Somente o desprezo pelo Estado,
incluídas todas as suas instituições, e, sobretudo, desdém pelos mais
elementares direitos da nação, é que podem explicar a situação atual de
derrocada total, tanto do Partido dos Trabalhadores, quanto de suas principais
lideranças.
As últimas manifestações de rua a favor do impeachment da presidente
Dilma enterraram de vez, em cova rasa da indigência, 13 anos de um governo que,
a princípio, poderia ter dado certo, devido ao grau de adesão de primeira hora
do grosso da população às suas teses originais, dada à esperança de todo um
povo em mudanças.
O tempo, com seu ralador implacável, cuidou de transformar em farinha
contaminada o índice de popularidade inédito, superior a 80%. A população deu e
agora tomou. Perdeu o partido, com o carimbo duradouro do descrédito. Perdeu a
sociedade, que terá de arcar com os prejuízos de terra arrasada deixada para
trás e o tempo para reconstruir tudo novamente.
Para a democracia em formação, a experiência renderá lições preciosas,
principalmente um manual sobre o que não fazer. Piores, nessa experiência mal
lograda e infeliz, serão as consequências para o conjunto da população sob a
forma de uma cizânia belicosa.
Sem dúvida, a maior herança maldita legada aos brasileiros foi
cuidadosamente semeada, dia após dia, e tinha como objetivo claro, numa
primeira fase, dividir para dominar. Posteriormente, essa tática divisionista
viria a ser sistematicamente empregada como meio de desviar a atenção das
pessoas para os reais problemas que surgiam à medida que as investigações
policiais avançavam. Coxinhas, golpistas, nós contra eles, elite conservadora,
brancos de olhos azuis e outros rótulos forjados a ferro e fogo como tatuagens.
O mesmo separatismo foi utilizado, no passado, pelos nazistas, para
dividir os arianos dos judeus, obrigados a trazer marcado na pele a estrela de
Davi. Essa é, entre todos os legados, a verdadeira semente do mal. Essa é a
mesma semente germinada recentemente nos Bálcãs e que custou centenas de
milhares de vidas.
Ao colocar o partido e seus ditames acima da vida e da dignidade humana,
essa gente que agora se despede deixou à mostra seu desprezo pelo outro,
tratado como inimigo a ser eliminado. De todas as acusações que poderão levar
ao processo de impeachment desse governo, nenhuma é mais grave e mais nefasta,
por seus efeitos deletérios do que induzir e lançar os brasileiros numa rinha
fratricida e insana. Trata-se aqui de instigar e catalisar o genocídio, na sua
forma mais cristalina, vista em diversos outros casos na história da
humanidade.
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A frase que foi pronunciada
“Cego é aquele que não vê seu próximo morrer de frio, de fome, de
miséria. Surdo é aquele que não tem tempo de ouvir um desabafo de um amigo, ou
o apelo de um irmão.”
(Mario Quintana)
Por: Circe Cunha – Coluna “Visto,
lido e ouvido” – Ari Cunha – Correio Braziliense – Foto/Ilustração: Blog -
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