Coronel Heliodoro, ao lado de Sãozita: desejo de chegar aos 110 anos
Dois centenários do Distrito Federal, do Lago Sul e de Ceilândia,
alcançam 2016 com lembranças e vontade de curtir cada vez mais a vida com
familiares e amigos. Um está pronto para lançar livro; a outra ainda festeja a
chegada aos três dígitos
Para quem tem 100 anos ou está quase lá, a virada
de ano é uma passagem suave. Em vez de festas, contemplação. Deixam-se de lado
resoluções e promessas; o presente é o futuro que interessa. Durante a
contagem, não pensam mais nas bravas conquistas a serem alcançadas. Os desejos
para o novo ciclo são simples e, por isso, fundamentais. Pensam em qualidade de
vida, momentos com a família, aproveitar um dia de cada vez. O réveillon dos
centenários é a lição de vida que os mais jovens tentam aprender a partir de
amanhã.
No ano em que completa o centenário, o coronel
Affonso Heliodoro deve lançar mais um livro. Ainda sem título, a obra é uma
seleção de crônicas e contos sobre as passagens da vida do fiel companheiro de
Juscelino Kubitschek. As histórias foram escritas ao longo da trajetória de
Heliodoro e, há quatro anos, estão sendo revisadas e preparadas para
publicação. A expectativa é de que o lançamento ocorra no dia do aniversário do
coronel, 17 de abril. Com tanto a contar, não falta vontade de viver. “Vou
chegar aos 110 anos! Não tenho doença nenhuma”, afirma o morador do Lago Sul.
A tranquilidade é um dos caminhos que o trouxeram
às portas do centenário. “Não tenho dívidas, de nenhuma natureza. Não tenho
dívida financeira, nem de comportamento, tampouco de amizade”, diz. A chegada
do ano-novo será ao lado da companheira, Maria da Conceição Cabral, a Sãozita,
de 94 anos. Os dois passam o dia juntos, brincando um com o outro. “Nunca
brigamos”, conta coronel Heliodoro. A harmonia diária é o desejo de Sãozita.
“Quero estar ao lado do meu amor”, diz.
Dona Eugenia reclama da dor, mas diz que vai dançar até os "1.500 anos"
Muitos
janeiros
A baiana Eugenia Zacarias de Almeida completou o
centenário em 8 de dezembro, e não fala muito sobre o futuro. Ela prefere
relembrar o passado, seja o recente ou a época em que morava no Nordeste e
lutava para criar os 10 filhos. Afinal, como ela mesma diz, “100 anos são muitos
janeiros nas costas de uma pessoa”. Duas coisas são imprescindíveis na festa da
virada de Eugenia: fogos de artifício e muita música.
Apesar de se dizer doente por conta das dores
físicas que sente, Eugenia não se deixa abater. Costura colchas à mão, tapetes,
almofadas, faz sabão e, ao primeiro sinal de sujeira, põe-se em pé para uma
limpeza caprichada. As filhas tentam convencê-la de que pode cair e se
machucar, mas ela dá de ombros. “Eu fui criada na roça, não dou conta de ficar
só vendo tevê, tenho que trabalhar”, explica. Com tanta vivacidade, a filha
dela, Alice Malinski, chega a duvidar da idade da mãe. “Não acredito que uma
pessoa dessa tenha 100 anos. Naquela época, os pais não sabiam: os filhos
nasciam e registravam em qualquer data”, questiona.
O evento para comemoração do centenário de Eugenia
é exemplo da energia que ela tem. Embora ela reclame de dores nas pernas, um
vídeo gravado pelo bisneto Alysson — neto de Alice — mostra a veterana dançando
ao som da banda de rock Dire Straits. “Foi uma beleza! Comi de tudo. Se eu não
estivesse doente, menina, aquilo ia ser um forró. Danço até inteirar 1.500
anos!”, conta Eugenia.
Quando jovem, a baiana enfrentou diversas
dificuldades, como a falta de água. “Eu nasci num lugar em que a gente bebia água
boazinha só no inverno. De resto, era vermelha, salgada. E ainda tinha que
descer um poço da ‘fundura’ desses postes e subir com o pote na cabeça”,
relata. A cidade a que se refere a mãe de Alice é Mansidão (BA), a 650km de
Salvador. Lá morou até se casar com Luiz Gomes de Almeida e se mudar para
Formosa do Rio Preto, no mesmo estado.
O casal teve 10 filhos. Além desses, vieram seis
frutos do casamento anterior de Luiz. O marido morreu em 1958, quando Eugenia
tinha 43 anos. Onze anos depois, ela veio ao Distrito Federal fazer algumas
consultas e nunca mais retornou. “Quando o Luiz faleceu, dos 10 filhos, só dois
estavam crescidos. Eu sofri demais para criá-las, mas fiz com todo amor, com
toda coragem. Levantava às 5h, passava o café, fazia o beiju para eles e saía
para tirar lenha”, relata.
Fonte: Maryna Lacerda – Laura Tizzo – Fotos: Carlos
Vieira/CB/D.A.Press – Correio Braziliense