Vista geral da Esplanada dos Ministérios:
monumentos contam a história da construção e da consolidação de Brasília e
servem de referência para as futuras gerações reconhecerem o valor do
tombamento
Série de reportagens detalha a importância da
educação patrimonial como forma de conservar a identidade histórica e cultural
da cidade
Pensar a cidade que se quer construir exige a
reflexão sobre aquela que se quer preservar. Em uma região onde vivem quase 4
milhões de pessoas — considerando Distrito Federal e Entorno —, as vidas são
polarizadas pelos 112,25km² de área tombada do Plano Piloto. Por isso, entender
as propostas que fundaram Brasília e saber por que elas devem ser valorizadas é
fundamental para organizar a metrópole que se consolida. Um dos instrumentos a
serem aplicados nessa discussão é a educação patrimonial, que trata do reconhecimento
histórico e cultural do território. São lições para sensibilizar as diferentes
gerações, em variados formatos: dos bancos escolares aos movimentos populares;
para crianças aqui nascidas e para os adultos que escolheram a capital federal
para viver. Algumas dessas iniciativas são apresentadas na série de reportagens
“Educar para se apropriar”, que o Correio apresenta a partir de hoje.
Carlos Madson, superintendente do Iphan no DF:
"Patrimônio não é só monumento"
Patrimônio é tema amplo: abrange os
prédios e monumentos que os olhos apreciam; as ruas e os parques que os pés
percorrem; as músicas, os ritos e as danças a que o corpo dá vazão. Até mesmo
os hábitos de vida dos primeiros moradores deste Planalto Central fazem parte
do arcabouço. Com tanto a descobrir, porém, a preservação dos espaços e das
tradições ainda fica a desejar. Falta conhecimento do que são; falta
reconhecimento do que representam. Por isso, apropriação é palavra-chave na
empreitada. “Patrimônio não é só monumento. É cuidar da cidade”, defende o
superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional
(Iphan-DF), Carlos Madson.
Dois direitos básicos se destacam
quando se fala em preservação de centros urbanos: o direito à cidade e o à
memória. O primeiro consiste na garantia de os cidadãos usufruírem serviços
como transporte e educação com qualidade. O segundo garante o conhecimento das
origens e a projeção de um futuro mais bem planejado. “É saber que a herança
que recebemos temos de entregá-la ainda melhor para a geração seguinte. É a
perspectiva de preservação também como uma ação de futuro. Aí, entra a noção de
qualidade de vida. É o direito de a pessoa usufruir o patrimônio”, explica
Madson.
Vínculos
Costuma-se separar patrimônio material
de imaterial, como se fossem nuances distintas do tema. De forma superficial,
as edificações e os monumentos são patrimônio material; as danças, as músicas e
as tradições culturais, imaterial. Os dois são, no entanto, complementares: um
dá vida ao outro. De acordo com a Constituição Federal, patrimônio imaterial
são saberes, ofícios e formas de expressão que revelam a cultura de um povo ou
etnia. O material abrange cidades, sítios arqueológicos e edificações
particulares ou públicas de relevância histórica. Coleções e acervos também se
enquadram nesta categoria (veja O que diz a lei).
Em Brasília, existe o desafio de
preservar a história em uma cidade em desenvolvimento. O tombamento pela Unesco
ocorreu quando a capital tinha 27 anos, ou seja, ainda em fase de consolidação.
Por isso, ao mesmo tempo em que era necessário atender às demandas trazidas
pelo aumento populacional, também cresciam as responsabilidades sobre o centro
histórico. Tanto no passado quanto agora, a gestão do território precisa
observar as duas questões, na avaliação da professora da Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (FAU/UnB) Sylvia Ficher.
Durante o seminário A cidade e seu patrimônio, no início do mês, ela comentou o
assunto. “Discutir a preservação do patrimônio depende da atenção ao conjunto
metropolitano”, defende.
A decisão de preservar passa pelo
reconhecimento do valor e do significado dos bens, segundo o secretário de
Gestão do Território e Habitação, Thiago de Andrade. “Qualquer processo de
tombamento é lastreado no reconhecimento do valor. Temos que elencar os
valores. Pode ser histórico, meramente estético ou afetivo. Pode ser até mesmo
valor tecnológico”, afirma.
Para ele, a educação patrimonial é o
recurso para jogar luz nesses aspectos. “Ela explicita os valores para que as
atuais e as futuras gerações consigam saber o que está em debate e o que está
oficialmente reconhecido, tombado”, diz. Por isso, o vínculo da comunidade com
o lugar em que vive orienta o processo. “A apropriação efetiva da cidade não
passa por uma lei, mas pelo fato de as pessoas sentirem-se bem no lugar,
viverem bem e, nele, criarem seus laços históricos, afetivos, pessoais”,
conclui.
O que diz a lei
O artigo 216, da Constituição Federal,
define o que é patrimônio cultural brasileiro a partir de cinco eixos: formas
de expressão; modos de criar, fazer e viver; criações científicas, artísticas e
tecnológicas; obras, objetos, documentos e edificações voltados à manifestação
artístico-cultural; conjuntos urbanos e sítios de valor histórico,
paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
Pela legislação, cabe ao poder público, com a colaboração da comunidade, a
proteção dos bens tombados.
Por: Maryna Lacerda – Fotos: Minervino
Junior/CB/D.A.Press – Correio Braziliense
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BRASíLIA » "O poema da curva" - Poste
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“Não é o ângulo reto que me atrai. Nem a linha reta, dura,
inflexível, criada pelo homem. O que me atrai é a curva livre e sensual. A
curva que encontro nas montanhas do meu país, no curso sinuoso dos seus rios,
nas nuvens do céu, no corpo da mulher amada. De curvas é feito todo o Universo.
O Universo curvo de Einstein."
(Poema de Oscar Niemeyer).
Foto: Antonio Cunha/CB/D.A. Press