Paulo Sergio, com o bisavô Oscar
Niemeyer (Fotos/Divulgação)
Paulo Sergio Niemeyer devia ter 8
ou 9 anos quando, ainda na escola, no meio de uma aula em que o professor
falava sobre a construção de Brasília, deu de cara com um nome no livro
didático que lhe pareceu familiar. Chegou em casa com a publicação nas mãos e
uma pergunta: “Mãe, este Oscar Niemeyer é nosso parente?” O menino não havia se
dado conta de que Oscar era o bisavô de quem tanto gostava, mas que ele sequer
sabia ser um arquiteto mundialmente conhecido. E que o menino nem imaginava ter
projetado os prédios mais importantes da capital. “Eu conhecia o meu bisavô,
mas não o grande Oscar Niemeyer, se é que você me entende. Não associei o nome
à pessoa”, conta.
Muitos anos depois, ele mesmo,
Paulo, tornou-se arquiteto — a exemplo não só do bisavô, mas também dos pais,
Walter Makhohl e Ana Elisa Niemeyer. E a partir daí, em parceria com Oscar,
desenvolveu grandes projetos como o Caminho Niemeyer, em Niterói; o Memorial
Luís Carlos Prestes, em Porto Alegre; o Auditório São Paulo, em São Paulo;
entre outros. No último ano, no entanto, vem se dedicando a Brasília, mas não a
uma obra específica naquela região e nem como arquiteto. Uma linha de bancos e
mesas, cujas formas em grande parte remetem a construções da capital projetadas
pelo bisavô, marca sua estreia como designer de móveis.
— Da mesma forma que eu tive a
vivência na arquitetura, tive também na arte e no design. Minha avó, mãe da
minha mãe, era a marchande e galerista Anna Maria Niemeyer.
Passei boa parte da vida ao seu lado. Isso me influenciou e também teve seu
peso sobre o meu trabalho — afirma Paulo.
Arquitetura, arte e design de
fato se misturam na linha que o arquiteto apresentou pela primeira vez na
última edição da feira da Abimad (Associação Brasileira das Indústrias de
Móveis), há cerca de duas semanas, e que deve começar a ser comercializada no
Rio em março. Duas das peças principais, por exemplo, são o banco e a mesa
lateral Catedral, cujas linhas são inspiradas na Catedral Metropolitana de
Brasília:
— Penso nos objetos como obras de
arquitetura. No caso desses dois móveis, o apoio central não poderia ir até o
chão, apenas as curvas deveriam tocar no solo. É o que os arquitetos chamam de
transposição de carga: ela começa no apoio central e depois é descarregada nas
laterais. Assim, conseguimos criar na parte de baixo das peças o mesmo efeito
da catedral.
A Chaise Rio, inspirada nas montanhas do Rio de Janeiro - Divulgação/Maira Allemand
Paulo não fala “conseguimos” à
toa. Ele costuma conjugar o verbo no plural para enfatizar que o resultado
final dos móveis também vem do esforço dos marceneiros da fábrica com a qual
trabalha. Desenhos são consequência de intuição e vontade, explica o arquiteto,
mas não são o objeto acabado:
— Seria muita pretensão achar que
apenas um projeto meu no papel seria o suficiente. Isso é algo que aprendi com
o Oscar. Ele mudava muita coisa quando, depois de ter desenhado, via a maquete
em 3D. Do desenho para o concreto, sempre há muitas diferenças. E ele sempre
fazia mudanças para melhor, claro.
Os traços característicos de
alguns dos prédios mais importantes de Brasília também aparecem em móveis como
o banco Alvorada. Apesar do nome, Paulo explica que o design dessa peça é
inspirado no Palácio do Planalto.
— Escolhi chamar de Alvorada porque a palavra é mais bonita — explica o
arquiteto.
