos —, em um ato de desmoralização da ditadura. Eles se conheceram em um bar em Belo Horizonte, em 1963. Logo, tanto ele, quanto Inês foram presos e não se viram mais. Foram 12 anos de correspondências por carta até o dia do casamento. Ele, confinado no Esmeraldino Bandeira, em Bangu, e ela, encarcerada no Talavera Bruce, também em Bangu, entraram em um camburão em direção ao antigo Palácio da Justiça, no Centro do Rio de Janeiro, para se casarem. As algemas foram retiradas por apenas um minuto, os papéis do casamento foram assinados e, depois, cada um voltou ao próprio presídio. “Foi uma idealização política minha”, define Jarbas sobre o enlace. “No Ano Internacional das Mulheres, instituído pela Organização das Nações Unidas, a única presa política do mundo a cumprir prisão perpétua era Inês. Então,  casamento foi uma desmoralização da ditadura porque pipocou no mundo inteiro”, relata. Inês saiu da prisão em 1979, dois anos depois de Jarbas. Apesar de terem uma relação humana e amigável, os dois se divorciaram em 1984. Casos como esse podem entrar para a história: o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) pretende criar a Comissão Afetiva da Verdade, para investigar e narrar o amor em tempos de luta contra a ditadura, mas ainda não há data prevista para começar os trabalhos.

Por: Caroline Pompeu – Especial para o Correio Braziliense – Foto/Ilustração: Blog - Google

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