test banner

JUSTIÇA » Defesa tenta anular Pandora

Advogados do ex-governador acreditam que perícia poderia indicar edição contra os réus da gravação feita por Durval Barbosa com escuta da PF
                    Nélio Machado: "Uma combinação entre acusadores e o juiz"
        Bessa: "Tenho total confiança nos colegas. São pessoas muito sérias"

A defesa de José Roberto Arruda busca anular todas as 19 ações penais da Operação Caixa de Pandora com base em diálogo captado numa das audiências de instrução na 7ª Vara Criminal. Em habeas corpus impetrado ontem no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), o advogado Nélio Machado sustenta que a gravação evidencia uma combinação entre os promotores Carlos Augusto Silva Nina e Sérgio Bruno Cabral Fernandes, do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), e o juiz Atalá Correia, que conduzia a audiência, em 23 de janeiro do ano passado, para impedir a produção de provas em favor dos réus da Pandora. O habeas corpus foi distribuído ontem ao desembargador Jesuíno Aparecido Rissato, com pedido de liminar para suspender todas as audiências.

A conversa, considerada prova de um “conclave” entre a Justiça e o Ministério Público contra a defesa, ocorreu durante o intervalo de uma das audiências da denúncia de corrupção contra o ex-deputado Berinaldo Pontes. Os gravadores do TJDFT, que registram o conteúdo integral das audiências, a captaram. Os promotores e o magistrado aparentemente falavam sobre uma perícia requisitada pelos advogados dos réus no equipamento da Polícia Federal que gravou um diálogo entre Arruda, o então chefe da Casa Civil, José Geraldo Maciel, e Durval Barbosa, na residência oficial de Águas Claras, dois meses antes da deflagração da Pandora, em novembro de 2009.


Monitorado pela PF, diante de autorização do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Durval entrou na residência do governador com um gravador escondido no corpo. Os três travaram, então, um diálogo sobre a relação do Executivo com deputados distritais. A conversa é considerada uma prova fundamental nas 19 ações penais da Pandora, sendo 10 delas contra Arruda, principalmente no trecho em que o então governador fala sobre “despesas com políticos”.

Edição
Os vídeos gravados por Durval Barbosa, em que personagens políticos, como Arruda e os ex-deputados Leonardo Prudente, Brunelli e Eurides Brito, aparecem recebendo dinheiro das mãos do ex-secretário de Relações Institucionais, também são consideradas provas importantes para as acusações do MP. Uma das principais linhas da defesa é apontar que houve uma edição nesse diálogo e nos vídeos exibidos pelo delator da Pandora. Com o argumento, os advogados pedem uma perícia judicial no equipamento da PF que fez a gravação há seis anos.


No intervalo da audiência na 7ª Vara Criminal, o assunto teria sido discutido (veja Diálogo gravado). Perito contratado pelos advogados de Arruda, Joel Ribeiro Fernandes, do Rio Grande do Sul, aponta: “Os locutores, pelos assuntos tratados, demonstram saber que ‘vídeos’ estão editados. Durante a oitiva da conversa, constata-se que um dos assuntos tratados foi sobre liberar a realização de perícias, ou não”.


Para Nélio Machado, o diálogo é prova da parcialidade na condução do processo. “Trata-se de uma conversa nada republicana, uma combinação entre acusadores e o juiz e que expõe como funcionam essas forças-tarefas em operações. Advogo há 40 anos na área criminal e nem mesmo na época da ditadura vi algo parecido”, afirmou. Um dos signatários do manifesto dos advogados contra a Operação Lava-Jato e o juiz Sérgio Moro, Machado considera o episódio muito pior do que a conduta reclamada pelos representantes dos réus do Petrolão, em nota conjunta divulgada na semana passada.


Acusações
No fim do ano passado, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados (OAB) entrou com uma representação no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), contra o juiz Atalá Correia, e no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), contra os promotores de Justiça Carlos Augusto Silva Nina e Sérgio Bruno Cabral Fernandes.


Nas petições assinadas pela advogada Priscilla Lisboa Pereira, coordenadora da Procuradoria Nacional de Defesa das Prerrogativas, o órgão pede providências para apurar “eventuais violações à ordem jurídica do Estado Democrático de Direito, tendo em vista as tratativas dos membros do Ministério Público com o magistrado, durante intervalo de audiência, sobre provas do processo, em detrimento da defesa”. Os promotores de Justiça foram intimados e preparam defesa. Procurado ontem, o presidente do Conselho Federal da OAB, Marcus Vinícius Furtado, não quis se manifestar, sob o argumento de que os processos estão sob segredo de Justiça.

