A professora Irene Soares acha uma vergonha o preço
do petróleo ter diminuído no mundo inteiro e no DF a gasolina ser tão cara
O mecânico Floriano Mendes conseguia dirigir por
duas semanas depois de colocar R$ 100 no tanque; agora, só dá para uma semana
O Cade acredita que os últimos aumentos nos postos
são suficientes para intervir no setor
Limitação do lucro vai fazer com que o etanol
também baixe de preço, afirma promotor
O conselho nomeará um interventor para conferir a
suposta combinação de preços nos postos de combustíveis da maior rede do
Distrito Federal. Já o Ministério Público divulgou TAC para limitar o lucro da
mesma empresa em 15,87%
A insistência dos postos de combustível
do DF em manter uma alta margem de lucro e não baixar o preço da gasolina após
a Operação Dubai comprovar a combinação de preço entre empresas do setor levou
o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) a intervir na maior
companhia do mercado, a Cascol — é a primeira vez que isso ocorre no país. O
Cade anunciou ontem a nomeação um administrador temporário para a firma, com a
missão de diminuir os valores praticados pelos postos. O gestor interino será
escolhido pelo órgão a partir de uma lista com cinco nomes a ser apresentada
pela Cascol em 15 dias. Também ontem, o Ministério Público do DF divulgou a
assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com a mesma empresa, que
terá de limitar o lucro em 15,87%, de acordo com o preço que adquire o produto.
Apesar de não haver interceptação
telefônica ou alguma prova cabal de que os empresários seguem combinando
preços, o Cade entendeu que as últimas alterações nos valores são suficientes
para intervir no setor. A prisão de sete empresários do ramo, em novembro,
quando foi deflagrada a Dubai pela Polícia Federal, em parceria com o MP e o
Cade, não constrangeu a atuação dos proprietários dos postos. Segundo o Cade,
eles aproveitaram o reajuste do ICMS, no início do ano, para aumentar o preço
da gasolina acima da média e elevar o lucro do suposto cartel.
O superintendente-geral do órgão de
defesa, Eduardo Rodrigues, classificou a intervenção como a medida “mais
adequada e proporcional a fim de restabelecer a concorrência”. “Nós verificamos
um paralelismo de preço muito grande. Esperávamos que, depois da Dubai,
ocorresse uma ausência de coordenação entre os estabelecimentos, e parece que
isso não aconteceu”, explicou Rodrigues. Para ele, o reajuste do ICMS foi um
termômetro para avaliar se o cartel seguia em atuação.
Todos os postos da Cascol com bandeira
BR, equivalente a dois terços dos estabelecimentos da rede, serão administrados
pelo novo gestor. “Os consumidores vão ter 60 postos nas mãos de uma
administração independente, não alinhada com o suposto cartel. Acreditamos que
isso vai permitir uma precificação independente”, argumentou Rodrigues. A ação
se deu nessa empresa por ser a maior do DF. “Temos provas robustas de que a
Cascol participa e é líder das combinações. Além disso, é sabido que são
líderes de mercado e sempre acontece de os demais agentes seguirem o preço
deles”, diz.
Ajuste de conduta
O TAC também poderá ajudar a baixar o
preço do combustível em Brasília. O acordo, resultado de uma sentença de
primeiro grau de uma ação civil pública ajuizada pela Promotoria de Defesa dos
Direitos do Consumidor (Prodecon), em 2007, terá validade de seis meses, sob
pena de R$ 50 mil a cada situação de descumprimento. Paulo Roberto Binicheski,
da Prodecon, defende a intermediação do MP. “Não interferimos, não estamos
tabelando o lucro, como alguns querem dizer. Estamos limitando a margem de
lucro”.
Ele conta que o fim do cartel também
poderia resultar num etanol mais barato. “O álcool é mantido alto de maneira
artificial no DF. Fui para Goiânia neste fim de semana e lá a diferença entre o
etanol e a gasolina é de 70%. Aqui é quase o mesmo preço. Não compensa”, diz.
Bichineski afirma que a intervenção do Cade não altera nada o TAC, e que o novo
administrador da Cascol terá de cumprir o termo. “Vamos fiscalizar se eles
estão cumprindo o termo de ajustamento.”
Por meio de nota, a Cascol afirmou
soube da ação do Cade apenas pela imprensa. “Mesmo sem conhecermos os detalhes
da decisão, adotaremos, se for o caso, as medidas judiciais e administrativas
necessárias para cassar referida decisão”, diz a mensagem.
Os consumidores, por sua vez, veem com
desconfiança as ações do Cade e do MPDFT e acham que a inflação já é o
suficiente para pesar no bolso. A professora Irene Soares, 52 anos, precisa abastecer
pelo menos dois veículos, o dela e o do esposo. “É um roubo, uma vergonha. Já
descobriram o cartel, mas nada foi feito. Os preços não baixaram. O preço do
petróleo caiu em todos os lugares. Só aqui não faz efeito”, afirma Irene.
Segundo Floriano Mendes Regis, 53, além de caro, o combustível não tem boa
qualidade. Ele é mecânico, mora no Guará e, mesmo trabalhando perto de casa,
sentiu o peso no orçamento. “Quando abastecia com R$ 100, eu conseguia rodar
duas semanas. Hoje, dá apenas para uma semana”, criticou.
"O álcool é mantido alto de
maneira artificial no DF. Fui para Goiânia e lá a diferença entre o etanol e a
gasolina é de 70%”
(Paulo Roberto Binicheski, da Prodecon)
"Os
consumidores vão ter 60 postos nas mãos de uma administração
independente, não alinhada com o suposto cartel”
(Eduardo Rodrigues, superintendente-geral
do Cade)
Palavra de especialista - Direto
na fonte
“A população está insatisfeita.
Ocorreram medidas, mas ainda nada prático para os consumidores. No entanto, as
duas ações anunciadas — a decisão do Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (Cade) de intervir na Rede Cascol e o Termo de Ajustamento de Conduta
(TAC) assinado entre a Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos do
Consumidor (Prodecon) e a Cascol — me parecem contraditórias. O setor de
combustíveis já é um setor que tem liberdade. Apenas limitar o preço não
adianta. Isso nunca funcionou no Brasil. O mais eficaz neste momento será, de
fato, ações como a do Cade. Vão direto na fonte do problema. É preciso quebrar
a coordenação do cartel, que é o que fará com que eles mexam no preço do
combustível. Um exemplo: quando começaram as primeiras medidas, houve uma
quebra da coordenação do cartel. Na quadra onde moro, tinha posto com gasolina
a R$ 4,12 e outros, a R$ 3,97. No dia seguinte, todos abaixaram para R$ 3,97,
ou seja, os preços começaram a variar, o que mostra um desequilíbrio dessa
organização. Se o Cade entrar nesse grupo, começará a fiscalizar, rever
planilhas e perceberá que tem condições de enxugar o preço do combustível. Se
60% dos postos do DF baixarem, todos os outros terão de baixar também. Outras
ações, como a ideia do governo de criar concorrência, com postos em mercados,
por exemplo, também ajudarão, além dos boicotes nas redes sociais. Os postos
que sentirem esse protesto terão que baixar o preço.”
(Vander Mendes Lucas, professor de Economia
da UnB)
Fonte: Matheus Teixeira – Camila
Costa – Fotos:Minervino Junior/CB/D.A.Press – Correio Braziliense