Completam a linha recém-lançada por Paulo a Mesa Folha, a Mesa Oscar
Corporativa e a Chaise Rio. Esta última, aliás, é o único móvel que o bisavô
chegou a ver em vida, já que seu protótipo foi feito há mais de cinco anos.
— A chaise era ainda uma experimentação e só agora posso dizer que temos
sua versão final. Gostaria que ele tivesse visto o restante das peças — lamenta
o arquiteto. — Mas não faço ideia do que acharia. Oscar não gostava de emitir
opinião sobre o meu trabalho ou sobre os projetos dos outros. Talvez porque
soubesse da força que qualquer palavra sua tinha.
A Mesa Folha, que faz parte da
linha de móveis lançada este ano -
Divulgação/Maira Allemand
Oscar, Dindim, vô... Paulo chamava Niemeyer de várias maneiras. Tudo
dependia da ocasião e de quem estivesse por perto. Da época em que morou com o
bisavô, até quase o final da sua vida, o arquiteto lembra que por diversas vezes,
já bem tarde da noite, Niemeyer pedia uma canetinha para “rabiscar” projetos.
Vários desenhos da Cidade Administrativa de Minas Gerais, inaugurada em 2010,
foram feitos desse jeito. Paulo pensa também em reunir essa e outras histórias
em um livro:
— Presenciei diversos encontros do meu bisavô com gente como Saramago,
Fidel e Eduardo Galeano. Participei de vários de seus projetos. Abrimos juntos
o Instituto Niemeyer de Políticas Urbanas e Culturais. Tudo isso me fez ter
vontade de escrever sobre o que vivemos. Até sobre o barquinho de controle
remoto que ganhei dele na infância quero falar. Talvez este ano eu escreva
mesmo um livro sobre tudo isso.
Foi por causa do Instituto Niemeyer que Paulo foi convidado pelo Google
para homenagear o bisavô no site de pesquisas. Ele é o responsável pelo desenho
em comemoração aos 52 anos de Brasília, a partir dos traços de Oscar.
A relação tão próxima que mantinha com o bisavô explica como Paulo
conseguiu, por exemplo, finalizar a construção do Memorial Prestes, em Porto
Alegre, mesmo depois da morte de Niemeyer. Para o coordenador do projeto, o
sociólogo Edson Carlos Ferreira dos Santos, a responsabilidade com a última
obra da vida do arquiteto é gigantesca.
— Paulo foi extremamente rigoroso com todos os detalhes, já que os
cuidados são muitos na hora de se fazer um projeto do Niemeyer. A parte física
está pronta e agora trabalhamos no acervo para inaugurar o espaço em 28 de
outubro, data que marca o início da Coluna Prestes — diz Edson.
O
banco Catedral, em três versões -
Divulgação/Maira Allemand
No memorial, Paulo também deixa sua marca. O protótipo de sua Chaise Rio, por
exemplo, está lá. Seu móvel “número zero”, como ele mesmo o chama, tem
inspiração no Pão de Açúcar.
— O legado de Oscar Niemeyer é eterno, e o Paulo tem uma ligação muito
estreita com ele — analisa Johnny Ariel Duarte, dono da Milênio Home,
fabricante dos móveis do arquiteto. — A arquitetura de Niemeyer não é nada
simples, justamente por causa das curvas. É muito mais fácil construir ou
projetar em linhas retas. Paulo também opta por esse caminho mais complexo. A
Chaise Rio tem uma fabricação quase artesanal.
Paulo diz que já começou a desenhar a próxima linha de móveis e explica
que, na futura empreitada, não deve reproduzir obras do bisavô. Para logo
depois emendar:
— Quer dizer, a inspiração que vem dele está sempre junto. Os projetos
que acompanhei fazem parte da minha história e têm lá sua influência.
Cris Camargo, Paulo Sergio Niemeyer e Mariella Stock Foto: arquivo
pessoal / arquivo pessoal
Fonte: Josy Fischberg – Jornal “O
Globo” - -