"Advogo há 40 anos na área criminal e nem mesmo na época da ditadura vi algo parecido”
(Nélio Machado, advogado de Arruda)

Diálogo gravado
Trecho de conversa que teria sido mantida entre o juiz Atala Correia, então titular da 7ª Vara Criminal de Brasília, e os promotores de Justiça Carlos Augusto Silva Nina e Sérgio Bruno Cabral Fernandes, em 23 de janeiro de 2015, durante audiência de instrução no processo da Operação Caixa de Pandora em que o réu é o ex-deputado distrital Berinaldo Pontes.


“L* – Ontem avisaram...tá tudo editado.
LF (3min21s) – O Durval tem mais vídeos.
(...)
L – Eu não acredito que eles editavam!
(...)
L (4min32,6s) – E a gente tem conver/ é debatido lá, com relação a essa questão das perícias, a gente fica sempre naquela dúvida, de deixar, concordar, pra não alegarem depois nulidade... mas a 
gente não sabe até onde vai levar isso...
(...)
L1 (JUIZ) – É. Pois éée. Eu tou assim...
(...)
L (4min54s) – Não responda sobre o equipamento. 

L1 (JUIZ) (4min55,5s) – Não, não, eu só precisaria dessa, dessa conversa [assim]...
(...)
LF (5min23s) – Se aparecer vai ser uma loucura né? Mas os aparelhos já tão aí.
L1 (JUIZ) – Mas eu acho assim, se o aparelho não existe mais...
L (5min27s) – O senhor pode dizer que não tem. 

L1 (JUIZ) – Isso aí é uma questão de...

LF (5min28s) – Tem, eu vi o aparelho.”

* Os locutores não foram identificados pela perícia técnica contratada pela defesa de Arruda


Gaeco: "falsidade evidente"
A Associação dos Magistrados do DF (Amagis-DF) divulgou nota em defesa do juiz Atalá Correia em que diz: “A Amagis registra publicamente que o juiz Atalá Correia sempre pautou sua conduta nos mais elevados princípios éticos, sendo exemplar no exercício da jurisdição. (A entidade) acompanhará atentamente o exercício do direito de defesa, disponibilizando os meios necessários”.

O juiz Atalá Correia disse que tomou conhecimento da representação protocolada no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pela imprensa. “Estou absolutamente tranquilo quanto à minha isenção e da legalidade da conduta enquanto fui juiz do processo. Aguardo com serenidade a decisão do Judiciário”, afirmou.

Coordenador do Gaeco, o promotor de Justiça Pedro Dumans saiu em defesa dos colegas que participaram da audiência na 7ª Vara Criminal, em que o diálogo questionado foi gravado. A equipe trabalha desde o fim do ano passado a defesa dos promotores Sérgio Bruno Cabral Fernandes e Carlos Augusto Nina a ser apresentada ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Segundo Dumans, o diálogo travado na audiência não aponta qualquer combinação com o juiz e todo o conteúdo da conversa foi discutido nos autos do processo. Ele sustenta que a perícia particular apresentada pelos advogados contém “falsidades evidentes”. “As incongruências entre as falas e as transcrições apresentadas pela defesa são gritantes”, acrescenta.

O procurador-geral de Justiça do DF, Leonardo Bessa, também defendeu os dois promotores. “São pessoas muito sérias, em quem confio totalmente. Não estão naquela função para perseguir ninguém”, disse.

“Tenho absoluta confiança no trabalho deles. A seriedade dos dois promotores é evidente”, acrescentou Bessa. Sérgio Bruno Fernandes, um dos promotores citados, está há um ano cedido à Procuradoria-geral da República para atuar na força-tarefa de Rodrigo Janot na Operação Lava-Jato.

Elísio Teixeira Lima Neto, presidente da Associação do Ministério Público do Distrito Federal, não vê qualquer desrespeito ou violação da ordem jurídica na conversa entre os promotores e o juiz. Para ele, a interpelação feita pelo Conselho Federal da OAB é uma estratégia de defesa, e que a atuação do Gaeco é digna de elogios. “Repudio qualquer ação que vise a atingir direta e pessoalmente os dois promotores, que têm feito um trabalho brilhante no caso da Caixa de Pandora”, apontou Elísio. “Os dois possuem minha total confiança e meu apoio total”, concluiu.

"Estou absolutamente tranquilo quanto à minha isenção e da legalidade da conduta enquanto fui juiz do processo"
(Atalá Correia, juiz do TJDFT)





Fonte: Leonardo Meireles – Foto: Breno Fortes/CB/D.A.Press – Correio Braziliense

Postar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem