Nas
Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 13/12/2015
Correio Braziliense - 13/12/2015
Para onde se olhe — a política externa, a nossa economia, as políticas
sociais, o Congresso —, está evidente o colapso do presidencialismo de coalizão
encabeçado pelo PT
No início dos anos 1980, a esquerda brasileira não havia se dado conta
ainda de que o mundo que habitava deste a II Guerra Mundial, pautado pela
“guerra fria”, havia deixado de ser bipolar. De certa forma, a onda neoliberal
liderada pelo presidente norte-americano Ronald Reagan, republicano, e pela
primeira-ministra britânica Margaret Tatcher, conservadora, reforçava essa
ideia. No Brasil, a luta contra o regime militar também corroborava essa visão,
na qual o governo do presidente João Batista Figueiredo e o imperialismo ianque
pareciam ser uma coisa só.
Não eram. A Guerra das Malvinas (1982), na qual os argentinos
acreditavam que Washington, no mínimo, mediaria um acordo com a Inglaterra, já
havia lançado por terra toda a doutrina de segurança nacional dos militares do
continente. O aliado principal havia rasgado a Doutrina Monroe (1823) ao apoiar
militarmente os ingleses. Os militares brasileiros começavam, então, uma
retirada em ordem do poder, sob forte pressão das forças democráticas, que por
muito pouco não conseguiram aprovar no Congresso a convocação de eleições
diretas (1984).
A derrota do regime militar ocorreu, porém, no colégio eleitoral que
havia sido montado para institucionalizá-lo, com a eleição de Tancredo Neves
(1985), mas que faleceu antes de tomar posse. Quis o destino que a transição à
democracia fosse comandada por seu vice, o presidente José Sarney. Quando as
eleições diretas finalmente ocorreram, em 1989, o mundo passava por uma mudança
que deixou a esquerda ainda mais perplexa: o colapso repentino da União
Soviética e do chamado “socialismo real” no Leste europeu.
Nessa época, o líder soviético Mikhail Gorbachev tentava salvar o
comunismo de seu esgotamento, com a perestroika (reestruturação) e a glasnost
(transparência), uma tentativa frustrada de modernização e democratização do
socialismo. O velho modelo leninista de economia estatal planificada e partido
único havia sido ultrapassado pelas economias e democracias do Ocidente. Além
disso, havia perdido legitimidade com as intervenções soviéticas na Hungria
(1956), na Tchecoslováquia (1968) e na Polônia (1980).
Gorbachev tinha consciência da gravidade da crise do socialismo e
acreditava que poderia salvá-lo do colapso, mas já era muito tarde. Recusou-se,
porém, a reprimir as manifestações populares que resultaram na queda do Muro de
Berlim, na unificação da Alemanha e no colapso dos regimes comunistas da
Polônia, Hungria, Romênia, Bulgária e Iugoslávia.
Esse efeito dominó provocou uma reação conservadora. Na China, foi o
massacre da Praça Celestial (1989); na URSS, o sequestro de Gorbachev, mas o
golpe militar fracassou porque o povo se rebelou sob a liderança de Boris
Yeltsin. De agosto a dezembro de 1991, o regime soviético deixou de existir sem
que fosse dado um tiro.
O golpismo
Assim como uma parcela da esquerda acreditou que o golpe militar de 1964
teria sido derrotado se houvesse uma reação armada do governo João Goulart —
bastaria bombardear as tropas do general Mourão Filho —, muitos ainda acreditam
que o socialismo no Leste europeu sobreviveria se os comunistas soviéticos
tivessem agido como seus colegas chineses.
Parte da esquerda brasileira, que se vangloria de ter recorrido à luta
armada contra o regime militar, acredita que todos os meios são válidos para
conquistar e manter o poder, como fizeram os comunistas russos na insurreição
de 1917 e na posterior guerra civil, o que, aliás, acontece até hoje em Cuba.
Um dos aspectos dessa concepção é a forma como se aparelha as instituições
políticas e as organizações da sociedade civil, sem falar no que está sendo
revelado pela Operação Lava-Jato.
Não precisamos olhar para os nossos vizinhos da Argentina e da
Venezuela, essa concepção se fortalece entre nós em meio à crise atual. Para
onde se olhe — a política externa, a nossa economia, as políticas sociais, o
Congresso —, está evidente o colapso do presidencialismo de coalizão encabeçado
pelo PT. Uma das maneiras de resolver a crise, já que o atual governo não é
capaz de fazê-lo, é recorrer ao impeachment da presidente Dilma. Esse é o
grande debate em curso na sociedade, em meio às crises ética, política,
econômica e, agora, social. Quem deve decidir é o parlamento.
Trata-se de um mecanismo constitucional, já utilizado com êxito na
deposição do ex-presidente Fernando Collor de Mello (1992). O problema é que a
esquerda no poder considera esse recurso golpista e está disposta a tudo para
não permitir que seja utilizado. Para isso, utiliza a força do Estado contra a
oposição e a sociedade, pressiona o Legislativo e o Judiciário. Na verdade,
corremos o risco de bloquear a democracia brasileira e impedir qualquer
mudança.